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Blog da Lúcia Helena

Linfoma: o câncer que não tem jeito de você prevenir, mas que dá para curar

Lúcia Helena

12/04/2018 04h00

Crédito: iStock

Prevenção, prevenção, prevenção… Esta é a tecla em que eu mais gosto de bater. Mas há um câncer que não permite que eu faça isso. Não posso lhe dizer para se submeter a exames anuais a fim de flagrar sua iminência — se tiver de acontecer, eles não anteciparão o susto.

Também não consigo lhe apontar fatores de risco: não há, até onde se sabe, nada que você coma ou deixe de comer, substância a que foi exposto ou um bom hábito que abandonou, falta disso ou excesso daquilo, coisa alguma que a gente possa relacionar ao seu aparecimento. Azar. Muito menos devo acusar os genes, porque essa não é uma doença hereditária: ninguém nasce guardando no seu DNA a marca de que, um dia, poderá desenvolver um linfoma. Frustração.

Só consigo lhe dar uma saída: conhecê-lo. Porque, diante das circunstâncias, está em suas mãos perceber qualquer coisa errada. E aqui, sim, vem uma tecla batida: quanto mais cedo melhor.

Linfomas, para começo de papo, são tumores que vêm de uma célula de defesa importantíssima, o linfócito. E temos centenas de milhões de linfócitos correndo em nossas veias e artérias ou, ainda, espalhados pelos órgãos. Basta um deles, um só deles, adquirir um defeito no seu material genético e…pronto! Atenção, volto a frisar: o defeito é sempre adquirido pelos caminhos da vida, uma desventura.

A partir daí, o linfócito malfadado cria clones carregando a sua anormalidade. E o lugar onde crescem e aparecem é o de sempre: em um glânglio. É nessa estrutura que essas células defensoras, em situações corriqueiras, são ativadas para derrotar um inimigo.

Imagine uma infecção no dente. As bactérias nocivas que estiverem perambulando pela gengiva serão logo sequestradas e levadas ao gânglio mais próximo para que os linfócitos tratem de derrotá-las. "'É, no fundo, uma estratégia para segurar a batalha'em determinada região, sem deixar que a situação se espalhe para órgãos vizinhos ou, muito menos, ganhe a corrente sanguínea",  me explicou o hematologista Jorge Vaz.

Médico do Centro de Câncer de Brasília, o Cettro, e diretor executivo da Fundação Hemocentro no Distrito Federal,  ele participou na semana passada da nona edição do Brazilian Lymphoma Conference, que aconteceu em São Paulo — evento que, nas palavras do seu chairman, o hematologista Carlos Chiattone, teve o desafio, entre outros, de melhorar as condições do diagnóstico na população. Mas aí é que está.

"Se eu pronunciar a palavra linfoma, ela soará tão genérica quanto se eu sair chamando um José por aí", me disse Jorge Vaz, durante a nossa conversa. De fato, sem o sobrenome, a data de nascimento e, se duvidar, até o nome da mãe do tal José, dificilmente saberemos de quem ele estaria falando. E o mesmo vale para os linfomas, porque eles uma penca de mais de 60 doenças diferentes que merecem abordagens terapêuticas bem diversas  — tirando aquele ponto em comum de acometerem linfócitos cujos genes adquiriram uma anomalia, estamos diante de um balaio de gatos.

De largada, a Medicina tenta colocar ordem no barraco dividindo esses tumores em dois grupos. Cinco deles são conhecidos como linfomas de Hodgkin, em homenagem ao cientista alemão que identificou esses tipinhos, os quais envolvem uma célula muito específica do sistema imunológico. Mas oito em cada dez casos da doença são de tumores não-Hodgkin. Acabou? Que nada!

Os linfomas não-Hodgkin, por sua vez, podem acometer tanto os linfócitos B quanto os T.  Parênteses: calma, eu só  lhe explico tudo isso porque sei que as pessoas fazem uma confusão danada com essa história de ser ou não ser Hodgkin. Voltando…

Linfócitos B são aqueles com a nobre função de produzir anticorpos que, feito mísseis teleguiados, atacam determinado inimigo. Você tem um linfócito apenas para lhe defender do vírus da catapora, outro exclusivo para a gripe, mais outro que será acionado em caso de pneumonia… Por aí afora. Pela quantidade de encrenca que existe nessa vida, dá para você ter uma dimensão da grandiosidade — para não dizer, complexidade — desse mundaréu de linfócitos B.

