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Blog da Lúcia Helena

As mulheres são mesmo muito diferentes dos homens

Lúcia Helena

08/03/2018 04h00

Crédito: iStock

A desigualdade é de largada, no instante da concepção. No óvulo das mulheres existem 23 cromossomos iguaizinhos, todos com o formato de um perfeito "X".  Enquanto, entre os 23 cromossomos de um espermatozoide, de vez em quando um banca o diferente e assume a forma de um Y meio torto. Começa aí mesmo toda a guerra entre os sexos.

Você deve se lembrar: "X" mais "X"  faz nascer uma menina. E "X" mais "Y" resulta em um menino. Lanço um olhar divertido para esse primeiro capítulo das nossas diferenças. Observo que é o homem, esse ser ejaculador, quem apita primeiro. Decide, num jato, para qual lado iremos na divisão dos gêneros. Que, depois, no decorrer da vida, se desdobrará no leque das orientações sexuais todas — e isso é outra história.

Se você pudesse olhar pelas lentes da microscopia eletrônica — experiência que eu tive um dia —, talvez concordasse comigo que os espermatozoides até parecem  saber no que darão. Machinhos, guerreiros, donos do pedaço, as miniaturas de atletas sexuais com cromossomo Y correm à frente, deixando para trás o coleguinha carregando o peso de um cromossomo X — sim, espermatozoides com o "X" são ligeiramente mais pesados e, portanto, mais lentos.

Mas, afobados, muitos dos futuros homens perdem literalmente a cabeça tentando conquistar o óvulo que — está pensando o quê? — nunca se entrega ao primeiro que chega. Uma capa amarelada o faz de difícil. Os espermatozoides "rapazes" muitas vezes morrem de cansaço tentando derretê-la. É quando chega por último e se senta na janelinha, furando o invólucro já amolecido pelo primeiro batalhão, o espermatozoide X.  Mesmo assim, no Brasil, nascem 105 meninos para cada 100 meninas.

As divergências entre nós dão uma trégua de umas sete, dez semanas. Aí, o Y de um embrião masculino mostra a que veio, muda o jogo, e o que estava prestes a virar ovários se transforma em testículos (ah, sim, moços, vocês já foram donzelas por uns dois meses na barriga da mamãe).

Inicia-se, então, uma pequena produção de hormônios sexuais tanto no feto masculino quanto no feminino. Pronto! Esse é o caminho sem volta. Os tais hormônios mexem com o jeito de funcionar do hipocampo, no miolo dos nossos miolos. O hipocampo delas: passa a funcionar em ciclos. O deles: funciona continuamente, sem reclamar de monotonia. E o sistema nervoso, a partir daí, coordena toda uma orquestra de hormônios para marcar nossas discrepâncias.

Há trabalhos apontando que esse jeito de funcionar diferente do cérebro, na intimidade dos neurônios e de seus mensageiros, faria a mulher falar mais, fazer quatro coisas ao mesmo tempo, gostar de chocolate, lembrar de cada sílaba do que lhes falam. E que os homens, por sua vez,  teriam maior facilidade para matemática, seriam objetivos até a gente dizer "chega!", capazes de realizar uma única missão de cada vez e donos de uma memória espacial de fazer inveja ao Waze.

Acho bobagem isso tudo. Parece um raciocínio arquitetado para sustentar na natureza dos nossos corpos justificativas para duplas jornadas (triplas, quádruplas…), além de comentários bestas sobre como gostamos de discutir a relação e como eles não suportam isso — aliás, ponto para o time dos rapazes, porque as "DRs" são a necrópsia dos relacionamentos findados. Já estou de novo divagando… Ah, claro, os estudos nessa linha das diferenças cerebrais dizem que a gente divaga muito mais…

Mas esqueça aquela história de tamanho do cérebro. O da mulher adulta pesa, em média, 1,1 quilo. O do homem fica em torno de 1,4 quilo. E daí? Tamanho, meu filho, nunca foi documento aqui também. Primeiro, homens e mulheres mal usam 10% de todos os seus neurônios. Lamento informar que ambos os sexos ocupam muito mal a cabeça. Sem contar que esse tamanho todo do cérebro masculino só serve para acomodá-lo direito no crânio. Caso contrário, como os ossos dos homens são grandalhões, a massa cinzenta ficaria chacoalhando lá dentro da cabeça. Garanto: não seria uma boa viver num eterno traumatismo.

Os pulmões dos homens, aliás, também são de 25% a 33% maiores. De novo, só porque eles esbanjam espaço — no caso, na caixa do tórax. Damos os nossos pulinhos para compensar o sufoco: toda mulher respira mais ligeiro do que o homem. Ainda assim, eles têm um bocadinho mais de fôlego. É até justo: possuem mais massa muscular para abastecer de oxigênio.

E, como músculo gasta mais calorias, a gente, que tem proporcionalmente mais massa gorda, ganha peso só de ver um brigadeiro passar pela frente. Enquanto muitos senhores precisam se esbaldar em cerveja e churrasco para que a barriga desponte. É…

E assim vai. Porque gastam calorias extras graças à musculatura avantajada, homens sentem mais fome. Fato. A  diferença de necessidade calórica entre nós, mulheres, e eles corresponderia a uma xícara de chá cheia de açúcar. Isso é que é ostentação!

É também por causa dos músculos maiores que os ossos masculinos — já que são suas alavancas — terminam igualmente graúdos.  Só a bacia é exceção. A nossa é mais larga para permitir a saída de um bebê. E, em nome do bom parto, nosso ossinho do sacro, lá embaixo da coluna, não assume uma postura retilínea, como no esqueleto masculino. O sacro, na ossatura feminina, sai da frente da passagem de uma criança. Vai para trás, deixando o nosso bumbum empinado — até que o tempo com seu comparsa, o sedentarismo, façam nenhum sacro dar conta disso.

As diferenças não param… Voz, pelos, glândulas sebáceas, suor… Posso até contar que podemos chorar com maior facilidade e, sim, a ciência diz que produzimos mais lágrimas, menos por sermos sensíveis, uma ótima qualidade sem gênero,  e mais porque secretamos uma quantidade gigante de prolactina perto da deles. Pois é, o mesmo hormônio que nos capacita a produzir leite está envolvido até a última gota com a síntese das lágrimas.

Não faltam ainda falsas diferenças. De montão. Meninas não são, do ponto de vista físico, mais fracas do que meninos. As estatísticas mostram que eles até adoecem mais. Outro mito: mulher tem mais água no corpo, por isso incha… Na verdade, retemos água conforme o período do ciclo menstrual, mas o organismo masculino tem cerca de 10% a mais de líquido. A realidade é que nossos corpos, que às vezes se dão tão  bem, são mais desiguais do que aparentam.

Nem sei que vinho os franceses tinham na testa quando saudaram nossas pequenas diferenças. Não são pequenas.

Ainda assim, nenhuma delas, marcadas na carne,  justifica a desigualdade imposta à alma que as mulheres ainda enfrentam por aí. Não há ciência alguma na discriminação.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.