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Blog da Lúcia Helena

Esta batatinha deixará o seu cérebro frito. E aí mesmo é que vai engordar

Lúcia Helena

23/04/2019 04h00

Crédito: iStock

Pobre batatinha, que acaba de levar a culpa pelas falhas que, ora, também são de qualquer outra fritura e do bacon, do espetinho do churrasco, daquele queijo derretido sobre o hambúrguer ou esparramado na pizza, dos biscoitos amanteigados, dos chocolates ao leite e de tudo o que a sua memória listar que seja carregado principalmente de gordura saturada. 

No fundo, a acusação por danos no cérebro poderia ser feita a qualquer alimento cheiinho de calorias. Mas, entre eles, os itens bem gordurosos encabeçam a lista dos suspeitos. E o que eles fazem? Danificam justamente a área que controla a nossa fome e outros processos do metabolismo que estão por trás do ganho de peso.

Há  cerca de quinze anos, um grupo de cientistas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), liderados pelo médico Lício Augusto Velloso,  investiga o que está por trás do desaparecimento de neurônios bem no hipotálamo. O sumiço, que se traduz em uma disfunção, já era associado à obesidade por outros grupos de pesquisa fora do país.

Graças ao fenômeno, essa área cerebral deixa de sinalizar que é o momento de fechar a boca porque o corpo já tem energia suficiente para tocar o barco. Problemaço: sem essa pista vinda da cabeça, ficamos completamente sem a noção do limite.

Mais do que continuar comendo, aí mesmo é que perdemos a vontade — que para uns nunca foi enorme — de pedir um prato de salada. A folha alface fica cada vez mais com sabor de mato e um brigadeiro se torna ainda mais tentador. 

A pessoa com o hipotálamo avariado pelos maus hábitos à mesa se transforma biologicamente em uma glutona. Passa a salivar por bombas de açúcar e de gordura — irresistíveis em sua cabeça, o que faz o maior sentido. Entenda: seu apetite mira aqueles alimentos que poderiam entregar depressa a energia que seu corpo acredita que ele ainda deve repor, porque o hipotálamo, em uma figura de linguagem, permanece mudo.

Só isso já seria o bastante para o ponteiro da balança subir, em função daquela conta clássica de você comer mais do que gasta em calorias. Mas o hipotálamo danificado atrapalha tudo de vez, ao tentar resolver as coisas. Ele aciona um mecanismo de emergência que coloca o corpo inteiro naquele modo de economizar a bateria, sabe como é?

Então, o metabolismo adota um ritmo de tartaruga. Consequentemente, vai sobrando ainda mais energia sem ser consumida e ela é estocada em pneus rechonchudos."Mas o que aconteceria primeiro?", perguntou-se o professor Lício Velloso. "Será que a pessoa começa a preferir comida calórica e a engordar porque já tem um hipotálamo funcionando desse jeito diferente?" 

Em sua longa linha de pesquisa, Lício Velloso notou que é o contrário: a mudança no hipotálamo vem depois. Ele é que fica diferente porque você vive devorando alimentos gordurosos demais. E daí é uma lei da atração perversa, que ninguém quer para si: a da gordura chamando mais gordura. Gordura na batatinha fazendo você querer mais fritas ou talvez um salgadinho. Quem sabe, um sanduíche de dois andares? E, por sua vez, toda a oleosidade no prato passa a atrair mais gordura para a cintura.

Na verdade, tudo começa quando os ácidos graxos dos alimentos caem na circulação. Uma vez absorvidos no intestino, vão parar também no cérebro. Só que uma das células do sistema nervoso central, a microglia, entende a enorme quantidade dessas moléculas gordurosas como uma invasão indesejável e dispara uma resposta inflamatória. No hipotálamo, essa inflamação destrói neurônios que controlam tanto a fome quanto o gasto energético. Em resumo, seria isso.

Os camundongos foram os primeiros a mostrar esse caminho que leva à obesidade ao professor Velloso e aos seus colegas. O médico testou nos animais a hipótese de que o mau funcionamento do hipotálamo teria como gatilho uma dieta não apenas muito calórica, mas especialmente rica em gorduras. Os animais receberam a alimentação engordurada por quatro meses, tempo mais do que suficiente para que virassem bolinhas obesas.

"Então, detectamos que, antes mesmo do ganho de peso, ocorriam alterações no hipotálamo. Na verdade, bastava um único dia comendo gordura de um modo exagerado para o hipotálamo  dos camundongos já não ser o mesmo",  contou o professor. Em outra experiência, sua equipe comparou diversos tipos de gorduras presentes na dieta para saber se, em matéria de inflamação, seriam todas iguais.  E não: as saturadas são de longe as piores.

Os estudos envolvendo seres humanos, realizados na Unicamp também, mostram resultados parecidos. No caso, os cientistas usam a ressonância magnética funcional, exame capaz de mostrar ao vivo até mesmo o que acontece  com a massa cinzenta enquanto  os voluntários ingerem algo de canudinho dentro do equipamento. "Hoje sabemos que a obesidade sempre provoca uma reação inflamatória no hipotálamo, independentemente das inflamações que ela já causa pelo organismo. É, nesse caso, uma resposta muito pontual e específica, que nos ajuda a entender por que engordamos ou recuperamos o peso perdido", diz Lício Velloso.

Isso talvez signifique que, depois daquele final de semana de gulodices, você estará frito. E, por "frito", leia: com uma dificuldade cada vez maior, determinada lá no seu cérebro, para perder ou manter o peso.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.