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Blog da Lúcia Helena

14 cuidados com o diabetes ao viajar e que podem valer para outras doenças

Lúcia Helena

17/12/2019 04h00

iStock

A ideia surgiu quando a senhorinha, tensa, começou perguntar na sala de embarque se alguém tinha uma bala ou algo bem doce na bolsa. Estávamos todos esperando há horas para decolar de Porto Alegre. Era para estarmos a bordo às 19h. Mas, por algum problema em outro canto, o avião aterrissaria — falavam — lá pelas 21h. Perto das 22h, a tripulação deu no pé, porque extrapolaria suas horas de voo e nós só embarcaríamos quando chegasse outro grupo de pilotos e comissários. Novíssima previsão de partida: 1h da manhã. Diga-se, sem a menor perspectiva de jantar nas nuvens, porque aeromoça servindo comida é uma visão tão remota quanto a do 14 Bis, certo?

Não sei se você visitou a capital gaúcha recentemente, mas o aeroporto anda em reforma. Não havia nenhum quiosque pra quem quisesse fazer uma boquinha e, se o jejum não estava nos planos de viagem de ninguém, imagina no caso do marido daquela mulher assustada. Por ele ser diabético, havia o medo de que o açúcar em seu sangue despencasse em um zás-trás. Seria mesmo um perrengue. 

Atrás de uma guloseima, a senhora justificava que imaginaram um passeio curtinho, mixuruca. Acontece. Ô, se acontece… Acontece de o avião não sair da terra firme. Também acontece de a estrada estar completamente parada. Passeio de excursão atrasado, idem. Acontece de um tudo —incluindo o paciente com diabetes ficar sem o necessário para enfrentar imprevistos.

E, se tanta confusão ocorre em períodos mais normais, o que será enfrentar o caos das festas em aeroportos e rodovias lotados, me conte!  Por isso fui atrás do endocrinologista Carlos Eduardo Barra Couri, pesquisador da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto. Mineiro — por ironia, conterrâneo de Santos Dumont —, ele entende do dia a dia dos pacientes com diabetes como poucos.

Mas não pense você que as dicas a seguir valem só para quem se preocupa com glicose, insulina, essas coisas. Quer saber? Elas podem ser extremamente úteis para pessoas com outras doenças crônicas em fase de pensar nas férias. E eu ficaria esperto com cada uma delas. Por precaução. A gente nunca sabe quando ouvirá que o piloto sumiu.

 1. Posso mesmo viajar, doutor?

Assim como a gente bola tintim por tintim do roteiro, do que colocar na mala e escolhe a dedo o hotel, é preciso planejar os cuidados com a saúde. Sinto dizer, primeiro de tudo é necessário discutir com o médico se você deve mesmo viajar. "A realidade é que existem pessoas que simplesmente não têm condições de seguir para determinado destino. Por exemplo, se alguém está com um diabetes instável e quer ir a um lugar com um sistema de saúde precário, não dá. Eu já vetei", conta o doutor Couri. Portanto, algumas perguntas todo portador de uma doença crônica deve se fazer: onde quero visitar tem hospital? Esta é uma delas.

2. Peça um relatório e, ainda, as receitas de remédios

Ao liberar o programa, se for para o exterior, o médico precisa preparar um relatório em português e em inglês, quem sabe até incluindo uma terceira língua, que seria a  local — "já escrevi relatório em chinês com a ajuda de Google tradutor. Longe do ideal, mas era o possível, uai", lembra Couri, rindo. Esse relatório explicará que você tem diabetes e que, por isso mesmo, está levando consigo remédios como a insulina, canetas de aplicação etecétera. Claro, de novo, acho que nem preciso explicar por que isso também seria ótimo em outras condições crônicas, especialmente se exigem transporte de medicamentos. Importante  — atenção para o detalhe! — o seu clínico destacar o CID ou código internacional de doenças. É um número, igual aqui e em qualquer país do mundo, indicando o que exatamente você tem. Outros papéis que o médico deve lhe entregar — de novo, em português e em inglês, no mínimo — são as receitas das medicações.

3. Não se esqueça do fuso horário

Se for o caso, peça ajuda para não se atrapalhar com os horários para aplicar a insulina. "Nunca é bom encavalar doses", explica Couri. "Provavelmente, o seu médico irá pedir para você suprimir uma delas para, daí, retomar a medicação no horário local." Mas deixe que ele faça esse cálculo e explique direitinho como você terá de agir. O mesmo conselho pode ser útil para pacientes que tomam medicação com hora determinada para hipertensão e outras encrencas, concorda? Pergunte, pergunte, pergunte! Não engula nem aplique  remédio na base do "achismo".

4. Espere por mudanças na glicemia

Ora, você vai ter uma rotina diferente, experimentar pratos diversos, talvez caminhar menos se por acaso se aventurar em um navio…. "É normal ver quem tinha uma média de taxa de 100 ou 110 de glicose de repente se encontrar com 140, 150… De novo, a pergunta que a gente deve se fazer é se aquele sujeito pode ficar assim por duas ou três semanas", explica o doutor Couri. "Se ele puder se dar ao luxo, ótimo. Só é bom alertá-lo para que não fique assustado", diz  o médico. Vale lembrar que o diabetes é uma doença de longo prazo. É a sua glicemia média ao longo da vida inteira — e não o período da sua viagem isoladamente — que fará diferença. Relaxe quanto a isso, se em geral vive com a doença sob controle.

