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Blog da Lúcia Helena

Aproveite o guaraná e outros segredos de longevidade guardados na Amazônia

Lúcia Helena

26/12/2017 04h15

Crédito: iStock

Existe, no meio da Floresta Amazônica, uma região específica que não para de causar espanto à ciência. Ora, ali 1% da população tem mais de 80 anos — ou seja, o  dobro do encontrado em outros municípios brasileiros e na maioria dos cantos do mundo. Mas nem é a idade que impressiona e, sim, a incrível qualidade de vida desses senhores que, para você ter ideia, exibem força muscular e equilíbrio motor comparáveis aos de indivíduos quarentões.  Acredite: isso não é figura de linguagem.

É de Maués que estou falando. A população longeva desse município a 260 quilômetros de Manaus, no Amazonas — maior do que o estado inteirinho do Alagoas —, vem sendo examinada há mais de 20 anos. É  um esforço de pesquisa que assume ares de aventura na selva. Ora, metade dos seus 61 mil habitantes se esparrama em 170 comunidades ribeirinhas que chegam a ficar três meses sem qualquer contato com gente de fora. Bem, em tempos atribulados, ouso dizer que isso ajuda…

Não é nada fácil alcançá-las. Os pesquisadores, oriundos de diversas instituições — coordenados pelo departamento da geneticista Ivana da Cruz, na Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul —, em certos trechos precisam navegar durante uma semana em voadeiras,  entre um povoado e outro. Isso mesmo. Mas vale a viagem.

Há alguns dias, contei aqui neste blog um dos achados dos cientistas: a do efeito do açaí no transtorno bipolar. Essa descoberta foi quase sem querer, no meio de uma investigação bem maior que tenta compreender por que, entre os caboclos idosos da floresta, quase não há doença cardiovascular, diabetes, tumores…Sem contar a memória afiada e o vigor invejável. Qual seria o segredo dessa gente? O guaraná de todo amanhecer é parte da resposta.

Mal o sol aparece no horizonte, ainda em jejum, os moradores dos povoados ribeirinhos bebem uma mistura de água com a frutinha amazônica. E só depois do último gole é que comem um mingau à base de milho, outras frutas e mandioca. Com um café da manhã desses, sobra gás para a jornada: ora, o guaraná tem o dobro de cafeína em relação ao café. Mas não é só isso.

Em um dos estudos realizados em Maués, foram divididos 637 idosos entre os caboclos que tomavam o guaraná de manhãzinha e aqueles moradores de áreas urbanas que já não tinham esse hábito. Pois bem: nos consumidores do guaraná, a média da medida da cintura era menor. Assim como eram menores as dosagens de açúcar e de colesterol  no sangue.  Aos poucos somam-se evidências de que a frutinha zoiúda  protegeria contra a temida síndrome metabólica.

Um dos entusiastas do guaraná é o geriatra Euler Ribeiro, figura fundamental na equipe que busca fontes da juventude na floresta. Foi ele que há mais de vinte anos despertou a curiosidade dos investigadores gaúchos para a dieta amazônica, da qual é considerado um dos maiores especialistas do planeta. Além de reitor da Universidade Aberta da Terceira Idade, no Amazonas, o médico é professor convidado de renomadas instituições pelo mundo — a mais recente delas, a Universidade de Tóquio, no Japão.

Segundo ele, nem só de cafeína vive o guaraná. O fruto concentra substâncias capazes de evitar tumores e que estão por trás de uma ação contra o diabetes. E também parece ser a chave da força muscular que não entrega a idade jamais. Consumido em jejum, melhora a circulação sanguínea no cérebro, o que ajudaria a entender por que os senhores da floresta exibem uma excelente memória.

Claro, a dieta desses povos chama a atenção como um todo.  À sua maneira, ela guarda semelhança com a alimentação mediterrânea. Isso porque também se baseia no consumo de vegetais, frutas e peixes. Com algumas particularidades, digamos, bem amazônicas.

Entre os peixes, o destaque nas investigações vai para o jaraqui, preparado assado nas cozinhas que ficam ao ar livre. Esse pescado revela que tem mais ômega-3 e outros ácidos graxos benéficos do que os badalados salmão e atum. Faz ideia dessa riqueza?

E, só para não falar de novo no açaí —  consumido diariamente, sempre sem açúcar  —, há o fruto de outra palmeira amazônica, o tucumã. Ele esnoba em qualquer teste de laboratório. Esse coquinho do tamanho de um ovo, laranja feito um mamão por dentro, consegue juntar nada menos do que 21 tipos diferentes de carotenoides, que são antioxidantes de primeiríssima grandeza.

Claro que a alimentação sozinha não explica totalmente o fenômeno de Maués. O sono, com certeza, faz parte da receita. Ora, com duas ou três horas de fornecimento de luz por noite, o jeito é dormir. E como dormem por lá! O habitantes mais velhos sempre marcam mais de oito horas de descanso noturno nos questionários aplicados pelos pesquisadores.

Já a atividade física nas comunidades ribeirinhas nunca foi opcional. Há um bate-pernas constante, um sobe-e-desce sem parar. O banho e a pesca acontecem no rio. Mas todos plantam, comem e dormem em áreas altas, protegidas das cheias, quando as águas sobem mais 10 metros.

O trio composto por dieta baseada em peixes e vegetais, dormir direito e exercício já explica muita coisa. Talvez só deixando para a ciência o mistério da igualdade entre os sexos. É… Em outros lugares celebrados pela quantidade de pessoas com mais de 80, 90, 100 anos —  como a famosa ilha de Okinawa, no Japão —,  os homens morrem mais cedo, ainda que vivam um bocado. Resultado: em geral, até mesmo nos recantos mais longevos deste mundo, dois terços dos idosos são mulheres.

E na floresta? Bem, ali é diferente. Para a sorte de todos —  que têm vida sexual ativa, sim — , o número de senhores joviais empata com o de senhoras bem dispostas. Vida longa e, pelo jeito, prazerosa.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.