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Blog da Lúcia Helena

Quer mesmo um alívio para a enxaqueca? Trate de perder a barriga

Lúcia Helena

09/01/2018 04h03

Crédito: iStock

O elo entre os pneus na cintura e o suplício existe — e ele não é fraco. Uma barriga avantajada sempre provoca dores, sabia disso? Não me refiro às chibatadas que machucam a autoestima só de vê-la no espelho e, sim, a tormentos sentidos por todo o corpo, como fibromialgia, cólicas e dores de cabeça, principalmente a enxaqueca.

Note que nem estou citando as costas doloridas, castigadas por uma coluna que perdeu a postura ao sustentar alguém pesado. Muito menos falo de articulações esmagadas de tão sobrecarregadas. É verdade que esses problemas são comuns em quem ultrapassou o peso ideal, mas no caso deles há uma relação de causa e efeito nítida. Outras condições dolorosas, porém, surpreendem porque ninguém as associa aos ponteiros da balança. E no entanto…

Um em cada cinco brasileiros padece de dor crônica e um dado é ainda mais sofrido: essa proporção  dobra entre aqueles que apresentam uns bons quilos a mais. Por definição, uma dor é rotulada de crônica quando nos maltrata por um período maior do que três meses. Não é como aquele fisgar repentino de pisar em um prego, porque aí, nessa forma aguda, o berro da dor é um aviso bem-vindo: opa, tire o pé daí!

Já a dor crônica, ao contrário, é uma inútil na nossa vida. Ah, eu xingo mesmo… A danada parece só existir para uma criatura sofrer. De um sadismo biológico incrível, sua única função é fazer doer. E depois pinicar, latejar e arder um pouco mais. O excesso de peso apoia esse comportamento cruel, o que até o momento é mais estudado nas enxaquecas, embora a mesma relação possa ocorrer em outros martírios.

Não à toa,  os dados no Brasil são de que as crises enxaquecosas aparecem com uma frequência até 50% maior nos obesos — "enxaquecosas", aliás, é um adjetivo feio de doer, credo! Até recentemente, as suspeitas dos cientistas para explicar o fenômeno sempre caíam sobre o prato. Tinham sua lógica: quem está acima do peso geralmente capricha nas porções de comidas gordurosas, embutidos e chocolates, para exemplificar alguns itens da dieta que podem, de fato, servir de gatilho para essas dores de cabeça lancinantes.

Não raro a pessoa gorducha  é, ainda por cima, sedentária — e a inatividade física é mais um fator que dispara as crises. Sem contar que a própria enxaqueca deixa suas vítimas estressadas e, bem, o estresse faz muita gente atacar a geladeira…

A pergunta é: quem veio primeiro, a barriga protuberante ou a terrível enxaqueca, com seu típico latejar em um lado só da cabeça, a visão de pontinhos luminosos e a vontade de se trancar num quarto escuro? A neurologista americana  Barbara Lee Peterlin, do Centro de Pesquisas sobre Dor de Cabeça da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, diz que tudo se mistura em um emaranhado. Segundo ela, o caminho é de mão dupla.

Depois de analisar as informações de 3 862 americanos, a médica notou que o risco de uma enxaqueca  atormentar o dia a dia era 81% maior em quem apresentava um IMC, o índice de massa corporal, acima de 30. Ou seja, um IMC indicando obesidade.

Em uma segunda fase do trabalho, o time da Johns Hopkins demonstrou que, entre os pacientes obesos com enxaqueca que emagreceram  graças à cirurgia bariátrica, as crises despencaram de oito vezes para menos de quatro vezes por mês. E o alívio foi proporcionalmente maior naqueles que perderam mais centímetros na cintura. Não deve ser coincidência.

Hoje se sabe que a gordura abdominal pode provocar muitos "ais". É que ela, em especial, produz diversas substâncias inflamatórias, como a famigerada interleucina-6. Quanto mais pneus recheados de banha ali, perto do umbigo, maior essa produção, detonando inflamações pelo corpo.

Qualquer inflamação, por sua vez, estimula a liberação de moléculas mensageiras de dor da cabeça aos pés. Então, imagine: no fim das contas, inflamar-se é  sofrer mais por qualquer bobagem. E há uma ação direta no cérebro também. A tal interleucina-6, por exemplo, amplifica a percepção das sensações dolorosas na massa cinzenta. Desse modo, como essas substâncias se encontram em doses aumentadas nos barrigudos , dá para a gente deduzir que, neles, dores como as da enxaqueca tendem a ser mais frequentes e mais intensas.

Emagrecer seria um alívio, só que nunca é  imediato. Ainda mais lembrando que, por ironia, alguns remédios usados contra as enxaquecas aumentam a fissura por doces. E a realidade doída é que, na contrapartida, jamais existiu um comprimido que, se tomou, a pança sumiu. Mas vale a pena todo o esforço para derretê-la. Até porque a gordura acumulada na barriga causa tantos problemas graves de saúde que, talvez, entre eles, a enxaqueca seja a menor de suas dores de cabeça.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.