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Blog da Lúcia Helena

Qual é o ponto frágil da terceira idade? Fique esperto: é o prato

Lúcia Helena

03/04/2018 04h00

Crédito: iStock

Você levaria uma criança ao geriatra ou um idoso ao pediatra?  Sei, a pergunta parece sem pé nem cabeça. Só que, quando pensam em alimentação, as pessoas ainda fazem uma bela mistura. Mas a tendência é isso acabar.

Assim como há o especialista em nutrição esportiva que anda cada vez mais procurado por quem treina e está a fim de montar um cardápio em prol da perfomance e do mesmo modo como existem aqueles profissionais que sabem tudo da complicada dieta infantil, desponta agora um campo que ainda é bem menos conhecido. É o da nutrição geriátrica. Mas, atenção, ele não para de crescer.

Gente faminta por essa especialidade é o que não falta: 12,5% da população brasileira ja têm mais de 60 anos. Em pouco mais de três décadas, lá por 2050, 30% das bocas a serem alimentadas no Brasil serão de sexagenários, a proporção do Japão atual. E, se existe uma coisa que as pessoas costumam desaprender com o tempo é a comer direito. Muitos dos males que associamos ao avançar dos anos vêm disso ou se agravam por isso. Não à toa,  os estudiosos falam que os idosos vivem em um estado constante de fragilidade nutricional. Esse é o termo. É, as perspetivas já foram mais saborosas…

Fui visitar a nutricionista Lara Natacci, da DietNet, em São Paulo, para entender os pontos frágeis das refeições dos mais velhos, que atrapalham a saúde de senhores e senhoras e que podem surgir até mesmo nas classes sociais com acesso à mesa farta. Educação e condições para fazer um bom supermercado ajudam, é claro. Mas existem outros fatores, desde os emocionais — e envelhecer no país da pseudo-eterna juventude não é bolinho pra ninguém — à inevitável derrocada das papilas gustativas na cavidade oral.

Na boca, a diminuição das células responsáveis por informar ao cérebro o gosto de uma comida é fato inexorável. O olfato também deixa de ser o mesmo do passado e, lembre-se, o que decodificamos como sabor é mais aroma do que qualquer outra sensação. Tanto que, com o nariz entupido, tudo tem gosto de cabo de guarda-chuva, não é o que dizem por aí?

Parte dos problemas nutricionais vem de aspectos fisiológicos como esses. A comida pode perder a graça —   e a comida com um perfil nutricional mais equilibrado tende a perder a graça primeiro. Lara Natacci está justamente preparando um e-book para leigos que, entre outras coisas, explicará essas mudanças.

Rosto conhecido da televisão por suas aparições no programa Bem-Estar, da Rede Globo, ela aposta em uma nutrição sob medida desde que voltou da França com o título de especialista em comportamento alimentar pela Universidade de Paris V, isso ainda em 2006. Mestre pela Universidade de São Paulo — onde termina um doutorado —, sempre foi reconhecida pelo pioneirismo, ao montar um time tomando o cuidado de se cercar de colegas focados em áreas diferentes. A alimentação dos idosos é uma delas.

Sim, costumam faltar diversas vitaminas e minerais no organismo dos mais velhos e essas carências variam de caso para caso. Para completar, muitos idosos bebem menos líquido do que o necessário, porque o sistema nervoso vai ficando insensível aos sinais da sede.  Porém, o que faz falta para quase todos —  surpresa! — é uma bela proteína. A  primeira garfada dessa discussão é em alimentos como carnes, aves e peixes.

