Para os pulmões, não tem bebê ligeiramente prematuro. É prematuro mesmo
Ah, os pulmões… Na barriga da mãe, eles não têm a menor pressa. Aguardam até o instante derradeiro, dormentes, enquanto não chega, com a força de um berro, o primeiro sopro de ar. Procrastinadores? Talvez. Deixam para amadurecer só no último mês de gestação. E, porque isso acontece em cima da hora, qualquer semana a menos interrompe um processo que — nem preciso explicar a razão — é vital. Uma semaninha faz diferença e há quem dia que um único dia a mais já seria crucial. Cai um por terra, assim, o conceito de que o prematuro tardio é apenas um bebê que, prontinho, aguarda ganhar peso. Para ele, respirar pode ser um desafio tão grande quanto para prematuros ainda mais apressados.
Segundo a Medicina, o prematuro tardio é aquele que vem ao mundo no período entre 34 semanas e 36 semanas e 6 dias de gestação. E saiba: 7 em cada 10 prematuros nascidos no Brasil são tardios, como aprendi com a neonatologista Jucille do Amaral Meneses, professora da Universidade Federal de Pernambuco. No próximo sábado, 21 de julho, ela apresentará em São Paulo, durante o II CENTRIC — Conferência de Atualização Médico Científica, o cenário da prematuridade no país.
São perto de 40 brasileirinhos nascendo prematuramente por hora, mais de 900 por dia, uma média de 350 mil por ano. Feitas as contas, 11,7% dos bebês nascidos vivos no Brasil. Essa taxa é quase duas vezes maior do que a de países europeus. Pesa nessa história o número absurdo de cesáreas. E é triste também constatar: faltam 3.300 leitos em UTIs neonatais para receber essa criançada, de acordo com um levantamento da Sociedade Brasileira de Pediatria. A carência se concentra no Norte e no Nordeste, onde gestantes de alto risco peregrinam de hospital em hospital atrás assistência para um prematuro.
Que mulheres, de antemão, sabem que correm maior risco de o bebê nascer antes da hora? Mães de gêmeos, diabéticas e hipertensas, principalmente. Aliás, a pressão arterial nas alturas é a principal causa de indicação médica para fazer o parto antes do tempo de gestação findar. Aí a cesárea com data antecipada pode ter um bom motivo, evitando ameaças fatais para a mãe e o seu bebê. E, como em uma sociedade com índices elevados de obesidade os casos de diabetes e de hipertensão só aumentam, o nosso alto número de prematuros não deve cair tão cedo — é a dedução lógica.
Erros no pré-natal também podem fazer o médico calcular mal a idade gestacional e marcar a cesárea, achando que chegou o tempo de nascer sem haver sinais de contrações— é quando a grávida não se lembra direito da data da última menstruação, por exemplo, e o bebê parece, pelo ultrassom, relativamente grande.
Esse prematuro, embora a rigor seja menos frágil do que aquele que nasceu com menos de 34 semanas, também precisa de vigilância constante nos primeiros dias. É preciso acompanhar se consegue sugar o leite, se suas células de defesa estão minimamente aptas para defendê-lo das primeiras ameaças do mundo exterior, se ficará ou não todo amarelado por icterícia… Mas os pulmões, sem dúvida, são a peça-de-resistência sempre.
Pare para pensar: todos os outros órgãos fazem, ainda no útero, o seu test-drive. O coração bate, os músculos se movimentam, o sistema digestivo treina com uns goles do líquido amniótico, os rins… Bem, até xixi a criança faz na barriga da mãe. Mas os pulmões… Eles são testados na prática, na hora agá, na vida como ela é, sem mamãe entregando oxigênio pela placenta. Precisam mostrar a que vieram quando o médico corta o cordão umbilical.
Centenas de fatores estão envolvidos nesse momento crucial — que são também centenas de oportunidades para algo não ir tão bem quando se nasce prematuro. De longe, o principal pode ser a falta de surfactante pulmonar, um líquido formado de proteínas e gorduras que banha as células dos alvéolocos, os milhões de sacos microscópicos dos pulmões que, feito bexigas, se enchem e se esvaziam de ar, promovendo a famosa troca do gás carbônico pelo oxigênio.
Sem o tal surfactante suficiente, o que era para ser tão simples quanto respirar fica difícil. Os alvéolos, tensos, exigem uma força descomunal cada vez que se inspira — de novo, comparando com a bexiga, quem aí já fez força para começar a encher uma até vencer a pressão? A mesma coisa. Pobre bebê prematuro, se não recebe remédios para acelerar o aparecimento do surfactante e a ajuda, muitas vezes, de máquinas capazes de fazer força para o ar entrar por ele.
A ideia equivocada de que o prematuro tardio só precisa crescer — que já teria surfactante o bastante — faz com que muitos recebam alta antes de 48 horas nas maternidades brasileiras. Em tempos cinzentos, quando acabamos de ler nos noticiários que a mortalidade infantil, após 26 anos, voltou a subir no país — aumentou 5% — , prestar atenção nos prematuros é ainda mais importante.
Isso porque perto de 70% das mortes, segundo a professora Jucille , acontecem no primeiro ano de vida. Se colocamos uma lupa nessas crianças, a maioria sucumbiu antes de completar 1 mês. E, se olharmos para os dados, veremos que, entre aquelas que não resistiram nos primeiros trinta dias, a maior parte não passou da primeira semana. Fica claro, então, que essa é uma semana de vida ou morte, para prematuros tardios, inclusive.
Aproveitei para matar uma curiosidade, pois sou de uma geração que levava um tampa estalado no bumbum como boas-vindas. "Hoje, há maneiras mais suaves de estimular o choro, como friccionar de leve as costas do recém-nascido", ouvi da professora Jucille. Mas a maioria nem precisa disso. Vai logo caindo no berreiro. É que os pulmões precisam do berro para injetar o ar com força e conseguir abrir os alveólos pulmonares, que até então estavam cheios de líquido. Hora de trabalhar, ou melhor, de viver. E a vida pede um escândalo.
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