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Blog da Lúcia Helena

Chá de hibisco? Pois eu aposto que você está fazendo algo muito errado

Lúcia Helena

23/01/2018 04h00

Crédito: iStock

Vermelho intenso e de um azedume que, nos primeiros goles, provoca caretas de desgosto  — inocência achar que a planta ficou também conhecida como vinagreira à toa, né? O chá de hibisco se tornou onipresente.  Está na garrafinha dos saudáveis, na xícara da musa fitness, nos sucos dos lugares moderninhos, nos empórios naturebas, nas capas de revista, na home dos sites, talvez no bule da sua casa…  Opa, está aqui também! E vou lhe dizer que funciona. Sim, cientificamente testado e aprovado.  Só não sei se para o que você queria… Mas daí já é querer demais.

Há dois tipos mais comuns de hibisco. O rosa-sinensis é aquele que enfeita canteiros de jardins, a flor símbolo do Havaí e com uma toxicidade proporcional àquela belezura toda. Leva a má reputação de bagunçar com a fertilidade feminina. Mas relaxe, se por acaso já ouviu essa história. No Brasil, provavelmente você só irá se deparar com o  chá do Hibiscus sabdariffa, que tem um cálice cor de vinho, a estrutura que protegeria a flor, vendido seco em tudo o quanto é canto, pronto para cair na fervura da água. Portanto, até aqui não tem erro. Dele, só se pode falar bem.

Não dá para reclamar nem do gosto. O sabor avinagrado vem de um conjunto ímpar de polifenóis, incluindo boas porções de ácido málico, substância que já mostrou ter  uma ação positiva no fígado. O mesmo ácido málico que deu às maçãs a antiga fama de manter os médicos distantes. E ele aguenta firme o calor da chaleira, assim como o ácido cítrico, outro que marca presença no hibisco.

A  florzinha tem muito mais. Só não tem…Bem, só não tem nada que chape a barriga.  Se tivesse, talvez nem devesse fazer parte do cardápio  e, sim, da farmácia. É tênue a linha que separa o chá consumido como simples bebida e o de efeito medicinal. Eis a primeira lição que todo o auê em torno hibisco dá a oportunidade de explicar.

Para mergulhar a fundo, procurei quem sabe como poucos o que acontece quando uma planta medicinal se intromete na dieta. Ora, Vanderlí Marchiori  é nutricionista atuante há 30 anos, formada pelo Centro Universitário São Camilo, em São Paulo. Só que, em 1998, foi estudar Medicina complementar no Simmons College, nos Estados Unidos. Chegou a ter aulas sobre o poder das plantas com o célebre médico indiano Deepak Chopra. E hoje é presidente da Associação Paulista de Fitoterapia. Quem melhor para falar do chá do momento?

Vale esclarecer: desde 2007, os nutricionistas podem prescrever plantas medicinais. Mas aguarde:  maio logo vêm aí. A partir desse mês, esses profissionais terão de fazer curso de especialização em fitoterapia para sair indicando extratos, cápsulas de ervas e afins. Exija isso, porque ajudará a desfazer muitos erros por aí.

O primeiro erro, no caso do hibisco, é esperar que ele faça alguém  emagrecer, queimando a gordura do barriga. Ao tomá-lo, você pode até afinar, mas só se for de tanto perder líquido. Poxa, como diurético, esse chá é imbatível!  Aliás, por isso mesmo,  o que não falta é pesquisa sobre seus efeitos na pressão alta.  Além de levar seus adeptos a urinar mais, o hibisco inibe a síntese de uma substância chamada angiotensina. O nome fala a que veio: tensionar os vasos. Portanto, sem tanta angiotensina nem líquido acumulado, as artérias ficam mais relaxadas e a pressão cai cerca de meia hora depois da ingestão. Ótimo para os hipertensos.

Outra qualidade do tal do chá: seu potencial antioxidante. Vale o exemplo da hibiscina, que lhe dá o tom rubro. Há até trabalhos apontando que esse componente evitaria tumores, principalmente no figado. Isso, porém, ainda precisa ser bem mais investigado.

Fato incontestável é que o hibisco possui um efeito antiinflamatório pra ninguém botar defeito. Por causa dele, observa-se uma redução do colesterol e dos triglicérides entre os consumidores fiéis. Daí que o chazinho azedo age mesmo é nas consequências de uma barriga saliente, sem derretê-la em si. Ora, reconheça: para a saúde,  já é uma ajuda e tanto.

Todos os benefícios, porém, vão para o ralo por causa de erros banais. Um deles: o chá dura 24 horas, desde que você não invente de colocá-lo em garrafas de plástico ou metal, o que mais a gente vê por aí. Ou todo seu princípio ativo vai para o brejo. O certo é mantê-lo em recipiente de vidro ou cerâmica. No caso da panela, tudo bem se ela for de alumínio. Segundo Vanderlí Marchiori, não ficará ali tempo suficiente para perdas e danos.

Pior é quando você erra na mão. Nada de jogar um enorme punhado de flores vermelhas na água fervente. Sim,  espere levantar a fervura e, depois, deixe ali borbulhando por três minutos. Só que medida exata para 1 litro de chá é apenas 1 colher de sopa de hibisco. Se colocar mais do que isso na intenção de caprichar, o excesso de fitoquímicos se tornará um tiro pela culatra que acertará em cheio o fígado, causando pouco a pouco lesões.

O mesmo pode acontecer quando a pessoa resolve beber todas as receitas da moda de uma só vez: por exemplo, dar uns belos goles de suco verde, além de matar a sede com o chá de hibisco. Outra ameaça: os suchás, misturando frutas com o chá, especialmente aquelas avermelhadas, lotadas dos mesmos pigmentos do hibisco. Segundo Vanderlí Marchiori,  o fígado de novo não vai dar conta de tanto antioxidante aterrissando no organismo de uma só vez. No mínimo, você perde tempo, dinheiro e esperanças.

O chá também interage com medicamentos — o comprimido de paracetamol contra dores de cabeça é um deles. Cuidado!

Enrascada pra valer é jogar no bule um mix de ervas sem qualquer orientação especializada. A cavalinha, por exemplo. Esta é mais uma com efeito diurético. A soma às vezes resulta em tonturas e desmaios. O que acontece também quando o chá de hibisco, mesmo puro, é tomado a todo instante por quem já está magro e cisma com aquele pneuzinho bandido, teimoso e sem-vergonha. Geralmente, essa criatura já ingere poucas calorias e, aí, já viu: nesse contexto, o chazinho costuma causar uma queda brusca de açúcar e de pressão. Sem exorcizar o maldito pneu, fique claro.

Funciona para um monte de outras coisas. Por isso mesmo não é brinquedo. Quer tomar de vez em quando porque gosta da bebida ácida, ótimo. Se espera efeito medicinal,  a história é outra. Busque quem lhe oriente. Comida e bebida não são remédio. E remédio não pode ser engolido como modismo.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.