Se você leva uma vida saudável, evita que suas células virem zumbis
Um jeito bem realista de encarar a passagem dos anos é o seguinte: envelhecer é acumular pelo corpo inteiro células que não se dividem mais como antes, mas que também se recusam a morrer. Ou seja, não se renovam, nem saem de cena. Ficam ali, assombrando o serviço dos órgãos.
Agem mesmo como se fossem umas mortas-vivas. Sim, elas são feito uns zumbis. Aliás, a comparação nem é minha — fique você sabendo, se a achou um tanto assustadora — , mas do biólogo molecular Valery Krizhavosky, do Instituto Weizmann, em Israel, que diz gostar de chamá-las assim para que as pessoas entendam a situação.
Neste início de fevereiro, o cientista, que há tempos vêm observando esses tipinhos em seu laboratório — tanto em ratos quanto em culturas de tecidos humanos —, anunciou ter encontrado uma pista, na intimidade dos genes, de como impedir que o passar dos anos seja sinônimo de amontoar essas células. Sim, porque alguma quantidade delas nós sempre tivemos e sempre teremos. Ainda bem.
Em qualquer idade, uma célula pode se fingir de morta, conforme aprendi com Krizhavosky. Faz isso, por exemplo, só para evitar que um câncer cresça e apareça. Não à toa, as lesões pré-cancerosas são povoadas por células zumbis. É como se elas percebessem que têm um defeito que não pode ir adiante, por ameaçar o organismo inteiro.
Só que o certo — diriam as leis da biologia — seria que se explodissem. Isso mesmo. O esperado seria um suicídio celular que os cientistas chamam de apoptose. Ok, as zumbis não acabam com a própria vida, mas também não seguem como se estivessem vivas pra valer. E tudo ótimo em uma situação dessas, quando até nos protegem ficando desse jeito, mal paradas.
O problema é o acúmulo ano após ano desse tipo de célula por todos os órgãos e sem que haja um motivo nobre, como frear a ameaça de um tumor. Os conglomerados de células zumbis estão por trás, entre outros males, da osteoartrite, da doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e da aterosclerose, que provoca o endurecimento das paredes dos vasos sanguíneos — note, tudo isso está associado a um envelhecimento pouco saudável.
Desde sempre a humanidade busca a fonte da juventude e, para o cientista do instituto israelense, célebre por suas pesquisas de ponta no campo da biologia molecular, o mapa para encontrá-la leva a um gene chamado p21. Segundo ele, é o p21 que está por trás da multiplicação desenfreada das células zumbis com a idade.
A aposta de sua investigação é que, no futuro, terapias capazes de manipular esse gene consigam, até quem sabe, esticar a nossa permanência na Terra. Bem mais importante do que isso, penso eu, é que poderão evitar algumas mazelas que fazem muita gente temer a velhice.
Fique claro: ser velho é uma coisa e ser senil é outra. Ora, a proliferação das zumbis é típica de um sujeito entregue à senilidade, aquele que se torna caquético. É possível que alguns hábitos, digamos, menos saudáveis do seu passado tenham atiçado o p21 a ordenar o surgimento de mais e mais zumbis, aniversário após aniversário.
Para saber se essa hipótese faz sentido e também para, amanhã ou depois, poder conferir se determinada terapia genética em prol do envelhecimento saudável deu ou não deu muito certo, precisam existir parâmetros muito claros. Para isso, Krizhavosky e seu time começam agora uma nova etapa da pesquisa. Trata-se de uma espécie de censo de zumbis. Sim, os cientistas querem estimar a população dessas células em pessoas que envelheceram bem e que continuam ativas. Depois, irão compará-la com o número dessas unidades mortas-vivas em quem sofre de doenças limitantes, frequentes no processo de decadência física que é a senilidade.
Em ratinhos de 2 meses de idade, por exemplo, eles sabem que apenas 1% das células se comporta como zumbis. Quando os roedores completam 2 anos, porém, elas já representam 15% do seu corpo. É, não tem jeito… Sempre aumentam. Mas qual seria proporção em gente como a gente? Seria sempre a mesma, independentemente do modo como a vida foi levada? Dois moderníssimos exames de biologia molecular, um complementar ao outro, farão esse cálculo e darão a resposta.
Minha aposta é um tanto óbvia e os pesquisadores fecham comigo: essas células penadas devem predominar no organismo de quem sempre dormiu mal, comeu mal, mal se mexeu e, pior, mal se deu um tempo e mal conviveu com quem amou. O irônico é que estamos falando de alguém que está passando pela vida, de certa maneira, feito um zumbi. Lembrei da frase de um conhecido: a assombração sempre sabe pra quem aparece.
Melhor espantar esse fantasma. A receita da juventude pode ser simplesmente viver.
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