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Blog da Lúcia Helena

O que poucos sabem sobre o câncer de ovário, o primo cruel do tumor de mama

Lúcia Helena

18/10/2018 04h00

Crédito: iStock

Chega o Outubro Rosa e começa todo mundo a falar em câncer de mama —eu também já fiz isto por aqui. Mas, sem desmerecer a campanha nem a necessidade dela, nesse mês fico especialmente incomodada com a invisibilidade dos tumores de ovário. E com o tremendo desperdício de oportunidade de alertar sobre ele.

Ora, em uma parcela dos casos, aqueles em que há hereditariedade por trás, podemos dizer que esses tumores são primos e muito próximos, netos das mesmíssimas alterações genéticas. Então, de cara, vou chamando a sua atenção, se está encafifada com a saúde porque teve episódios de câncer de mama na família. Não vou aliviar desta vez. Aliás, vou dobrar a sua preocupação: zele pelos seus ovários também.

Quando há casos de familiares com tumor de mama, especialmente abaixo dos 50 anos, isso indica que, sim, podem existir alterações de certos genes aumentando o risco de você ter tumor de mama e –e! — de ovário. Da mesma maneira, se tem parentes que tiveram um tumor de ovário, fique ainda mais esperta com as mamas. O tumor de origem genética pode aparecer tanto lá, quanto cá. A atriz Angelina Jolie, que não é boba nem nada, quando resolveu tirar as mamas (não que eu, particularmente, defenda uma saída tão radical), esperou um tempo e arrancou fora também os ovários.

Se a gente olha os números, claro, o câncer de mama promete 59,7 mil novos casos no Brasil só entre janeiro deste ano e final de dezembro, logo mais. A quantidade de brasileiras acometidas pela doença faz o número estimado de tumores de ovário parecer tímido, irrisório, porque é quase dez vezes menor. São  6,1 mil casos esperados para 2018. Mas não caia nessa pegadinha numérica.

Infelizmente,  enquanto a chance de cura do primeiro grupo supera os 90%, quando o problema é flagrado precocemente –até por iniciativas como a do Outubro Rosa –, mais de metade das mulheres que descobriram um câncer de ovário neste ano não viverão para ver o raiar de 2019. Precisamente, umas 3,2 mil delas morrerão. Não é horroroso? Os dados, antes que me pergunte, são do Inca.

No entanto, dá para entender essa mortalidade: segundo o oncologista Fernando Vidigal, coordenador médico-científico do Grupo Cettro de Brasília, três em cada quatro brasileiras diagnosticadas com tumor de ovário já têm a doença tão, mas tão avançada, que ela invadiu outros órgãos. É lamentável. Preciso dizer que esse é um mal bem democrático, fazendo vítimas em todas as classes sociais.

Há um verdadeiro abismo entre a detecção e o tratamento. A detecção não melhora nem sequer milimetricamente —tanto que há anos essa realidade não muda no país — , enquanto as novidades no tratamento avançam a passos largos. Triste ironia.

Existem, sim, novos fármacos capazes de mudar completamente o desfecho sombrio da doença. Muitos vão direto ao alvo das moléculas alteradas para arrasar com o tumor. A imunoterapia é outra que está entrando com toda a força em cena, estimulando o sistema imune a reconhecer as células doentes do ovário para destruí-las. Pois, se há uma coisa que qualquer tumor sabe fazer muito bem, é se disfarçar de pé de mesa para não ser notado por nossas defesas.

Também traz uma tremenda esperança a quimioterapia aplicada durante a própria operação para a retirada dos ovários acometidos. As drogas são injetadas diretamente  no peritônio, uma espécie de capa que recobre e protege os órgãos do abdômen. Isso porque já se sabe que ele, o peritônio, é o primeiro —ou um dos primeiros — a ser invadido quando uma célula maligna escapa do ovário, pronta para ganhar novos territórios no organismo e espalhar o mal.

Ah, durante a cirurgia, os quimioterápicos são aplicados aquecidos, para que penetrem fundo nos tecidos, não deixando escapatória para uma célula cancerosa fugitiva. E isso traz perspectivas muito melhores para as pacientes.

No entanto, como me explicou Fernando Vidigal, a mulher precisa estar em condições físicas relativamente boas para encarar o procedimento — afinal, é um baque  duplo, o do bisturi e o dessa mega-sessão de quimioterapia, por assim dizer.  E é mais raro a mulher suportar esse dois-em-um  quando o tumor já notoriamente ganhou espaço no corpo. Assim, muitas perdem a oportunidade de fazer o tratamento.

O que bagunça  pra valer toda essa história são os sintomas da doença. De novo, sem minimizar a ameaça do tumor de mama, nele você pode sentir um caroço, que talvez seja maligno ou não, ou pode perceber alterações visíveis nos seios. Enfim, pelo menos há algo que pode levantar a bandeira da desconfiança, Mas, no caso dos ovários, tudo o que a mulher pode experimentar são sintomas muito inespecíficos, tais quais:

  • Uma dorzinha chata que se confunde com cólica intestinal. Muitas vezes acompanhada de constipação. Daí que…
  • Mal-estar na altura do estômago ou um enjoo que lembra o da gravidez. E lá vem a mulherada suspeitando de gastrite ou má digestão.
  • Inchaço na barriga, muitas vezes por conta de o tumor  ter crescido e invadido o peritônio. Mas, cada vez mais barriguda, a mulher fecha a boca e reclama que engordou.

São exemplos. Tem quem não sinta nada disso ou apenas um ardor que parece vir das costas. Tudo parece ser o que não é,  até que chega o dia (em geral, tardio) da descoberta.

Outra coisa: diferentemente da mamografia, não há exames de rotina certeiros para diagnosticar um câncer de ovário. Muitos médicos pedem para dosar a proteína C125 no sangue e, se ela está muito alta, até pode ser a doença. Mas também pode ser uma porção de outras coisas também –inclusive, quadros benignos.

Ultrassom de abdômen? Esqueça. Ele não visualiza um tumor. Já o ultrassom transvaginal, sim. Só que, mesmo que algo pareça estranho ao médico responsável pelo exame, o câncer só pode ser confirmado com uma biópsia. A imagem nunca conta a história inteira. De qualquer modo, repito: apenas o ultrassom intravaginal, até o momento, é capaz de denunciar um tumor nos ovários. É o melhor que temos para hoje, como dizem por aí.

E daí eu pergunto: por que as campanhas não avisam que mulheres com medo do câncer de mama por causa de casos na família não podem, de jeito algum, marcar bobeira com os ovários? E por que toda mulher, ao sair de casa para a mamografia, não aproveita e faz o bendito ultrassom transvaginal? Eu não entendo. Pois o primo, pobremente esquecido, é de longe o mais  cruel e perigoso

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.