As mulheres deveriam se preocupar com a pressão até mais do que os homens
Claro que esta é só minha opinião: a hipertensão deveria estar até mais na nossa cabeça do que na dos rapazes. Nem todos vão concordar. Entre as vozes dissonantes, já escuto a de alguns médicos que, cheios de razão, dirão que o problema é dos mais democráticos. No corpo de 25 a 30% dos brasileiros acima dos 20 anos, não importando o gênero, as artérias vivem no maior sufoco. Sem distinção.
Quando passamos dos 60, metade de nós — rosas, azuis ou a cor que cada um quiser tomar para si — estamos lascados. Sim, 50% das pessoas são hipertensas a partir da sexta década de vida, até porque tem mais esta: a pressão tende a se elevar com a idade. Quem por azar já não tinha uma medida das melhores na juventude, acumulando estragos nos vasos sem se dar conta — digo "sem se dar conta" porque não, a hipertensão não costuma doer, nem turvar a visão, nem apertar a nuca, nada disso que chame a atenção nas ruas e fora dos consultórios — pode esperar um aperto ainda maior para o sangue transitar pelo corpo na maturidade.
No entanto, quem era feliz da vida com uma medida 12 por 8 também precisa ficar esperto. A pressão sempre sobe com os anos, um pouco mais ou um pouco menos conforme a pessoa. Ponto. E o risco de infarto, AVCs e insuficiência cardíaca acompanha essa subida quando quando a terceira idade se aproxima.
No outro extremo, o da criançada, cinco em cada 100 meninos e meninas no Brasil já têm pressão alta. Mas repito: pobres meninas, se começam nessa vida de hipertensas assim novinhas. Ora, estamos falando de uma doença silenciosa que é, de longe, o principal fator por trás dos males cardiovasculares. Eles que, por sua vez — me desculpe pela lembrança mórbida —, mais tiram vidas por aí.
No entanto, insisto e vou defender o meu ponto: nós, mulheres, precisamos ficar ainda mais atentas e, pelo menos uma vez por ano, estender o braço para acompanhar a saúde de nossas artérias.
Aliás, amanhã a Sociedade Brasileira de Hipertensão inicia a sua campanha "Menos Pressão na Mulher." E eu tive a sorte de conversar calmamente com o seu vice-presidente, o cardiologista Luiz Bertolotto, para entender mais essa história. Diga-se, o doutor Bortolotto, também ligado ao Instituto do Coração em São Paulo, é um dos maiores especialistas brasileiros em hipertensão.
O médico me lembra que nessa guerra sem vencedor, a dos sexos, a mulherada tem sido cada vez mais vítima das doenças cardiovasculares. De fato, segundo o Ministério da Saúde, só o coração já mata mais mulheres acima dos 50 anos do que o câncer de útero e o de mama juntos. Aliás, olhando ao redor do planeta, quem avisa é a OMS: o coração é a causa da morte de um terço das mulheres em todos os continentes.
Obesidade, sedentarismo, cigarro, dieta carregada no sódio, ansiedade e estresse (será que lembro da dupla jornada feminina agorinha mesmo ou você, leitor, já está cansado de ouvir falar dela?), sem contar uma eventual predisposição familiar — no final, tudo isso conta para que o sangue acabe exercendo uma força bem maior do que deveria contra as paredes dos vasos na hora de pedir passagem para correr dos pés à cabeça.
A maior parte da cascata de fatores que fazem as artérias perderem a flexibilidade ou o volume da circulação aumentar ou, ainda, que aceleram os batimentos cardíacos — exemplos de mecanismos no pano de fundo da hipertensão — não tem gênero. Mas — chego onde queria! — , as mulheres vivem mais perigosamente. Pois é da natureza feminina passar por momentos bem críticos em matéria de pressão.
O primeiro deles é quando a garota — que às vezes, em plena adolescência, nem está se lembrando que tem um coração ao pé da letra — vai tomar sua primeira pílula anticoncepcional. "Mais do que medir a pressão, o ginecologista deveria avaliar a obesidade, o grau de sedentarismo e se ela tem parentes hipertensos no instante de prescrever o contraceptivo", diz Bortolotto. "Deve ponderar tudo, mesmo que sua paciente seja muito jovem e tenha seus 15 anos", exemplifica.
Não vamos colocar esse peso nos ombros só de quem usa jaleco branco. Sabemos bem o que fazemos. Que mulher aí nunca entrou na farmácia e saiu de lá com um anticoncepcional sem passar pelo médico?
As pílulas mais modernas têm doses hormonais baixíssimas. Mas aquelas que são distribuídas na rede pública, alerta o doutor, em geral ainda contêm uma pitada mais elevada de estrogênio. E esse hormônio, especialmente na mulher obesa ou com casos de hipertensão na família, irá mexer com as artérias. "Aliás, depois de prescrever um anticoncepcional, se for a primeira vez ou se houver mudança na medicação, o certo seria a pressão ser monitorada nos primeiros meses", conta Bortolotto ao blog.
Se, por acaso, o medicamento fizer a pressão subir, bastará interromper o uso para tudo se normalizar. Mas que seja o quanto antes, por favor! Por falta de consciência do risco, Bortolotto já viu casos de mulheres que ficaram por anos a fio engolindo um anticoncepcional menos indicado. Sofrendo em silêncio o tempo inteiro, suas artérias terminaram bem castigadas. Aí, mesmo quando a medicação contraceptiva sai de cena, a hipertensão fica. E como fica…
Outro momento crítico é o da gestação. A pressão nas alturas é a maior causa de morte materna. Quando a mulher ao menos sabe que é hipertensa, os cuidados começam na fase de planejar um bebê. "Se ela toma medicamentos, alguns deles precisarão ser trocados", avisa Bortolotto. O ideal, também, é que o parto seja feito por um médico com experiência em grávidas com complicações na circulação.
Mas toda gestante, mesmo a que tinha pressão normal até engravidar, precisa ser muito bem monitorada. Os noves meses de espera são, para muitas, um convite para a pressão subir. E mesmo que não chegue a um ponto dramático —o da pré-eclâmpsia ou até mesmo o da eclâmpsia propriamente dita —, quem apresentou uma pressão mais alta na gravidez deverá permanecer de olho nela para sempre. Para sempre mesmo. Isso porque, uma vez com a pressão mais alta na gravidez, o risco de se tornar hipertensa pra valer no futuro será alto.
Por falar em risco, a probabilidade de a pressão ser catapultada é maior nas grávidas acima do peso, nas futuras mães de gêmeos, nas diabéticas e naquelas que têm facilidade para formar trombos em função de alterações sanguíneas.
Finalmente, chega a menopausa, fazer o quê! E se as paredes dos vasos pareciam relaxadas até então, tudo fica mais tenso quando deixam de contar com a proteção do estrógeno. Aliás, acho que esse estrógeno é que nem filtro de imagem nas redes sociais: deixa tudo lindo e, quando o tiramos, encaramos a realidade. Na menopausa, aquela moça que sempre foi 12 por 8 pode se transformar quase que do dia para noite em uma distinta senhora com 14 por 9 ou mais. Ou seja, hipertensa. Então, faço coro: menos pressão na mulher. Nós merecemos a campanha.
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