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Blog da Lúcia Helena

Testosterona é um assunto que dá confusão na certa. Vou explicar por quê

Lúcia Helena

12/07/2018 04h00

Crédito: Istock

Em tempos de testosterona pra cá e pra lá, gente achando que testosterona a mais deixa a ereção no teto ou faz aquela barriga virar tanquinho e gente acreditando que testosterona a menos pode resolver casos pavorosos de violência contra mulheres (ai, ai, que ideia mais torta…), tento botar ordem no barraco. Vou começar dizendo que os homens são complicados mesmo. E aqui me refiro estritamente ao quesito hormonal.

Ora bolas, durante muito tempo alimentei uma ilusão em relação à figura masculina: a de que seu organismo seria uma espécie de tédio endocrinológico. Enquanto as mulheres vivem as emoções de dois hormônios sexuais brincando de gangorra — estrógeno e progesterona, um subindo enquanto o outro desce  — , os homens parecem sempre manter irritantemente a linha, com seus dois testículos liberando de 5 a 7 miligramas de testosterona purinha, madrugada após madrugada. Sim, eles são pontuais e secretam sua dose diária entre 3 e 6 da manhã.

Mas a testosterona se deixa abalar por tantos fatores e sua falta abre brecha para tanta encrenca que o tal tédio que fantasiei passa distante."O conceito de que esse hormônio é simples leva muito homem a se descuidar ou a fazer bobagem", ouvi do urologista Jorge Hallak, professor da Universidade de São Paulo, onde coordena o Grupo de Estudos em Saúde Masculina, dentro do Instituto de Estudos Avançados. Ele define os testículos como "o motor da saúde masculina".

O par de glândulas sexuais do homem, atrás do pênis, dentro do saco escrotal — vocês sabem o endereço –, produz espermatozoides e testosterona, o principal hormônio masculino. Ela determina  um rosto barbado, uma voz grossa, um corpo musculoso, outra série de características físicas e… a bendita ereção.

Tudo isso é realizado por apenas  2% de toda aquela testosterona que os testículos despejam na madrugada. Só essa pequena parcela é livre para agir. A maior parte do hormônio, ao chegar no sangue, tromba com outras substâncias e se amarra a elas, principalmente a albumina, a proteína mais abundante no organismo humano. E, assim, ligado a outra molécula, não funciona.

Portanto, quando um homem dosa a sua testosterona e os níveis aparentemente estão normais — entre 370 e 1.000 nanogramas por decilitro de sangue — , isso não diz muita coisa por si só. A pergunta que não pode se calar: quanto dessa testosterona é livre? Nem tanta, com a idade. A partir da quarta década de vida,os testículos ficam mais lentos e, para completar, há uma queda anual de 1,2% da  testosterona livre.  Calma, se não há sintomas, não vale sair tratando.

No entanto, uma série de condições pode acelerar a derrocada, criando o quadro chamado de hipogonadismo. E ele tem consequências: os pelos corporais se tornam rarefeitos, os músculos minguam, os ossos podem ficar enfraquecidos, a gordura visceral aumenta, a agilidade do cérebro deixa de ser a mesma, surge o mau humor dos rabugentos e um desânimo daqueles. Por último — mas nunca menos importante —, a ereção fica mais tímida, difícil de acontecer, passageira…

Um dos primeiros sintomas do hipogonadismo, aliás, é a ausência das ereções noturnas, que acontecem de 9 a 12 vezes enquanto os homens dormem, porque o pênis, fisiologicamente, precisa de exercício (mesmo!).

Estes são os sinais clássicos. Há outros resultados, bastante sérios, como acelerar a progressão do Alzheimer, criar dificuldades de sono, aumentar a propensão a placas nas artérias, elevar a pressão. Por isso, Jorge Hallak defende que todo menino, a partir da primeira ejaculação, seja acompanhado por um andrologista, da mesma forma como a menina quando menstrua vai ao ginecologista. Até 10% dos adolescentes já apresentam algum grau de hipogonadismo — e a proporção sobe para 40% nos marmanjos de 40.

Uma série de fatores aceleram a derrocada da testosterona. Um dos mais importantes é a obesidade. Ela está associada a uma resistência das células ao hormônio insulina, que autorizaria a glicose presente no sangue a entrar. Daí que, sem abastecimento de energia suficiente, essa porção sensível dos homens  — seus testículos — se ressente. E não é só isso: os obesos também produzem mais cortisol e ele, por sua vez, atrapalha as ordens da hipófise, no cérebro, para o par de glândulas no saco escrotal produzir sua testosterona.

Por razões parecidas, estresse e ansiedade pioram  bastante as coisas. Aí, além de o cortisol agir na cabeça, a adrenalina surge para criar desordem diretamente a linha de produção dos testículos. Estudos apontam que bastam 48 horas em uma situação de guerra para que jovens soldados apresentem quedas nos níveis de testosterona.  O que deve acontecer na população masculina brasileira diante dos noticiários, já imaginou?

Certas infecções, como a caxumba, prejudicam um bocado. E maus hábitos também pesam na história. Excesso de álcool, por exemplo. O alcoolismo e tudo o que destrambelha o fígado faz esse órgão produzir mais e mais proteínas que, como a albumina, também se ligam à testosterona do sangue, diminuindo a porção livre — a que interessa.

Há, ainda, situações que são bolas de neve. O diabetes é o maior exemplo. Níveis mais baixos de testosterona pioram essa doença e ela, se descontrolada, torna a produção dos testículos mais baixa. Segundo Jorge Hallak, o caminho também é de ida-e-volta na depressão. Se por um lado o hipogonadismo agrava o problema, alguns antidepresssivos pioram a produção de testosterona — e tudo vai se complicando de vez.

Aliás, várias drogas interferem nos níveis do hormônio. Opioides são uma delas. Anabolizantes são outras. E tomar testosterona para ganhar músculos na academia ou melhorar a ereção — quando há medicações bem mais adequadas para isso —   é um atentado aos testículos. Eles, diante do hormônio vindo de fora,  logo entendem que podem se aposentar e atrofiam. Aí, rapazes afoitos, o estrago está feito. O certo, quando o tratamento é necessário, é usar com acompanhamento médico substâncias capazes de induzir os testículos  a fabricar mais hormônio e não fazer uma pronta-entrega, me disse Jorge Hallak.

Ño sentido oposto, tirar o hormônio de circulação por meio de medicamentos não acabaria com a ameaça de um estuprador voltar a agir, bobagem falada por aí. Até porque o sujeito encontraria testosterona para injetar praticamente na farmácia da esquina. E, no que diz respeito a sexo, a tal castração química afetaria só a ereção, enquanto a maldade — o impulso de violentar — mora no cérebro e não na cabeça do pênis.

Ah, aliás, deixei por último o melhor. A testosterona  tem pouco a ver com a complexa libido. Quer saber o que cria o desejo nos homens? O tiquinho de hormônios estrogênicos que correm em suas veias. Leu certo: o desejo deles é muito mais coisa de hormônios tipicamente femininos.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.