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Blog da Lúcia Helena

O que funciona para reduzir o açúcar da dieta é usar a tática do potinho

Lúcia Helena

21/03/2019 04h00

Crédito: iStock

Vamos combinar: todos nós extrapolamos. Digo, nós e a indústria. Não tem um santinho da moderação nessa história do açúcar. Há décadas, o setor de alimentos vem exagerando, sim, na oferta de doçura fácil, nos tentando a cada esquina. Mas também não podemos tirar o nosso corpo fora. Temos uma boa parcela da responsabilidade na cozinha caseira e — que bom! —  por isso mesmo temos um bom pedaço da solução.

Aliás, confio bem mais nas pequenas táticas aplicadas por cada um nós na intimidade do lar, doce lar, do que nas eloquentes medidas de redução firmadas em acordos entre indústria e governo. Pronto, falei. Confio bem mais na gente. Se querem saber, confio mesmo, pra valer, na tática do potinho.

Já, já explico do que se trata, porque é uma estratégia das mais simples e que ajuda um bocado. Não, a ideia do potinho não é minha: quem me ensinou foi a nutricionista Luciana Lancha, do IBES (Instituto de Bem-Estar e Saúde) em São Paulo, a quem recorri para resolver dúvidas que são quase de matemática. Calculem, se o que faz disparar a obesidade, o diabetes, o câncer e outras mazelas é o consumo excessivo de alimentos açucarados, o que podemos fazer? Ora, basta fazer algumas contas para ver que elas simplesmente não fecham, o que me preocupa.

Aguente uns números para acompanhar o raciocínio. Entre 2013 e 2014, o brasileiro ingeriu 12 milhões de toneladas de açúcar, uma gulodice que nos coloca em quarto lugar no ranking mundial de consumidores-formigas. Perdemos apenas para a Índia, a primeiríssima colocada, para a União Europeia e para a China. Chegamos nessa posição simplesmente porque de segunda à segunda engolimos três vezes mais açúcar do que a quantidade máxima — atenção, eu disse máxima — que a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda. 

A OMS  diz que o ideal seria a gente fechar a boca para o ingrediente ao alcançar o limite de seis colheres de chá diárias ou 25 gramas. Mas, vá lá, a própria OMS sabe que isso pode ser inviável e nos deu uma colher de chá. Melhor, ela nos deu literalmente mais 6 colheres de chá, estabelecendo como limite máximo um total de 12 colheres ou 50 gramas de açúcar por dia. 

Ou seja: quem quer um consumo saudável não deve ultrapassar as tais 12 colheres de chá, sendo que bacana pra valer seria se contentar com metade disso, o que parece quase humanamente impossível em uma cultura como a nossa, filha da portuguesa, chegada em uma sobremesa.

Mas o brasileiro é mesmo abusado. Continua ingerindo uma média de 18 colherinhas todos os dias ou 80 gramas de açúcar. Só para esclarecer: a quantidade é a soma do que já está contido nos alimentos processados mais o açúcar das preparações caseiras e aquele adicionado no cafezinho ou em qualquer outra coisa. O que vem da indústria pesa? Sem dúvida. Uma única lata de refri convencional chega a oferecer 37 gramas de açúcar, praticamente esgotando a cota diária. Três biscoitos recheados? São cerca de 14 gramas de açúcar em média. Por aí vai.

Se eu continuar dando exemplos do gênero, será tentador apontar o dedo em riste apenas para os alimentos processados. De fato, a indústria  botou o pé na jaca. Melhor, a mão no açucareiro. Não à toa, em novembro passado ela assinou um pacto com o governo no qual se compromete a retirar de maneira gradual 144 mil toneladas do ingrediente de 23 categorias de produtos até 2022, sem o truque de trocá-lo por adoçante. 

Tenho certeza de que esse pacto será cumprido à risca. No entanto, não tenho tanta convicção de que fará total diferença — embora, sim, seja um passo pra lá de necessário. Minha dúvida começa por saber que balas, chocolates, sorvetes, cereais matinais, geleias e outras doçuras ficam de fora do que está pactuado. Foram considerados alimentos que contribuem menos para a nossa altíssima ingestão de sacarose — nome cientificamente correto do açúcar. Sem contar que, mesmo reduzindo o estipulado, certos itens continuarão extremamente açucarados, caso de muitos biscoitos.

Precisamos ainda puxar pela memória: em um acordo semelhante  para reduzir o sódio assinado em 2011, mais de 90% dos produtos processados alcançaram meta prometida ao governo, que ousou pedir o corte de 21% de sódio de alguns itens. E, apesar desse sucesso, na prática isso significou uma pitada a menos do sal no nosso prato: em vez de 3.163 miligramas diários de sódio, passamos a engolir 3.116 miligramas, um nadica a menos, segundo um levantamento recente da Universidade Federal Fluminense. Puxão de orelhas: no que diz respeito ao saleiro, continuamos bem acima do preconizado pela OMS, que seriam 2 mil miligramas de sódio diários e nada mais.

Por que pactos assim, apesar de bem-vindos, podem no final de tanto esforço não resultar em um ganho expressivo para a saúde da população? Porque, seja doce, seja salgado, o problema pode estar no que adicionamos na comida de casa. Aliás, estudos apontam que uma porção considerável do consumo de açúcar do brasileiro é o do nosso cafezinho. Basta a gente se lembrar que em muitos lares ainda existe o hábito de  adoçar a água fervida com o pó para depois derramá-la  no coador.

"Reduzir o açúcar nunca é fácil", me disse Luciana Lancha. E justificou: "Assim como acontece com o sal, quanto mais a pessoa consome, mais as papilas gustativas vão perdendo a sensibilidade. Ou seja, ela precisará adoçar cada vez mais para sentir o sabor doce." E, como não adianta falar em diminuir as porções se você não tem noção de quanto açúcar usa no dia a dia, a proposta de Luciana é simples: sim, pegue um potinho.

'"Cada vez que colocar açúcar — seja no chá, no café, na receita de um bolo —, você vai medir e despejar exatamente a mesmíssima quantidade do ingrediente no tal potinho. Só desse jeito será possível visualizar a quantidade que você usou. E aí o desafio é, no segundo dia, encher um pouco menos o tal potinho do que na véspera", ensina. A diminuição deve ser muito gradual, um pouco de cada vez, porque as papilas gustativas precisam de um tempo para se recuperarem. Mas o método do potinho é eficiente. E necessário.

O governo diz que 64% do açúcar consumido nos lares brasileiros é aquele que a gente coloca nas bebidas e nas receitas do nosso próprio forno e fogão. Já a indústria acusa que essa porcentagem está subestimada e que a quantidade adicionada nas preparações caseiras corresponderia a 80% do que comemos. Nem interessa discutir qual dos dois tem razão. Claro que será ótimo ter uma rotulagem em que os produtos processados declarem o açúcar que existe ali dentro, o que espantosamente não acontece hoje. É preciso ser bidu para adivinhar … No entanto,  quando isso acontecer, vamos assumir que ninguém fica fazendo contas o tempo todo. Mais fácil e de efeito imediato é  treinar, desde agora, o olhômetro no potinho. Fica a dica.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.