Os linfócitos T, por sua vez, são os organizadores da coisa toda. Ativam os seus colegas quando são informados de algo estranho e inibem o seu espírito bélico quando a ameaça já foi embora. Afinal, ter um sistema imune que ficasse ligado o tempo inteiro, brigando à toa, decididamente não seria legal.

Outro jeito de classificar os linfomas  é separando os agressivos, aqueles que evoluem rapidamente e logo se infiltram em órgãos como baço e fígado, daqueles lentos. Ou indolentes, como preferem os médicos. Se nada for feito, os pacientes de linfomas agressivos podem contabilizar o tempo que lhes resta de vida em semanas, quando muito em meses. No caso dos tumores indolentes, falaríamos em um prazo de meses ou de alguns anos. Por isso, é vital a pessoa voar.

A desconfiança pode ser disparada quando surge uma febre, geralmente no cair da tarde e à noite, acompanhada de uma suadeira daquelas. O indivíduo pode, ainda, perder muito peso de uma hora para outra. Sem dúvida, porém, o principal sintoma é um gânglio inchado — ou vários, aqui a quantidade não faz diferença.

Com maior frequência, essas ínguas, como o povo gosta de falar, aparecem no pescoço, nas axilas e na área da virilha. Mas também pode acontecer de um gânglio inchar atrás dos joelhos ou dos cotovelos.

Como essa combinação de emagrecimento sem causa aparente, febre e gânglios inchados se confunde com os sintomas de uma infecção banal, repasso a dica do doutor Jorge Vaz: gente, gânglio de linfoma não dói, nem fica ligeiramente aquecido pelo calor de uma inflamação. É uma bolota ligeiramente endurecida e nada mais. Apareceu uma dessas? Corra ao médico. Surgiu um gânglio que não some depois de uma semana? Corra ao médico também.

Não tem jeito: apenas uma biópsia poderá confirmar se é linfoma mesmo ou não.  Examinando o gânglio ou um pedaço dele, o patologista entra em cena para dizer o sobrenome, a data de nascimento e o nome da mãe do tal José. Isto é, de qual dos mais de 60 tipos de linfoma se trata e o que podemos esperar dele.

O hematologista, em seguida, avalia o quanto a doença já avançou até o momento do flagra, ou seja, o seu estadiamento, no jargão.  Se o tempo não ficar escoando na ampulheta por bobeira, os resultados são excelentes.  Hoje, os médicos combinam quimioterapia e imunoterapia, que é o uso de anticorpos monoclonais, criados em laboratório para atacar os linfócitos doentes. Aliás, a conferência recente apresentou novidades espetaculares nesse arsenal. Para completar, às vezes os oncologistas apelam também para a radioterapia.

No caso dos tumores indolentes, é provável que eles nunca sumam, mas podem ser controlados por anos a fio.  Já pensando nos agressivos, a pessoa com um  linfoma de Hodgkin, quando ele ainda está localizado num canto só do corpo ou atingiu poucas áreas do organismo, tem 90% de chance de ficar boa.  Mesmo nos estágios avançados, se o tumor invadiu fígado e medula, os índices de cura ficam entre 50% e 60%.

Nos tumores não-Hodgkin, se pegarmos precocemente o chamado linfoma difuso de grandes células — doença que, sozinha, representa quase um terço dos episódios —, também encontramos a probabilidade de 90% de cura. Se o diagnóstico, porém, acontece em um estágio avançado, ela cai para 40% ou 50%, no máximo.

Juntando todos os números, de todos os linfomas, temos uma média de 70% de cura, não é bom?

"Ora, o  linfoma é o tipo de câncer de que podemos falar em cura pra valer", garante Jorge Vaz. E que jornalista que cobre a área da saúde, como eu,  não quer anunciar a cura de um câncer  e dizer para quem está com o problema se tratar ligeiro para esquecer dele para todo o sempre? Só você tem o poder de transformar todas essas informações em  fake-news (credo!), se não der bola para os sintomas, levantando depressa a suspeita com o seu médico. Ah, não faça isso comigo… Muito menos com você.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.