5. Ao sair do médico, providencie cópias autenticadas de tudo

Relatório e receitas — essa documentação, fora de casa, será tão importante quanto o seu RG ou o seu passaporte. Portanto, é para sair para cima e para baixo com ela, principalmente em aeroportos internacionais, para facilitar com a alfândega. E, como a gente sempre corre o risco de perder as coisas, mantenha os originais na bagagem.

6. Faça um seguro pensando no seu sorriso 

Todo mundo só deveria arredar o pé do seu canto com um belo seguro capaz de incluir problemas odontológicos. "Eles são mais comuns em pessoas com diabetes e já vi dor de dente estragar férias inteiras", justifica Barra Couri. Por que ninguém se lembra de assegurar o sorriso?!

7. Avise a companhia aérea

Claro, a dica é para quem vai viajar de avião. Informada, a companhia tende a tomar cuidado com os diabéticos a bordo, oferecendo mais alimentos ou lanches durante a viagem, se ela for de longa. Aliás, avisar  é uma boa para qualquer passageiro que tenha uma dieta especial. Só não deixe para fazer isso na véspera. Aí, nem sempre dá certo.

8. Leve um pouco a mais de tudo

Algumas listas de preparativos como esta falam para você calcular uma quantidade de insulina, reagentes e o que for preciso como se fosse ficar dois dias fora a mais. No entanto, o doutor Couri é ainda mais cauteloso e prefere que seus pacientes carreguem tudo como se fossem se ausentar por uma semana além do estipulado— vai que, por alguma questão, você precise estender a estadia, né? Se for viajar para fora, essa segurança extra é até uma questão de economia: "Uma insulina de ação rápida no Brasil custa, em média, R$ 40, enquanto nos Estados Unidos, ela pode sair por US$ 100 ou mais de R$ 400", lembra. O seguro-saúde não dá direito a comprar medicamento. Portanto, outra vez, a dica de calcular dias fora de casa a mais pode ser útil para todo paciente com doença crônica que precise tomar medicamentos específicos no dia a dia.

9. Lugar de remédio é na bagagem de mão

Você não vai querer correr o risco de as malas extraviarem com toda a sua medicação dentro, vai? E, até mesmo no ônibus ou no carro, esse é o jeito ideal de carregá-la, isto é, mantendo-a por perto. No caso da insulina, se ela ainda não foi aberta, precisa ser mantida a uma temperatura entre 8 e 10ºC. Portanto, deve ser transportada em bolsas térmicas e ir direto para a geladeira na chegada ao destino.

10. Faça um teste de glicemia antes mesmo de sair de casa

No corre-corre para botar o pé na estrada, o monitoramento fica em segundo plano. Errado. 

11. Beba muita água durante o trajeto inteiro

O conselho vale para todo mundo com risco de desenvolver uma trombose. E ele é maior em quem tem diabetes. Além de ver se é caso de usar algum remédio anticoagulante antes ou mesmo vestir meias de compressão, é sempre importante tomar bastante líquido. A água, deixando o sangue mais fluido, pode dificultar a formação desses coágulos perigosos. Mas, cá entre nós, a principal razão para você dar uns goles dela sem esperar a sede é mais prosaica: "Assim, terá vontade de urinar com frequência e, uma vez que vai se levantar mais para isso ou, se estiver de carro, parar mais vezes para encontrar um banheiro, acabará movimentando o corpo", explica o doutor Couri. Faz sentido: ficar parado, seja qual for o meio de transporte, é que agrava a ameaça.

12. Comida a bordo

Leve, como de praxe, uma barrinha de cereal com você, evitando muito tempo em jejum. Frutas seriam uma boa. No entanto, se estiver indo para outro país,  não poderá entrar com elas — e, não, a ideia não é deixá-las para trás no avião, porque você não sabe quanto tempo irá levar até desembarcar, passar pelo controle de passaporte… Precisa carregar um lanche em todos os momentos. Fato. Mesmo de carro ou de ônibus, podem ocorrer atrasos inesperados. Suco de caixinha, uma bolacha, qualquer refeição leve ajudará a manter a hipoglicemia distante. No caso de quem tem diabetes, o certo mesmo é carregar açúcar líquido: "O saquinho, que você estoura com os dentes que nem aquele melzinho do tempo de escola, quebra um galho danado", diz Couri.

13. Faça monitoramentos mais frequentes

Como já foi explicado, é esperado que a glicose suba um pouco mais do que de costume e, na maioria das vezes, tudo bem. Nem por isso largue mão de monitorar. Ah, sim, esse é mais um motivo para você levar insumos extras: você usará mais o glicosímetro fazendo turismo do que no seu dia a dia, por exemplo.

14. Saia sempre com um cartão de identificação

Hoje em dia, muita gente já o tem no celular. Não importa, ele é fundamental quando se tem alguma condição que pode dar problema na rua — e, de novo, essa não é uma prerrogativa do diabetes. Mas, pense positivo, se você planejou tudo assim com carinho, a chance de algum mal-estar atrapalhar o seu período de descanso é pequena. Boas férias e passe muito bem em 2020!

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.