Topo

Blog da Lúcia Helena

Será que o ômega-3 do salmão vai desapontar os corações?

Lúcia Helena

08/02/2018 04h00

Crédito: iStock

A paixão é antiga. Desde os anos 1970, quando o mundo se deu conta de que os esquimós da Groenlândia tinham uma saúde cardiovascular invejável, essa gordura ganhou a fama de proteger o peito.

Abundante nos pescados de águas gélidas, no óleo da baleia e nas focas, que compõem o cardápio exótico desses povos, não demorou para o ômega-3 alavancar pelo mundo inteiro o consumo de peixes como a cavala, o atum, o arenque, o salmão e a sardinha — esta, aliás, é diferente porque se dá muito bem até em águas mornas como as nossas, mas, por viajar longuíssimas distâncias pelos mares, termina acumulando o ácido graxo como uma forma reservar energia para suas travessias.

Mais recentemente, multiplicaram-se as ofertas de cápsulas recheadas da gordura extraída desses seres marinhos. Não à toa: até médicos passaram a indicá-las para prevenir problemas cardíacos. Afinal, para muitas pessoas, engoli-las seria mais fácil do que ir à peixaria a todo instante. Às vezes, uma única dose desses suplementos oferece 4 gramas de ômega-3, isto é, mais do que o dobro de uma posta de salmão. Mas essa mania de engolir peixe comprado em farmácia acaba de ser posta em xeque.

Na semana passada, cientistas da Universidade de Oxford, na Inglaterra,  abalaram a boa reputação do ômega-3 — ao menos, fique claro, na forma de suplementos. Eles publicaram em um dos mais rigorosos periódicos da área, o Jama Cardiology, uma baita metanálise.

Usar o adjetivo "baita", no caso, soa até redundante, porque quase toda metanálise é enorme e faz a terra por onde caminham os cientistas tremer, mexendo muitas vezes em suas crenças quando cruzam as descobertas de dois ou mais estudos parrudos com o mesmo foco.

Aliás, diga-se, os ingleses não foram nada tímidos: eles juntaram as informações de uma dezena de pesquisas (sim, dez trabalhos!) sobre a eficácia do ômega-3 para evitar infartos e derrames. E, depois de vários cálculos misturando todos eles, concluíram que esse ácido graxo não faz diferença alguma nesse sentido. Olha o aperto no peito…

O trabalho, ao final das contas, relaciona dados de 77.917 pessoas, o que é gente de montão. A maioria homens, ou 61,4%. Todos tomavam cápsulas de ômega-3 há mais de 4 anos e meio e no entanto… Pois é, no entanto, o suplemento não conseguiu, ao longo dos doze meses em que essa multidão foi acompanhada, reduzir estatisticamente a prevalência de problemas coronarianos, fatais ou não. Também não alterou nadinha o número de acidentes vasculares cerebrais.

Mas aí é que está…Você poderá ouvir por aí que o ômega-3 não previne nada, só que os mais de 77 mil participantes já eram considerados pacientes de alto risco. Este é um ponto. Alguns, no passado, tinham sofrido um derrame. Outros, um infarto. E, ok, apesar de tomarem as cápsulas de ômega-3 há mais de quatro anos, todos já eram sexagenários. Ou seja, talvez acumulassem, pela idade, um bocado de estragos no peito.

Resta saber se, apesar de não alterar o risco de pacientes nessas condições,  o ômega-3 não conseguiria prevenir encrencas em quem ainda tem um peito saudável. Pode ser que sim…Os próprios autores reconhecem que essas são algumas limitações do trabalho.

Não importa, assim mesmo eles conseguiram abalar a convicção de alguns profissionais de saúde. A Associação Americana do Coração, por exemplo, em suas diretrizes, recomenda desde 2016 o uso desses suplementos como parte da estratégia para evitar novos infartos em que já levou um belo susto. Ou seja, para os tais pacientes de alto risco. E, a julgar pela metanálise, eles não levariam vantagem em abastecer o organismo com doses generosas do ômega-3 todos os dias.

Não que seja para você, depois dessa, desdenhar da gordura do salmão, que também está associada à prevenção de uma série de outros problemas, como a obesidade, a osteroporose, os danos cognitivos… Note que aí existe ainda outra história, que o trabalho britânico não deixa de levantar. Não é de hoje que a ciência desconfia de que essas cápsulas de suplemento não têm a mesmíssima eficiência do que o ômega-3 guardado nos próprios pescados.

Se os suplementos acabam de parar na berlinda e se já não são tão certas as vantagens para quem é cardíaco de carteirinha, até o momento o que dá para afirmar com segurança é que incluir semanalmente no mínimo duas porções de peixes ricos em ômega-3 no prato reduz bastante a probabilidade de você, que não é um paciente de alto risco,  sofrer um infarto. Se fizer isso, não ficará decepcionado. Pode ser um um jeito, aliás, bem mais saboroso de seu coração apostar nessa gordura.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.