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Blog da Lúcia Helena

Todo médico deveria prescrever uma dose diária de Natal

Lúcia Helena

21/12/2017 04h17

Crédito: iStock

Sinto que a nossa dosagem de Natal está em baixa. Sei, sei… Um ano difícil, notícias ruins para calar qualquer sino pequenino de Belém. Talvez nem Papai Noel, se existisse, teria saco, porque a coisa não está para brinquedo. Portanto, até dá para entender os sintomas, que vão da falta de ânimo para montar a árvore à cegueira para o piscar de luzinhas pelas ruas. Muitas vezes, surge a vontade de que tudo termine depressa em perus e panetones. E parabéns pelo bebê, minha Santa Maria, mas …fui!

Confesso, já fiz o autodiagnóstico: estou nessa condição. Lamento. E isso anda me preocupando. Não deveria ser normal. Porque, se falta um Natal batendo em meu peito agora, imagine então durante todo o ano que virá…  Penso deveria existir uma dose natalina diária para cada um de nós. Dezembro, a dosagem apenas viria concentrada. Mas, se nem agora o Natal está agindo, como será?

Claro, não indico o consumismo, que faz mal à saúde financeira —  e que agride a saúde mental também, de maneira silenciosa até a conta do cartão urrar no extrato bancário e bater o cortisol do desespero nas veias. Tampouco desejo o trânsito infernal — ora, o inferno decididamente não é o local dessa festa!

Eu me refiro ao espírito natalino. Ou seja, estou falando de religiosidade ou, melhor, de espiritualidade — termo que os estudos da Medicina privilegiam (e eu também) por representar a crença em um propósito maior nessa tal da vida, independentemente de você seguir uma religião, ser cristão ou não. E, sim, também estou falando de saúde. Se falta um Natal em nossas cabeças agora, nossa disposição tem tudo para ir para o beleléu em 2018, creia no meu aviso.

Pois fique sabendo que, só nos últimos dez anos, entre as festas de 2007 para cá, foram publicados mais de 62 mil trabalhos científicos avaliando como a espiritualidade interfere no bem-estar mental e físico. Leu bem? Fí-si-co. A espiritualidade interfere demais na saúde desse corpo, tão feito de matéria.

Há uma série de bons relatos, que consumiriam linhas e mais linhas aqui. Trabalhos mostrando que, entre pessoas que mantêm alguma prática espiritual no dia a dia , há concentrações menores de interleucina 6 no sangue. Ter essa molécula em baixa é uma boa, porque ela está ligada a reações agudas ao estresse, doenças do coração, derrames, depressão, câncer e até Alzheimer — está de bom tamanho? É só exemplo.

Pesquisas de montão apontam ainda uma relação entre  espiritualidade e qualidade de vida no tratamento do câncer — o que desemboca, indiretamente, em maiores chances de sucesso.  Assim como há uma boa quantidade de estudos sérios que acusam uma menor sensibilidade à dor entre quem tem alguma fé — seja em Deus, seja simplesmente na possibilidade desse mundo velho melhorar.

Não sei se move montanhas. Sei que a fé mexe com a cabeça, segundo exames de ressonância magnética. Mexe, inclusive, com áreas da massa cinzenta que regulam nossos hormônios. E os hormônios, por sua vez, interferem no sistema imunológico… Assim vai. Tudo interligado. É o que os médicos chamam de sistema neuro-imuno-endócrino, um toma-lá-dá-cá do nosso organismo que  é cada vez mais investigado. Sim, a fé na vida é, no minimo, um dos fios para desenrolar essa relação entre neurônios, células de defesa e hormônios.

Difícil é medir com exatidão a sua influência, porque Deus, Universo ou o nome que quiser dar, ah, não cabe em pipetas, nem pode ser visto nos exames de imagens. Mas a influência da espiritualidade existe. Lembre-se: são mais de 62 mil estudos.

E então é Natal… Sei, existem 365 dias no ano para a gente ter uma gotinha de fé, não precisa ser no 25 de dezembro. Mas é que o Natal não é uma fórmula simples. Envolve também o ficar perto de quem a gente gosta. E rever amigos. Isso faz parte de qualquer receita de qualidade de vida.

De quebra, o espírito natalino nos injetaria a compaixão. No seu cérebro, ela envolve os neurônios-espelho. Descobertas em meados dos anos 1990 por cientistas da Universidade de Parma, na Itália, essas células nervosas pareciam ter a ver apenas com a imitação de movimentos. Graças a elas, bebês aprenderiam a falar copiando o abrir e o fechar da boca dos adultos, por exemplo. Mas agora se especula que cá entre nós, seres humanos, são esses mesmos neurônios-espelho que despertariam a empatia, ou seja, a possibilidade de a gente sentir as dores e os amores dos outros. Se não são ativados, perderíamos até mesmo um pouco do que poderia definir, de maneira simplista, como intuição.

Diante disso tudo, se nos falta um Natal agora, para combater um mundo tão doentio, realmente estamos enfraquecidos. Sim, se fosse possível (e se o paciente aceitasse o tratamento), todo médico deveria prescrever uma dose diária de Natal. Para que os neurônios-espelho registrassem cada carinha ao nosso lado com a maior empatia. E para que a alegria botasse os hormônios para funcionar e as defesas para quebrar. Para que a fé na humanidade se tornasse uma vacina. Acho que, no caso, valeria até automedicação. Eu mesma queria a dose oral de um beijo ou a transdérmica de um abraço.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.