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Blog da Lúcia Helena

As mulheres deveriam se preocupar com a pressão até mais do que os homens

Lúcia Helena

25/04/2019 04h00

Crédito: iStock

Claro que esta é só minha opinião: a hipertensão deveria estar até mais na nossa cabeça do que na dos rapazes. Nem todos vão concordar. Entre as vozes dissonantes, já escuto a de alguns médicos que, cheios de razão, dirão que o problema é dos mais democráticos. No corpo de 25 a 30% dos brasileiros acima dos 20 anos, não importando o gênero, as artérias vivem no maior sufoco. Sem distinção.

Quando passamos dos 60, metade de nós — rosas, azuis ou a cor que cada um quiser tomar para si — estamos lascados. Sim, 50% das pessoas são hipertensas a partir da sexta década de vida, até porque tem mais esta: a pressão tende a se elevar com a idade. Quem por azar já não tinha uma medida das melhores na juventude, acumulando estragos nos vasos sem se dar conta — digo "sem se dar conta" porque não, a hipertensão não costuma doer, nem turvar a visão, nem apertar a nuca, nada disso que chame a atenção nas ruas e fora dos consultórios — pode esperar um aperto ainda maior para o sangue transitar pelo corpo na maturidade.

No entanto, quem era feliz da vida com uma medida 12 por 8 também precisa ficar esperto. A pressão sempre sobe com os anos, um pouco mais ou um pouco menos conforme a pessoa. Ponto. E o risco de infarto, AVCs e insuficiência cardíaca acompanha essa subida quando quando a terceira idade se aproxima.

No outro extremo, o da criançada, cinco em cada 100 meninos e meninas no Brasil já têm pressão alta. Mas repito: pobres meninas, se começam nessa vida de hipertensas assim novinhas. Ora, estamos falando de uma doença silenciosa que é, de longe, o principal fator por trás dos males cardiovasculares. Eles que, por sua vez — me desculpe pela lembrança mórbida —, mais tiram vidas por aí.

No entanto, insisto e vou defender o meu ponto: nós, mulheres, precisamos ficar ainda mais atentas e, pelo menos uma vez por ano, estender o braço para acompanhar a saúde de nossas artérias.

Aliás, amanhã a Sociedade Brasileira de Hipertensão inicia a sua campanha "Menos Pressão na Mulher." E eu tive a sorte de conversar calmamente com o seu vice-presidente, o cardiologista Luiz Bertolotto, para entender mais essa história. Diga-se, o doutor Bortolotto, também ligado ao Instituto do Coração em São Paulo, é um dos maiores especialistas brasileiros em hipertensão.

O médico me lembra que nessa guerra sem vencedor, a dos sexos, a mulherada tem sido cada vez mais vítima das doenças cardiovasculares. De fato, segundo o Ministério da Saúde, só o coração já mata mais mulheres acima dos 50 anos do que o câncer de útero e o de mama juntos. Aliás, olhando ao redor do planeta, quem avisa é a OMS: o coração é a causa da morte de um terço das mulheres em todos os continentes.

Obesidade, sedentarismo, cigarro, dieta carregada no sódio, ansiedade e estresse (será que lembro da dupla jornada feminina agorinha mesmo ou você, leitor, já está cansado de ouvir falar dela?), sem contar uma eventual predisposição familiar — no final, tudo isso conta para que o sangue acabe exercendo uma força bem maior do que deveria contra as  paredes dos vasos na hora de pedir passagem para correr dos pés à cabeça. 

A maior parte da cascata de fatores que fazem as artérias perderem a flexibilidade ou o volume da circulação aumentar ou, ainda, que aceleram os batimentos cardíacos — exemplos de mecanismos no pano de fundo da hipertensão — não tem gênero. Mas — chego onde queria! — , as mulheres vivem mais perigosamente. Pois é da natureza feminina passar por momentos bem críticos em matéria de pressão.

O  primeiro deles é quando a garota — que às vezes, em plena adolescência, nem está se lembrando que tem um coração ao pé da letra —  vai tomar sua primeira pílula anticoncepcional. "Mais do que medir a pressão, o ginecologista deveria avaliar a obesidade, o grau de sedentarismo e se ela tem parentes hipertensos no instante de prescrever o contraceptivo", diz Bortolotto. "Deve ponderar tudo, mesmo que sua paciente seja muito jovem e tenha seus 15 anos", exemplifica.

Não vamos colocar esse peso nos ombros só de quem usa jaleco branco. Sabemos bem o que fazemos. Que mulher aí nunca entrou na farmácia e saiu de lá com um anticoncepcional sem passar pelo médico?

As pílulas mais modernas têm doses hormonais baixíssimas. Mas aquelas que são distribuídas na rede pública, alerta o doutor, em geral ainda contêm uma pitada mais elevada de estrogênio. E esse hormônio, especialmente na mulher obesa ou com casos de hipertensão na família, irá mexer com as artérias. "Aliás, depois de prescrever um anticoncepcional, se for a primeira vez ou se houver mudança na medicação, o certo seria a pressão ser monitorada nos primeiros meses", conta Bortolotto ao blog.

Se, por acaso, o medicamento fizer a pressão subir, bastará interromper o uso para tudo se normalizar. Mas que seja o quanto antes, por favor! Por falta de consciência do risco, Bortolotto já viu casos de mulheres que ficaram por anos a fio engolindo um anticoncepcional menos indicado. Sofrendo em silêncio o tempo inteiro,  suas artérias terminaram bem castigadas. Aí, mesmo quando a medicação contraceptiva sai de cena, a hipertensão fica. E como fica…

Outro momento crítico é o da gestação. A pressão nas alturas é a maior causa de morte materna. Quando a mulher ao menos sabe que é hipertensa, os cuidados começam na fase de planejar um bebê. "Se ela toma medicamentos, alguns deles precisarão ser trocados", avisa Bortolotto. O ideal, também, é que o parto seja feito por um médico com experiência em grávidas com complicações na circulação.

Mas toda gestante, mesmo a que tinha pressão normal até engravidar, precisa ser muito bem monitorada. Os noves meses de espera são, para muitas, um convite para a pressão subir. E mesmo que não chegue a um ponto dramático —o da pré-eclâmpsia ou até mesmo o da eclâmpsia propriamente dita —, quem apresentou uma pressão mais alta na gravidez deverá permanecer de olho nela para sempre. Para sempre mesmo. Isso porque, uma vez com a pressão mais alta na gravidez, o risco de se tornar hipertensa pra valer no futuro será alto.

Por falar em risco, a probabilidade de a pressão ser catapultada é maior nas grávidas acima do peso, nas futuras mães de gêmeos, nas diabéticas e naquelas que têm facilidade para formar trombos em função de alterações sanguíneas. 

Finalmente, chega a menopausa, fazer o quê! E se as paredes dos vasos pareciam relaxadas até então, tudo fica mais tenso quando deixam de contar com a proteção do estrógeno. Aliás, acho que esse estrógeno é que nem filtro de imagem nas redes sociais: deixa tudo lindo e, quando o tiramos,  encaramos a realidade.  Na menopausa, aquela moça que sempre foi 12 por 8 pode se transformar quase que do dia para noite em uma distinta senhora com 14 por 9 ou mais. Ou seja, hipertensa. Então, faço coro: menos pressão na mulher. Nós merecemos a campanha.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.