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Blog da Lúcia Helena

O coração das mulheres sofre mais do que o dos homens até na hora de dormir

Lúcia Helena

28/06/2018 04h00

Crédito: iStock

Moças e rapazes, sabe qual a nossa pequena diferença? Eu diria, o endotélio. Popular, revestimento interno dos vasos sanguíneos. Há alguns meses, escrevi aqui, neste blog, que uma das explicações para os sintomas do infarto serem diferentes nas mulheres seria o dito-cujo. Ao menos, é o que se especula… Em resumo: sete em cada 10 infartadas não sentem dor no peito, mas nas costas; não sentem formigamento no braço, mas enjoo. Aí se lascam, porque não reconhecem a iminência da encrenca. E agora estamos danadas de vez e, de novo, por culpa de quem, de quem? Dele, do endotélio! Porque, se a gente, do sexo feminino, demora para adormecer, ele se inflama e o coração se estrepa.

Calma, eu sei… Não é novidade alguma que a privação do sono prejudica o sistema cardiovascular. Um terço da humanidade — e não é figura de linguagem — dorme menos do que o adequado, o que faz mal para todos os gêneros. Mas, de acordo com cientistas da Universidade de Columbia, em Nova York, Estados Unidos, o problema é ainda maior para as mulheres.

O que me chamou a atenção no estudo deles foi que não investigaram aquela insônia brava, que faz a criatura ficar diversas horas da madrugada com os olhos arregalados. Nem casos de apneia, quando a interrupção da respiração rouba o sossego das noites com ruidosos roncos — outra condição sabidamente ameaçadora para o peito. Nada disso.

O pessoal de Columbia preferiu observar o que chamam de distúrbios leves do sono, ou seja, quando a gente demora um pouquinho mais para se entregar aos braços de Morfeu ou quando acorda ligeiramente no meio da noite ou, ainda, quando só dorme caindo de cansaço, mas com o sono sendo atrapalhado pela luminosidade, pelo barulho, por sonhos agitados. E esses problemas, que muitos nem levavam em tanta consideração ao pensar em saúde cardiovascular, foram o foco da médica intensivista Sanja Jelic e de seus colegas. Porque, no caso das mulheres, eles já são suficientes para provocar um aumento considerável da pressão arterial. Os homens, mesmo que tenham esses distúrbios leves, podem continuar descansando tranquilos. A pressão deles não aumenta por pouca bobagem — o coração deles só se ressente de situações mais graves.

O efeito dos distúrbios leves do sono parecem desproporcionais no sexo feminino, o que preocupa. Primeiro, porque são — segundo Sanja Jelic revelou ao blog — três vezes mais comuns do que os tais distúrbios graves, como a apneia, já citada. Segundo porque a dificuldade para dormir é duas vezes mais frequente em mulheres do que em homens. Feitas as contas? "Feitas as contas, fica claro que rastrear esses problemas aparentemente leves, deixando de submestimá-los, deve fazer parte das medidas de prevenção das doenças cardiovasculares para o público feminino", respondeu a cientista.

Os pesquisadores de Columbia recrutaram 323 mulheres saudáveis, entre 20 e 79 anos, que usaram um dispositivo por quatro semanas para monitorar suas noites bem ou mal dormidas. A pressão arterial também era medida várias vezes a cada dia — daí a confirmação de que, após um sono de má qualidade, ela se invariavelmente se elevava.

Além disso, os cientistas retiraram, em uma espécie de biópsia, algumas células de um vaso no braço das voluntárias. Sanja Jelic estava desconfiada de que encontraria proteínas inflamatórias nas amostras das mulheres que tinham algum distúrbio leve do sono com frequência. E não deu outra. "O endotélio delas é nitidamente mais inflamado e isso é um dos primeiros passos para o desenvolvimento de uma doença cardíaca ou um AVC." O endotélio dos homens, a julgar pela pressão arterial inalterada,  não se inflamaria tão fácil. Pois é, meninas, vamos dormir com mais esta.

Para desejar boa noite às mulheres, vale ao repetir o bê-a-bá, Primeiro, nada de cafeína, nem de álcool no final do dia (ô, dó). No jantar, fechem a boca para pratos pesados, ainda mais se passou da hora do tal jantar. Procurem dormir nos mesmos horários todos os dias (está fácil?). Cigarro, nunca mais (espero!). Exercícios sempre, evitando fazê-los à noite (eu mesma só consigo ir para a academia depois do anoitecer, ai de mim…). Ah, tão importante quanto tudo isso é ter um quarto arejado,  sem tevê nem celular ligados, colchão adequado, travesseiro na altura certa… Usem a cama apenas para dormir. E — para não dizer que não falei.. — para fazer sexo. Mas até depois do sexo, eles dormem mais rápido, né?

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.