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Blog da Lúcia Helena

Nem culpe os industrializados: somos nós que colocamos sal demais na comida

Lúcia Helena

30/01/2018 04h01

Crédito: iStock

A gente não toma jeito e continua fazendo a receita da Organização Mundial de Saúde desandar. Se fosse pela OMS, cada um de nós consumiria apenas 5 gramas de sal diariamente, pitadas que, por sua vez, entregariam ao organismo o equivalente a 2.000 miligramas de sódio. Mas não!

Com a mão pesada na hora de temperar, o brasileiro consome 12  gramas do condimento todo santo dia, mais do que o dobro do recomendado. No Nordeste do país, então, esse consumo alcança 15 gramas diários. E os hipertensos, justamente os que deveriam ficar mais espertos, ah, esses ingerem cerca de 17 gramas de sal, dia após dia, de acordo com a Sociedade Brasileira de Cardiologia. Não é de se estranhar, aliás, que um em cada três adultos no Brasil viva com a pressão nas alturas. E que — ô, tristeza… — 3% das crianças já sejam hipertensas.

Consigo ver, na pontinha da sua língua, o comentário: "pudera, as pessoas se entopem de comer alimentos industrializados cheios de sódio".  Pode até ser… Mas encare que 70% do sódio que a gente engole vem mesmo é do saleiro de casa e do buffet executivo nos almoços perto do trabalho. Precisamente, 71,5% do mineral que catapulta a pressão está na comida caseira, sim, senhores.  Ou é aquela história: a pessoa prepara o arroz, receita de mãe, só que, em nome de uma praticidade, refoga tudo naquele condimento pronto carregado de sal.

Mesmo sem apelar para essa alternativa, o tempero à moda da casa tende a ser forte.  Assim como a hipertensão que se desenvolve na surdina até provocar perrengues no coração, no cérebro, nos rins e nos olhos, o saleiro ao lado do fogão se esvazia sem você se dar conta.

Desculpa, mas eu duvido que faça ideia de quanto tempo dura 1 quilo de sal na sua casa. Será que faz?  Se tiver noção disso, ótimo. Aproveite e divida os 1.000 gramas do pacote pelo número de dias que ele durou na sua cozinha e, daí, pela quantidade de pessoas que moram sob o mesmo teto. O resultado da conta dá uma estimativa se vocês estão estourando os tais 5 gramas de sal por dia. Só uma estimativa, claro. Afinal, uns comem mais e outros, menos. E não é só isso. O cálculo nunca poderá ser exato se você mirar apenas no saleiro.

Ora, nem todo sódio que circula em seu corpo vem do sal jogado na panela, no molho da salada ou até mesmo no prato servido à mesa — embora, deduza, a gente ande salgando tudo demais. Para não estourar o limite, seria necessário considerar que esse mineral já está presente em muitos alimentos. Quer exemplos? O ovo de galinha, mesmo que você não salpique nadinha nele, já contêm 83 miligramas de sódio. Três azeitonas mixurucas? Uau, 156,7 miligramas do mineral. E o pãozinho francês do seu café da manhã, purinho, já gasta mais de 10% de sua cota diária, com seus 253 miligramas de sódio. Os dados são da Tabela Brasileira de Composição dos Alimentos, a TACO, tudo bem?

Claro, existem ainda os alimentos processados presentes na dieta. Não sou doida de cortar sua fatia de responsabilidade. Mas reforço: trata-se de uma fatia relativamente fina, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos. Lá, sim, 75% do sódio consumido vêm dos produtos industralizados e só 25% do saleiro da cozinha. Uma situação que é praticamente o inverso da nossa. Aqui, não dá para terceirizar a culpa pelo consumo exagerado da substância.

Até porque, enquanto continuamos enfiando a mão no saleiro, em 2010, no Brasil, as indústrias assinaram um pacto para reduzir o sódio de seus produtos. Nessa corrida, elas têm só até 2020 para arrancar 28 mil toneladas do mineral dos alimentos. Substituí-lo na linha de produção não tem sido moleza. Exige um  bocado de tecnologia e  muitas vezes reformulações de um ou outro produto para não mudar demais o  gosto. Tudo isso, de preferência, sem salgar o preço do produto final.

O sal, se bobear, costuma ser esbanjado na indústria porque, além de temperar, ele serve como um conservante. E um conservante dos mais baratos. Daí sua presença marcante, lamentavelmente, em alimentos mais populares. 

Se querem a minha opinião, pessoal e intransferível: a indústria de alimentos não deveria ter esperado um empurrão do governo para mexer os seus pauzinhos, diminuindo os teores de sódio. Mas a realidade é que todo esse esforço para a redução terá um impacto bem mais tímido do que o desejável. Repito: as pitadas a mais de sal são principalmente nossas, aquelas que damos na cozinha. E, óbvio, a mesma observação vale para a cozinha de todo tipo de restaurante.

Segundo a nutricionista Regina Mara Fisberg, professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, até existe uma leve tendência de diminuição no consumo de sódio pelas pessoas. Só não se entusiasme:  apenas leve.

A professora é notoriamente uma das mais competentes pesquisadoras brasileiras especializadas em avaliar o consumo alimentar da população. É, por isso mesmo, uma das cientistas responsáveis pelo ISA-Capital, o inquérito de saúde do Município de São Paulo, realizado em 2003, em 2008 e repetido mais recentemente em 2015. Pelos dados deste último, que ainda serão publicados, é que se nota uma redução de pequeníssimas quantidades de sódio na dieta.

Perguntei à Regina Fisberg se, na sua opinião, o que falta é informação.  É certo que as pessoas precisam saber que o excesso de sódio está por trás não apenas da hipertensão, mas do risco de diabetes tipo 2, da osteoporose, de alguns tipos de câncer e até mesmo de danos cognitivos. Esta é uma lista de encrencas de respeito, da qual muitos indivíduos já ouviram falar. Ela considera a informação importante, mas pensa que, por si, não desata a situação. Concordo.

O nó é transformar esse conhecimento  todo em ação no sentido de a pessoa tomar a iniciativa diminuir o sal no cotidiano. Esse papo de que, se não mudar hábitos, todo mundo vai sofrer disso ou daquilo parece não colar — eu mesma faço aqui o minha-culpa, porque às vezes apelo para esse discurso. Em vão.  Ou ouvidos se fecham, quem ouve até desanima de vez. A vida já não anda uma canja (bem temperada com ervas finas). Mas e aí?

Curioso:  segundo Regina Fisberg, no ISA, o que mais faz diferença em matéria de boas escolhas alimentares não é tanto a classe social, por exemplo, mas o fator idade. Isso mesmo. O inquérito é feito com pessoas acima de 12 anos e tudo indica que, quanto mais velhos os entrevistados,  mais preocupados com a qualidade dos alimentos. Inclusive, em ficar de olho no sódio do que levam à boca. Pode ser que o sujeito já tenha experimentado, depois de certa altura,  algum problema de saúde. E aprendeu a acertar a mão no tempero na marra. Vai saber…

 

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.