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Blog da Lúcia Helena

Por que a maré saudável está boa para os peixes selvagens do Alasca

Lúcia Helena

10/12/2019 04h00

Crédito: iStock

Alabote, black cod, polaca selvagem, cod selvagem e, por último o mais famoso, salmão selvagem — ou será que devo dizer salmões, já que, das cinco espécies nativas do Alasca, o vermelho ou sockeye, o keta e o pink, estas três já se encontram entre nós? Aposto: se ainda não costumamos pedi-los nas peixarias, talvez isso mude por um conjunto de fatores que são prato cheio para quem busca uma alimentação saudável. A começar pelo lugar onde vivem e pela forma como são pescados.

Dos 50 estados unidos no território americano, o Alasca é o mais gigante. Você precisaria juntar uma Califórnia, um Texas e, de quebra, Montana para obter a vastidão gelada do Alasca. No entanto, até por ser um gelo, é a região menos povoada dos Estados Unidos, com uma densidade populacional de um único habitante humano (urso não vale!) a cada 420 metros quadrados. Temos de reconhecer: a nossa ausência ajuda a manter os mares limpos. E, neles, nadam muitos peixes, que, se depender do governo local e do federal, não sumirão do mapa só para satisfazer o nosso apetite.

"Há um controle quádruplo para que a população de  pescados jamais fique ameaçada", conta a nutricionista Andréa Esquivel, citando o exemplo dos salmões selvagens, que nascem em rios límpidos, migram para o mar e, depois, voltam para a água doce, ou melhor, para o mesmíssimo lugar onde nasceram para desovar. Logo depois, morrem. Missão cumprida.

Na medida em que sobem o rio—  piracema, eis a palavra que os nossos índios ensinariam aos esquimós —   ou em que os jovens salmões viajam para o mar, sonares de alta tecnologia já começam contá-los, um por um. Por segurança máxima, radares fazem a checagem, vai que.… Sobrevoando o local, helicópteros também observam tudo. E, nas águas, biólogos ficam nas proximidades dos pontos onde os peixes pulam para vencer a correnteza — pirapora! —, realizando uma última contagem, esta bem visual. "Assim, cruzando as informações, há uma ideia do saldo de peixes e do quanto será viável pescar naquele ano", conta Andréa.

Ah, nem dá para pescá-los a qualquer momento. "Conforme o número em uma região, vão existir até mesmo dia e horário específicos para a captura. Toca a sirene, deu a largada. Chegou o horário-limite? A sirene então ressoa e os pescadores que se contentem com o que conseguiram." Simples assim.

Hoje, a nutricionista — professora convidada de diversas universidades, com a USP de Ribeirão Preto — presta consultoria técnica para o Alaska Seafood Marketing Institute (ASMI), uma parceria entre a indústria pesqueira local e o governo americano para promover os peixes e os crustáceos que vêm dos mares, óbvio, do Alasca. 

A entidade desembarcou aqui sem pressa, ainda em 2011. E hoje, dizem, já é possível encontrar seus pescados congelados em qualquer região do Brasil, comercializados por grandes indústrias, mas  — repare — sempre com o selo da ASMI. "Ele é que garante a procedência e, lógico, todo esse cuidado", diz Andréa Esquivel.

Não é só a sustentabilidade que justificaria a escolha — embora ela seja um tempero cada vez mais apreciado à mesa. Existe a questão nutricional. Fontes incríveis de vitamina D e B12 mais uma série de minerais, os peixes selvagens têm sempre muito ômega-3, ácido graxo cada vez mais valorizado por afastar doenças, proteger especialmente os nossos vasos e, acima de tudo, manter o cérebro em bom estado. Em tempos nos quais a memória preservada vale ouro, não se pode desperdiçar uma gota de ômega-3. 

"Uma porção de 85 gramas de qualquer salmão selvagem do Alasca tem perto de 1.700 miligramas dessa gordura, quase o dobro do que precisamos obter na dieta", exemplifica Andréa Esquivel. "E é um ômega com altíssima biodisponibilidade, isto é, que o nosso organismo aproveita bem, diferentemente daquele ômega das cápsulas." Mas como ficariam aqueles salmões criados em cativeiro?  

