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Blog da Lúcia Helena

A castanha-do-Pará faz bem ao cérebro. Desde que você só coma uma por dia

Lúcia Helena

05/04/2018 04h00

Crédito: iStock

O nome oficial é castanha-do-Brasil, eu sei. Os cientistas, vidrados nos termos corretos, também preferem chamar assim o fruto da Bertholletia excelsa, a castanheira gigante nativa da floresta amazônica. Mas, em tempos de falas difíceis, peço licença para seguir a voz do povo, que pronuncia com maior frequência um nome que, aos meus ouvidos, soa bem mais gostoso e familiar: simplesmente castanha-do-Pará.

Seja qual for o apelido, é fato: se comparada a outros alimentos, o que ela tem de selênio é covardia. Você teria de comer três filés de frango ou dez ostras ou, ainda, três latas de sardinha em conserva (nem vou falar dos 100 copos de leite!) para consumir, mais ou menos, a mesma quantidade desse mineral presente em uma única castanha. Em umazinha só. Atenção, eu disse "mais ou menos". Fiz a relação apenas para você ter uma ideia, porque é impossível eu ser precisa nessa equivalência.

Quem justifica a minha dificuldade é a nutricionista Silvia Maria Franciscato Cozzolino,  professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo e talvez a cientista brasileira que mais investigou a ação do selênio no organismo e a própria castanha (para ela, castanha-do-Brasil), com dezenas de artigos publicados em alguns dos principais periódicos científicos do mundo.

Segundo a professora, em cada grama da castanha comercializada no Sudeste do país, por exemplo,  é possível que existam até 14 microgramas do mineral. Não é pouca quantidade, mas… Vá comer uma castanha-do-Pará no Pará! Os teores de selênio variam bastante conforme a região. No Norte do país, a oleaginosa chega a concentrar de 70 a 100 microgramas em cada 1 grama.

Portanto, faça a multiplicação, lembrando que cada castanha tem uns 5 gramas. O resultado da conta acusa que uma única unidade já faz você passar, talvez de longe, a dose diária recomendada do bendito selênio, que é de 55 microgramas. E, opa, cruzando a barreira dos 800 microgramas diários, o selênio deixa de ser bacana.

Sim, além do limite, o mineral — que, ainda por cima, pode se acumular no corpo, fazendo seu efeito tóxico crescer feito uma bola de neve — costuma provocar enjoo, dores de cabeça, queda de cabelos, unhas enfraquecidas… E todo esse pacote pode ser até o de menos: o pior é que talvez seus maiores benefícios virem do avesso com o exagero.

A própria professora Silvia Cozzolino começa a investigar essa possibilidade, mas afirma, cautelosa como de  hábito, que é melhor esperar os estudos amadurecerem antes de alardear qualquer ação adversa. Está certíssima. Uma coisa é inegável: o exagero, por tudo o que já se sabe, é preocupante. Ela mesma pede para eu frisar: 1 única unidade por dia, por favor.

Mas sem pânico — o pânico é sempre indigesto.  Se você se esbaldar com uma torta de castanha-do-Pará ou algo assim, comendo mais do que essa porção da oleaginosa em determinada refeição, não acontecerá nada de muito grave. Até porque ninguém faz isso sempre. Se der um tempo depois da comilança, seu organismo dará conta dos excessos. O problema, como ressalta a professora Silvia, são aquelas duas ou três castanhas a mais, quando elas são mordiscadas rotineiramente. E vamos combinar? Muita gente tem o hábito de levar, como forma de lanchinho saudável, algumas dessas castanhas na bolsa. Aqui, o plural não vai cair bem.

No singular, a história é bem diferente — e tem final feliz.  Uma vez dentro do seu corpo, uma das habilidades do selênio, se você pudesse observá-lo de perto, muito de perto, é se ligar a determinadas proteínas.  E, particularmente no cérebro, ele se junta a moléculas de glutationa peroxidase, enzima que já é antioxidante por natureza, isto é, que ajuda a preservar os neurônios. Mas, fazendo dobradinha com o selênio, ela se torna mais eficiente nesse trabalho. Ao menos, é a hipótese.

Em uma de suas investigações, a professora Silvia Cozzolino e seus colegas da USP ofereceram uma única unidade da castanha diariamente a sexagenários que já tinham um comprometimento cognitivo leve. Passados seis meses, com níveis adequados e estáveis de selênio no organismo — vale notar que não adianta comer uma castanha por dias e só voltar a degustar o petisco várias semanas depois –, os participantes se saíram melhor em testes de fluência verbal e raciocínio. Ora, quando o mineral está em baixa, há perdas neuronais que acabam comprometendo, claro, a capacidade cognitiva. Então, tudo faz sentido.

Mas, neste ponto, todo o cuidado com as palavras é pouco. Castanha-do-Pará ou do-Brasil não é garantia de que um indivíduo, fiel à oleaginosa, fique livre da ameaça de um Alzheimer  ou de que nunca sofrerá de uma falha de memória. O que o consumo regular faz é diminuir o risco. E isso não é pouca coisa.

Pessoas com comprometimento cognitivo em geral têm uma deficiência muito maior de selênio. Aliás, diga-se, em tempos de vida longa, melhor não desdenhar a falta que o mineral poderá nos fazer no futuro.

A castanha —  do-Brasil, do-Pará, do-Acre, noz amazônica,  noz boliviana (sim, sejamos justos, ela não é só nossa!) — pode atender por vários nomes, mas a lição é uma só: até o que é bom tem seus limites. E é saudável que você os respeite.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.