A recomendação clássica é a de que um idoso consuma, diariamente, 0,8 grama de proteína por quilo de peso do seu corpo. No entanto, novos trabalhos afirmam que interessante mesmo seria subir essa porção para 1,2 grama por cada quilo corporal. Aí mesmo é que estamos lascados, porque em geral as pessoas maduras, no Brasil,  não vêm alcançando nem sequer o tal 0,8 grama por cada quilo apontado quando sobem na balança…

As dificuldades de mastigação são sempre acusadas pelo consumo de fontes proteicas  aquém do desejado. O jeito é driblá-las — infelizmente, leia, driblar próteses e, por vezes, até mesmo a ausência total de  dentes que acomete quatro em cada dez idosos, conforme a região do país. Mas tirar as carnes do prato não seria uma boa alternativa na cozinha desses indivíduos. Vale, ensina Lara,  facilitar o trabalho de mastigar desfiando as preparações que são cozidas na panela. Ou lançando mão do moedor para fazer hambúrgueres, almôndegas, escondidinhos…

Antes de sair mordendo a ideia de que culpa maior é da mastigação, volte a pensar no paladar que já não é lá tão sensível. Se reparar, as fontes de proteína, purinhas, são um tanto insossas e dependem mais do tempero, se comparadas aos carboidratos, por exemplo. Daí que, como na velha infância, para os idosos, massas, pães de farinhas refinadas e doces bem açucarados agradam mais, tanto pela textura macia quanto pelo sabor percebido com um bocado de facilidade. Os exageros nesses itens derrubam a pirâmide alimentar dos nutricionistas. A terceira idade ainda aprecia tudo o que é mais gorduroso. E, para finalizar, carrega no sal. Questão de paladar.

Para aumentar o consumo de proteínas, uma sopa ajudaria? Bastante. Desde que tenha carne de verdade. Não vale jogar no caldeirão aquele pedacico de músculo ou de peito de frango para dar gosto. Muito menos usar um cubinho de caldo.  O cálculo do ingrediente, ensinado por Lara Natacci, é fácil: 100 gramas por pessoa.  Ou seja: você pretende preparar uma sopa para quatro? Então, para que ela seja uma boa fonte de proteína, precisa ter 400 gramas de carne ou ave. E nada de descartar esse naco no final. Procure bater ou, de novo, desfiar tudo.

Proteínas vegetais também são bem-vindas. Segundo Lara, principalmente as das leguminosas. Seja qual for a fonte, o olhar da nutri foca a leucina em especial, nome de um aminoácido que evita a sarcopenia, isto é, a perda de massa muscular que, com o tempo, dificulta os movimentos, arrasa com a autonomia e favorece quedas.

As fibras, bom ressaltar, também andam em baixa no cardápio dos nossos idosos. No caso daqueles com dificuldade de mastigação, a estratégia é cozinhar por mais tempo os legumes até quase se desmancharem de tão moles, por exemplo. Preparar purês, cremes e suflês é outra dica. Ou bater frutas em sucos e vitaminas (uma ótima pedida é incrementá-las com aveia).

Antes que me pergunte se isso não provocaria uma perda das benditas fibras, já lhe digo: verdade, acertou em cheio!  Mas, no caso, como me explicou Lara Natacci, o nutricionista geriátrico aumenta o tamanho das porções e a frequência de consumo para compensar. É um de seus truques.

O profissional faz mais do que pensar nessas saídas. Ele é capacitado a antecipar carências nutricionais provocadas pelo uso de medicamentos comuns pelos idosos. Os antiácidos, por exemplo, atrapalham a absorção da vitamina B12, essencial para o bom funcionamento das células nervosas. A mesma coisa faz a metformina, droga muito usada para tratar o diabete tipo 2.

De todos os problemas, porém, o que mais preocupa quem cuida da dieta do pessoal grisalho não tem idade para atormentar: é a obesidade. Justamente por trocar fruta por doce, salada por arroz, carne por macarrão, os idosos estão engordando tanto quanto gente mais jovem.  E seu organismo já não aguenta tanto peso, em todos os sentidos.

Claro, em outro extremo, sempre existem indivíduos que, ao envelhecer,  perdem vários quilos de maneira drástica —  o que merece ser investigado. No entanto, episódios assim  se tornam mais raros nestes tempos balofos. Hoje, 52% dos idosos brasileiros estão acima do peso. Neles, bem mais do que em senhores enxutos, a perda muscular é dramática. É que a gordura vai tornando o metabolismo cada vez mais lento, dificultando de vez o ganho de musculatura, ainda que eles procurem se manter ativos. Decididamente,  a imagem do  velhinho rechonchudo não é tão, tão saudável…  Nunca foi.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.