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Blog da Lúcia Helena

Nove coisas que talvez nem seu médico saiba sobre o diabetes

Lúcia Helena

24/07/2018 04h00

Crédito: iStock

A pesquisa merece estardalhaço: "O que os brasileiros sabem (e não sabem) sobre diabetes" ouviu 1.050 homens e mulheres com idade média de 49 anos, sendo que 663 deles aparentemente não eram diabéticos. Friso o "aparentemente" porque 40% das pessoas com essa doença nem sequer desconfiam, então… Aliás, eu também fico encafifada com o número estimado de apenas 12,5 milhões de diabéticos no país, mas…

Realizada pela revista SAÚDE, da Editora Abril, com o apoio da AstraZeneca e a curadoria científica do endocrinologista Carlos Eduardo Barra Couri,  da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, seus resultados foram apresentados no último final de semana, durante o ENDODEBATE 2018. O evento organizado pelo doutor Couri reuniu mais de 700 médicos especializados em diabetes de todo o país. Por sorte, eu estava lá. E alguns pontos ficaram martelando na minha cabecinha inconformada.

1. Você ainda está nessa de confiar no exame da glicose de jejum?! 

À primeira vista, é uma belezura: 99% dos respondentes "sem" diabetes fizeram esse exame em algum momento da vida. Ora, ele é o que quase todo médico prescreve mesmo, fazer o quê! Mas veja a comparação que o doutor Couri fez para mim: se alguém vai ao cardiologista pedindo um atestado para a academia, o médico não vai fazer aquele eletro de repouso, com o paciente deitadinho de boa na maca, vai? Para saber se o peito aguentará o tranco dos treinos, ele solicitará um teste de esforço, aquele em que o coração sai pela boca enquanto você corre na esteira.

A mesma coisa, então, aqui: o  certo seria fazer o pâncreas subir o morro para checar o seu fôlego.  Ou seja, prescrever um teste de tolerância à glicose, a popular curva glicêmica. Ou, talvez, o diabetes passará batido.

No exame da tolerância, o sujeito toma uma dose enjoativa de dextrosol, um tipo de açúcar, e o sangue é colhido. Depois de duas horas, tira uma nova amostra sanguínea. Só assim para flagrar um pâncreas que fica com a língua de fora na hora em que deve correr para produzir  insulina. No entanto, na pesquisa  56% dos não diabéticos disseram que nunca foram submetidos a essa prova.

Há outra: a dosagem da hemoglobina glicada. Ela também pega um diabetes no pulo, dando a média da glicose sanguínea nos últimos três meses. "Se o pâncreas  fosse um carro, às vezes ficamos com a impressão de que ele rodou de São Paulo até o Rio. Mas a hemoglobina glicada, feito um odômetro, pode mostrar que, na verdade,  ele rodou de São Paulo até Manaus", diz Couri.  Acredite: pior do que um calhambeque velho é um pâncreas bem rodado.

2. Pré-diabetes jamais será uma pré-doença.

Há casos de pessoas que fazem o check-up correto e, no entanto, saem do consultório iludidas. Essa ilusão se chama pré-diabetes. Existe, de fato, essa classificação. É pré-diabético aquele cidadão com uma glicemia de jejum entre 100 e 125 miligramas de glicose por decilitro de sangue ou com um resultado de teste de tolerânca de 140 a 199 miligramas de glicose por decilitro de sangue ou, ainda, com uma hemoglobina glicada entre 5,7% e 6,4%.

Só que pré-diabetes, quando não mata, faz estragos. Dois em cada dez casos de retinopatia diabética, sequela do excesso de açúcar no sangue que leva à cegueira, são de pré-diabéticos, assim como 15% dos episódios de neuropatia, aqueles capazes de levar a amputacões. Mas a sensação dos pacientes é de que escaparam por pouco. Perdão, não escaparam de nada. E devem começar um tratamento imediatamente.

O número de pré-diabéticos no país, diga-se, é 14 milhões. Sim, supera o de diabéticos. Mas a maioria está tranquilinha, sem acompanhamento, achando que o pâncreas passou raspando no exame. Pré-desastre.

