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Blog da Lúcia Helena

Diabéticos, hipertensos… É vital saber mais sobre insuficiência cardíaca

Lúcia Helena

31/07/2018 04h00

A imagem obtida pelo ecocardiograma, exame que avalia a insuficiência cardíaca. Crédito: Istock

Vacilada. Escrevo sobre saúde há décadas e nunca dediquei mais do que quatro ou cinco linhas, de tempos em tempos, para falar de insuficiência cardíaca. Quando muito, em um texto sobre outro assunto qualquer, eu a descrevi por alto, mais ou menos assim: "é aquela dificuldade do coração para bombear o sangue aos órgãos, a fim de abastecê-los de oxigênio". E ponto.  Ok, a grosso modo é isso mesmo. Mas o problema merecia muitos parágrafos a mais — ô, se merecia… Só que ele sempre parecia um enxerido no meio de outra história. Até que finalmente entendi: a insuficiência cardíaca é "apenas" a segunda causa de hospitalização de pessoas acima de 60 anos no país.

Olha o tamanho da minha comida de bola! De 1% a 2% da população brasileira sofre de insuficiência cardíaca. Ela não acomete só sexagenários e gente mais velha. E é o ponto em comum de diversos problemas, o que ajuda a deixá-la escamoteada. A pessoa cai fulminada e vão dizer, por exemplo, que partiu desta para melhor levada por um infarto, quando foi o coração sentindo dificuldade para bombear que sofreu uma arritmia, inesperada e mortal.

Além de ser causada pela doença de Chagas — o mosquito barbeiro, afinal, nunca nos deu um pingo de trégua, especialmente no nordeste da Bahia e no vale do Jequitinhonha, no norte de Minas Gerais —, a insuficiência cardíaca  é provocada e se esconde por trás do véu de condições bastante conhecidas. Quer ver?

Um raio pode cair duas vezes no mesmo peito: quem um dia infartou tem um belo risco de evoluir para a insuficiência. Idem, quem possui lesões nas coronárias ou problemas nas válvulas. A hipertensão é uma baita causa de insuficiência cardíaca e, só pra refrescar a memória, um em cada quatro brasileiros adultos tem pressão alta. 

Tem mais:  pode acontecer o mesmo com quem passou por um tratamento de câncer . Outro motivo é o diabetes. Ah, o diabetes…

Foi justamente em um evento sobre essa doença na semana passada, o ENDODEBATE 2018, que aprendi na aula do cardiologista Pedro Schwartzmann: de 15% a 30% dos diabéticos, tanto do tipo 1 quanto do tipo 2, acabam com insuficiência cardíaca. E, diga-se, eles correm mais risco de morrer por causa dela do que de infarto ou até mesmo de AVC, que são males mais temidos nessa população. No entanto, pouco se fala disso. Na realidade, a resistência à insulina, antes mesmo de o diabetes dar as caras, já vai criando o cenário, ao aumentar as inflamações pelo corpo.

Nessa altura, tinha percebido minha marcada de touca e, poucos dias depois da apresentação, fui atrás do doutor Schwartzmann para o blog. Médico da Unidade de Insuficiência Cardíaca da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, ainda nos tempos de residência ele notou que chegavam casos e mais casos de insuficiência no pronto-atendimento. Mas, se surgia um acidentado, a tendência era esse paciente ser atendido primeiro, porque sempre parecia mais urgente. Então, os médicos deixavam o sujeito com insuficiência esperando, sentadinho, com a ideia de apenas não sobrecarregar o seu coração.  E infelizmente era comum: ele se apagava feito um passarinho na cadeira de espera.

Atento, Schwartzmann viu que o problema era parrudo e mergulhou nele em seu doutorado em 2013. "Aquele ditado de que quem vê cara não vê coração cai feito luva para quem sofre de insuficiência, que em geral pode estar com um semblante ótimo segundos antes de lhe acontecer algo fatal ", diz ele. Mas vale esquecer um pouco a morte e pensar na vida, melhor, na qualidade de vida. Se nada for feito precocemente, ela irá para o brejo.

Primeiro compreenda: há duas formas de insuficiência e os casos se dividem entre elas meio a meio. Uma delas é a sistólica, quando o músculo cardíaco tem pouca força para lançar o sangue para todo o corpo. São aqueles casos que podem evoluir para transplante. E as câmaras do lado esquerdo do coração ficam dilatadas — lembra-se delas, o átrio e o ventrículo?

O segundo tipo é a insuficiência de ejeção preservada, que já foi mais conhecida por diastólica. Nela, o coração até bombeia o sangue que é uma beleza. Só que não relaxa direito depois. E aí é que está: sua pressão interna vai aos píncaros. No caso, os exames mostram um ventrículo esquerdo que parece até pequeno perto do átrio, do mesmo lado, todo grandalhão.

Por falar nisso, os exames que cravam o diagnóstico são o velho raio X, o insubstituível ecocardiograma — que deveria ser mais solicitado aos diabéticos, por exemplo — e, menos frequente até por dificuldade de acesso, a ressonância cardíaca. Mas, garante Schwartzmann, só de conversar com o paciente um médico já pressente a insuficiência.

É que os sintomas são iguais para as duas formas: uma falta de ar de vez em quando, daquelas que às vezes a gente atribui à ansiedade. Tontura, quem sabe… O fôlego curto costuma piorar quando a pessoa se deita. E, claro, há um tremendo cansaço ao fazer qualquer exercício.

Uns são surpreendidos por uma dorzinha no lado direito do abdômen, tão chata quanto enganadora, porque todos desconfiam da vesícula quando, na verdade, ela é causada por um excesso de líquido no fígado, uma das possíveis consequências da insuficiência lá no peito. Ah, por último e bem comum: inchaço nas pernas. Sinais assim deveriam deixar qualquer criatura esperta, especialmente diabéticos, hipertensos e quem já teve um outro problema do coração.

Os médicos contam com um arsenal para tratar a insuficiência cardíaca sistólica. E, pena, têm muito pouco para remediar a de fração de ejeção preservada. Mesmo assim, o primordial é flagrar qualquer insuficiência o quanto antes para evitar que avance. A partir do momento em que alguém é internado uma primeira vez por causa dela, ele passa a ter um risco de 25% ao ano de morrer, o que é infinitamente superior ao de muitos casos graves de câncer. Pra que chegar a esse ponto?

Todos têm ao alcance uma excelente arma para botar um freio na situação: a prática regular de uma atividade física. Claro que, mais do que nunca, ela precisará ser bem orientada, acompanhada por uma equipe multidisciplinar.

Depois de me dar tanta lição, Pedro Schwartzmann, que tem uma excelente página para orientar pacientes no Instagram,  comentou que ainda há muita coisa para a gente aprender sobre o problema: "Mas você vai escrever mais sobre o assunto, não vai?", disparou.  Garanti que sim. Preciso tirar esse atraso.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.