Testosterona é um assunto que dá confusão na certa. Vou explicar por quê
Em tempos de testosterona pra cá e pra lá, gente achando que testosterona a mais deixa a ereção no teto ou faz aquela barriga virar tanquinho e gente acreditando que testosterona a menos pode resolver casos pavorosos de violência contra mulheres (ai, ai, que ideia mais torta…), tento botar ordem no barraco. Vou começar dizendo que os homens são complicados mesmo. E aqui me refiro estritamente ao quesito hormonal.
Ora bolas, durante muito tempo alimentei uma ilusão em relação à figura masculina: a de que seu organismo seria uma espécie de tédio endocrinológico. Enquanto as mulheres vivem as emoções de dois hormônios sexuais brincando de gangorra — estrógeno e progesterona, um subindo enquanto o outro desce — , os homens parecem sempre manter irritantemente a linha, com seus dois testículos liberando de 5 a 7 miligramas de testosterona purinha, madrugada após madrugada. Sim, eles são pontuais e secretam sua dose diária entre 3 e 6 da manhã.
Mas a testosterona se deixa abalar por tantos fatores e sua falta abre brecha para tanta encrenca que o tal tédio que fantasiei passa distante."O conceito de que esse hormônio é simples leva muito homem a se descuidar ou a fazer bobagem", ouvi do urologista Jorge Hallak, professor da Universidade de São Paulo, onde coordena o Grupo de Estudos em Saúde Masculina, dentro do Instituto de Estudos Avançados. Ele define os testículos como "o motor da saúde masculina".
O par de glândulas sexuais do homem, atrás do pênis, dentro do saco escrotal — vocês sabem o endereço –, produz espermatozoides e testosterona, o principal hormônio masculino. Ela determina um rosto barbado, uma voz grossa, um corpo musculoso, outra série de características físicas e… a bendita ereção.
Tudo isso é realizado por apenas 2% de toda aquela testosterona que os testículos despejam na madrugada. Só essa pequena parcela é livre para agir. A maior parte do hormônio, ao chegar no sangue, tromba com outras substâncias e se amarra a elas, principalmente a albumina, a proteína mais abundante no organismo humano. E, assim, ligado a outra molécula, não funciona.
Portanto, quando um homem dosa a sua testosterona e os níveis aparentemente estão normais — entre 370 e 1.000 nanogramas por decilitro de sangue — , isso não diz muita coisa por si só. A pergunta que não pode se calar: quanto dessa testosterona é livre? Nem tanta, com a idade. A partir da quarta década de vida,os testículos ficam mais lentos e, para completar, há uma queda anual de 1,2% da testosterona livre. Calma, se não há sintomas, não vale sair tratando.
No entanto, uma série de condições pode acelerar a derrocada, criando o quadro chamado de hipogonadismo. E ele tem consequências: os pelos corporais se tornam rarefeitos, os músculos minguam, os ossos podem ficar enfraquecidos, a gordura visceral aumenta, a agilidade do cérebro deixa de ser a mesma, surge o mau humor dos rabugentos e um desânimo daqueles. Por último — mas nunca menos importante —, a ereção fica mais tímida, difícil de acontecer, passageira…
Um dos primeiros sintomas do hipogonadismo, aliás, é a ausência das ereções noturnas, que acontecem de 9 a 12 vezes enquanto os homens dormem, porque o pênis, fisiologicamente, precisa de exercício (mesmo!).
Estes são os sinais clássicos. Há outros resultados, bastante sérios, como acelerar a progressão do Alzheimer, criar dificuldades de sono, aumentar a propensão a placas nas artérias, elevar a pressão. Por isso, Jorge Hallak defende que todo menino, a partir da primeira ejaculação, seja acompanhado por um andrologista, da mesma forma como a menina quando menstrua vai ao ginecologista. Até 10% dos adolescentes já apresentam algum grau de hipogonadismo — e a proporção sobe para 40% nos marmanjos de 40.
Uma série de fatores aceleram a derrocada da testosterona. Um dos mais importantes é a obesidade. Ela está associada a uma resistência das células ao hormônio insulina, que autorizaria a glicose presente no sangue a entrar. Daí que, sem abastecimento de energia suficiente, essa porção sensível dos homens — seus testículos — se ressente. E não é só isso: os obesos também produzem mais cortisol e ele, por sua vez, atrapalha as ordens da hipófise, no cérebro, para o par de glândulas no saco escrotal produzir sua testosterona.
Por razões parecidas, estresse e ansiedade pioram bastante as coisas. Aí, além de o cortisol agir na cabeça, a adrenalina surge para criar desordem diretamente a linha de produção dos testículos. Estudos apontam que bastam 48 horas em uma situação de guerra para que jovens soldados apresentem quedas nos níveis de testosterona. O que deve acontecer na população masculina brasileira diante dos noticiários, já imaginou?
Certas infecções, como a caxumba, prejudicam um bocado. E maus hábitos também pesam na história. Excesso de álcool, por exemplo. O alcoolismo e tudo o que destrambelha o fígado faz esse órgão produzir mais e mais proteínas que, como a albumina, também se ligam à testosterona do sangue, diminuindo a porção livre — a que interessa.
Há, ainda, situações que são bolas de neve. O diabetes é o maior exemplo. Níveis mais baixos de testosterona pioram essa doença e ela, se descontrolada, torna a produção dos testículos mais baixa. Segundo Jorge Hallak, o caminho também é de ida-e-volta na depressão. Se por um lado o hipogonadismo agrava o problema, alguns antidepresssivos pioram a produção de testosterona — e tudo vai se complicando de vez.
Aliás, várias drogas interferem nos níveis do hormônio. Opioides são uma delas. Anabolizantes são outras. E tomar testosterona para ganhar músculos na academia ou melhorar a ereção — quando há medicações bem mais adequadas para isso — é um atentado aos testículos. Eles, diante do hormônio vindo de fora, logo entendem que podem se aposentar e atrofiam. Aí, rapazes afoitos, o estrago está feito. O certo, quando o tratamento é necessário, é usar com acompanhamento médico substâncias capazes de induzir os testículos a fabricar mais hormônio e não fazer uma pronta-entrega, me disse Jorge Hallak.
Ño sentido oposto, tirar o hormônio de circulação por meio de medicamentos não acabaria com a ameaça de um estuprador voltar a agir, bobagem falada por aí. Até porque o sujeito encontraria testosterona para injetar praticamente na farmácia da esquina. E, no que diz respeito a sexo, a tal castração química afetaria só a ereção, enquanto a maldade — o impulso de violentar — mora no cérebro e não na cabeça do pênis.
Ah, aliás, deixei por último o melhor. A testosterona tem pouco a ver com a complexa libido. Quer saber o que cria o desejo nos homens? O tiquinho de hormônios estrogênicos que correm em suas veias. Leu certo: o desejo deles é muito mais coisa de hormônios tipicamente femininos.
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