3. Sede demais, vontade de fazer xixi…Isso é do tempo da sua avó.

Prometa: toda vez em que for aconselhado a ficar atento aos sintomas do diabetes, que seriam estes aí (e outros), apagará da memória. Quando o diabetes começa a dar uma sede do Saara e uma vontade de fazer xixi de cervejeiro após uma noitada no bar, ele já está avançado. "É como esperar sentir algo do tamanho de uma laranja no seio para procurar um médico quando o que a gente quer é detectar um câncer de mama com 1 milímetro", faz mais uma comparação o doutor Couri. Ficar atento ao diabetes é fazer exames que hoje são disponíveis e não aguardar qualquer sinal, fechado?

4. O diabético precisa de mais vacinas do que a população em geral.

Seu organismo é mais suscetível a  infecções e, quando pega uma delas, não se defende com tanta destreza. Mesmo assim,  muitos médicos nem pedem para ver a caderneta de vacinação do diabético. Marcada de bobeira. Segundo a pesquisa, mais de 20% dos portadores não tomaram nenhuma das vacinas recomendadas. A mais popularzinha foi a da gripe e olhe lá: só 65% tinham recebido a sua dose.

Além de todos os imunizantes oferecidos pelo SUS (contra o tétano, o sarampo, a difteria…), o diabético deve receber a vacina da gripe independentemente da faixa etária, a pneumocócica, a de hemófilo e a de hepatite B. "Essa é uma realidade científica que precisa se tornar prática nos consultórios", avisa Couri.

5. O diabetes provoca infartos. Mas mata até mais por insuficiência cardíaca.

Eu achava que estava todo mundo careca de saber. Que nada… Só 47% dos diabéticos e 30% dos não diabéticos  associaram a doença a ameaças graves para o coração. Esse é um engano, eu diria, fatal. Colesterol alto pode levar a um infarto. Pressão alta pode levar a um infarto também. Mas qualquer um desses fatores somado ao diabetes levará, com quase toda a certeza, a um piripaque cardíaco. Ponto.

A letalidade é ainda pior no caso da insuficiência cardíaco, ok? E saiba que 30% dos diabéticos acabam com insuficiência. Por isso, o ecocardiograma deve entrar na rotina do tratamento — e essa constatação é muito nova.

 

6. Só quando tudo é um mar-de-rosas, as consultas são realizadas a cada três ou quatro meses.

"Se o médico nota algum problema no controle do diabetes, ele pode pedir para o paciente voltar na semana ou no mês seguinte", me disse o doutor Couri. De acordo com a pesquisa, porém, 28% dos diabéticos pisam no consultório a cada semestre. Outros 17%, apenas uma vez ao ano.  E 8% com uma frequência ainda menor do que essa.

7. Ter um médico aos seus pés é fator crítico de sucesso.

Opa, a percepção de 66% dos diabéticos é de que não recebem orientações sobre como cuidar dos pés. Na consulta, além de ensinar esses cuidados, o bom especialista deveria checar se a pele não está muito ressecada, se não há ferimentos, micoses, unhas encravadas. Afinal, o diabetes é a segunda causa de amputações no país, porque qualquer machucadinho no dedão pode virar uma gangrena. O perigo é que, muitas vezes, o paciente nem sente dor.

Por isso, uma vez por ano, o médico deve ainda realizar testes neurológicos, com pequenas manobras para averiguar  os reflexos e a sensibilidade — à dor, ao calor, ao tato. Se quem trata do diabetes anda se esquecendo disso, sei não…

8. É impossível cuidar de um diabético em meia horinha de consulta.

Quando indagados sobre o tempo que leva a consulta médica, 15% dos diabéticos apontaram menos de 15 minutos. E outros 49% responderam de 15 minutos a meia hora. Um bom acompanhamento não cabe nesse intervalo. Minha sugestão para quem tem diabetes: converse abertamente com o seu clínico sobre as suas dúvidas e as suas insatisfações com o atendimento. Sei que não está fácil pra ninguém, mas, se ele continuar apressadinho e sem respostas, tente escolher outro profissional para atendê-lo.

9.Tirar o açúcar da alimentação? Puro mito.

O maior medo dos respondentes é descobrir que tem diabetes e conviver com restrições alimentares, principalmente de doces. "O açúcar é importante para o organismo, inclusive o do diabético", avisa Couri. "E muitos podem degustar com moderação até o açúcar branco", diz ele.

Epa, não queira bancar o diabético espertinho e se esbaldar depois de ler o meu texto: o luxo não é para todos.  Para ganhar esse doce bônus, é preciso estar com a doença extremamente bem controlada. Aí, sim, valerá a pena comemorar a saúde em dia com um brigadeiro.

 

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.