Se você pensar em quantidade de gordura, eles ganham disparado: 20% de sua composição corporal é gordura pura, contra os 5% ou 7% de um salmão selvagem. Mais leve, este é desafiador na cozinha se não há orientação, porque pode sair de uma assadeira muito seco. Note o coradíssimo salmão pink da foto ao alto: ele não tem aquela gordura branca entremeada na carne. "Feito todo salmão selvagem, ele é um atleta, sempre nadando contra a correnteza. Já o peixe de cativeiro é um sedentário, que vive recebendo comida enquanto mal pode se mexer no tanque que divide com mais uns 4 mil companheiros", compara Andréa Esquivel. É um peixe, diria, com obesidade.

O ômega-3, vale eu contar, é uma gordura que não endurece em baixíssimas temperaturas. E o certo, certo na mamãe natureza é ela parar na superfície do corpo — em vez de formar filetes na carne —, servindo de isolante térmico. Na prática, isso significa que, num peixe de água fria nadando livre e solto, esse ácido graxo está pra valer na pele. "Por isso, é errado descartá-la na refeição", ensina a nutricionista.

No peixe de cativeiro, a fonte de ômega costuma ser vegetal — a ração contém linhaça. Sem dúvida, há ômega nessa alimentação, mas o que sobra no nosso prato nem sempre são frações que o corpo aproveita tão bem. A dieta do cativeiro também não deixa os peixes criados ali  com cor de… salmão! Daí recebem corantes. Por trás do tom, quando ele é natural, há a astaxantina, um dos maiores antioxidantes obtidos por meio da dieta, proveniente de crustáceos, como os pequeníssimos krills com os quais os tipos selvagens fazem a festa. Outro ponto: no cativeiro,  segundo Andréa Esquivel, são derramados antibióticos. Ora, se um único peixinho ali dentro adoece, leva embora fácil os outros milhares de confinados. Já era.

No caso dos peixes do Alasca, a documentação declara que eles tiraram, em centenas de amostragens, dez no boletim. Ou melhor, zero para pesticidas, arsênico, cádmio, mercúrio e outros contaminantes pesquisados. Amargando, aqui no nosso Atlântico, o maior desastre ambiental da história, com óleo manchando o nosso litoral, é caso de lançar um olho gordo ao norte do planeta. "O problema nem é a mancha, mas o óleo fino e transparente desprendido dela, que — este, sim — deverá contaminar as espécies", avisa Andréa.

Para quem não quer apelar para os importados e está com medo de comprar pescados, a alternativa seria consumir espécies de rios, como a truta e o saint peter, ou dos mares de São Paulo para baixo, como a pescada do sul. "Já quem gosta de camarão, nesse caso específico, deve escolher o de cativeiro", ensina Andréa.

Também vale demais aproveitar a maré favorável do Alasca, agora que os preços caíram. A polaca, por exemplo, é bastante acessível por uma razão simples: ela representa 60% dos peixes do Mar de Bering. Dá e sobra. Aparentada do bacalhau, mas com um sabor suave, sua carne é firme. O cuidado aqui é com polacas que vêm da China — criadas em cativeiro, sem controle das condições desses tanques por lá, essas chinesas são outra história.

Já o alabote ou halibut é um peixe engraçado, que vive enterrado na areia, a ponto de um dos olhos, que seria o do lado soterrado, migrar com o tempo até ficar do ladinho do outro. Esqueça esse visual esquisito e aproveite o sabor quase adocicado, que lembra o do linguado. O desafio é o tempo de preparo de sua carne um tanto magra: se cozinhar demais, ela desmancha. Se assar demais, ficará seca.

O black cod engana. Apesar do nome (cod, em inglês, é bacalhau), de bacalhau ele não tem nada. Lotado de ômega-3, seu sabor é quase amanteigado por causa dele. E, claro, existe ainda o bacalhau selvagem, bacalhau digno do nome. "Como todos, salmões incluídos, têm períodos de pesca diferentes, nunca são encontrados no mercado na mesma época", explica Andréa.  Pense bem: pode ser até saboroso experimentar cada um deles em seu tempo.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.