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Blog da Lúcia Helena

Em tempos de máscara no rosto, como fica a proteção dos olhos descobertos?

Lúcia Helena

07/04/2020 04h00

iStock

Quando, há cerca de uma semana, o Ministério da Saúde passou a recomendar que todos aqueles que, por acaso, precisassem sair de casa durante a quarentena usassem máscaras, ainda que fossem caseiras, muita gente arregalou as pálpebras. Boca coberta, ok. Nariz coberto, ok. Mas… e justamente eles, os olhos? 

Afinal, se o maldito coronavírus é capaz de flutuar por três longas horas no ar em gotículas menores do que 1 mícron — ou 1 milionésimo de metro — e isso quando alguém simplesmente fala qualquer coisa, sem depender dos perdigotos maiores que lançamos ao tossir ou espirrar, o que poderia então acontecer com os globos oculares desprotegidos? Esta é uma boa pergunta que, diga-se, apareceu mais de uma vez entre os leitores deste blog.

Para colocar mais caraminhola na nossa cabeça, já zonza com tantos ditos e desditos sobre a covid-19, também na semana passada a Academia Americana de Oftalmologia divulgou algumas orientações. Mandou, por exemplo, trocar lentes de contato pelos velhos óculos, informando que pelo menos três estudos associaram a conjuntivite com casos severos da infecção pelo Sars-Cov-2, alcunha científica do nosso atual inimigo público número 1. Lentes mal conservadas são, de fato, veículos para agentes infecciosos.

E, só de escutar essa história de conjuntivite, uns e outros com os olhos avermelhados por um problema qualquer se assustaram pra valer. Alguns foram atrás de pronto-atendimento, com medo de serem enquadrados em mais um caso de contaminação pelo coronavírus. Vamos começar por aí: "Nada de pânico", tranquiliza o oftalmologista Rubens Belfort Mattos Junior, professor da Universidade Federal de São Paulo, com doutorado exatamente em Microbiologia e Imunologia. 

Será que, na covid-19, os olhos poderiam mesmo ficar congestionados? Ora, claro que sim. "Não é diferente do que acontece com outras infecções respiratórias, como aquelas causadas pelos adenovírus dos resfriados comuns e pelo influenza da gripe: os olhos podem ficar vermelhos e inflamados", explica o professor Belfort que é também o atual presidente da Academia Nacional de Saúde. 

Há uma razão para a vermelhidão que se vê no olhar de alguns pacientes dessas doenças: a mucosa que reveste o globo ocular é praticamente igual àquela que forra o nariz, a faringe, os brônquios. Logo, os vírus que atacam o trajeto da respiração costumam ter uma baita afinidade com a conjuntiva dos olhos. "Mas, ao menos aparentemente, a probabilidade de uma pessoa com covid-19 ter uma conjuntivite por causa dela é baixa", afirma o professor Belfort.

Um dos trabalhos publicados mostrando a possível relação entre o novo coronavírus e a conjuntivite saiu no Journal of Virology. Ali, foram analisados 30 pacientes chineses com a covid-19. Entre eles, um único sujeito estava com olhos vermelhos e remelentos, sinais clássicos da conjuntiva inflamada. Nos outros 29 indivíduos, o branco dos olhos continuava em seu tom original — branco! —, sem arder nem coçar. No entanto, os cientistas encontraram o danado do vírus na lágrima de todos os participantes. 

Mas veja bem…Em primeiro lugar é um número enxuto de casos analisados para se concluir algo de maneira assertiva. "Além disso, em estágios mais avançados de infecções respiratórias, é normal que o organismo elimine vírus de muitas maneiras. Por meio da mucosa dos olhos, a conjuntiva, seria uma delas", diz o professor Belfort.

Em outro estudo chinês, divulgado no periódico científico JAMA Ophthalmology, a inflamação da conjuntiva foi observada em quase um terço de 38 pacientes, é bem verdade. Mas, aí, para entender essa prevalência maior, a gente precisa considerar que todos estavam em estado bem grave, com uma carga viral, isto é, com uma quantidade de vírus no organismo lá nas alturas. Ou seja, preste atenção e tenha muita calma nessa hora: nada indica que olhos inflamados por si só sejam motivo para alguém cismar de ter contraído o novo coronavírus, entendeu?

Até porque nem toda vermelhidão na conjuntiva é uma infecção. Ela pode ser sinal, por exemplo, de olhos irritados depois de muitas horas mirando telas de computador no home-office e as inseparáveis telinhas de celular, que viraram nossa janela para o mundo em tempos de distanciamento social. 

Diante de sua luminosidade, sem que tenhamos consciência, piscamos bem menos, o que tende a agravar os sintomas do olho seco em quem tem predisposição a mais essa chatice. Além de o problema já ser bastante desagradável, eis o perigo: o incômodo pode fazer a pessoa instintivamente levar as mãos aos olhos. "E não dá para afastar o risco de elas estarem contaminadas", observa o professor Belfort.

Além de lavá-las muito bem várias vezes ao dia — recomendação que, nesta altura, eu e você já deveríamos estar carecas de saber —, vale aliviar a sensação de olhos secos pingando algumas gotas de lágrima artificial ao longo do dia. Isso, de quebra, evitaria esfregá-los. E, daí, correr o risco de contaminá-los com o coronavírus.

Ficam, aqui, dois avisos importantes do oftalmologista: "Primeiro, qualquer colírio que imite a lágrima serve igual, desde aquele que custa 10 reais à marca que é dez vezes mais cara. Pode comprar a mais barata com tranquilidade", ensina Rubens Belfort. "E segundo: não só higienize suas mãos imediatamente antes de aplicá-lo como preste atenção para não encostar os dedos na ponta da embalagem, por onde o colírio pinga. Esse é um erro comum".

Todo cuidado é pouco. Sim, as mãos são a maior preocupação quando se pensa que o coronavírus pode penetrar no organismo pelos olhos. "Já sobre a contaminação dos olhos por meio do ar, ninguém ainda consegue dizer o tamanho do risco", esclarece o professor. "Nem sequer afirmamos com segurança se o uso de óculos — sejam de grau ou de sol — protegeria os olhos. Falta informação científica", diz. "Alguma barreira deve oferecer, mas ninguém sabe o quanto ela seria efetiva." Há quem especule que, mesmo com óculos na cara, sempre acabam passando aerossóis, ou seja, as tais gotículas menores do que 1 mícron, no espaço entre o acessório e o rosto. Pode ser…

"Uma coisa parece certa: a máscara no rosto seria de fato indispensável", reforça o médico. E, se é assim, os óculos ajudariam na medida em que — de novo — se transformam em obstáculos para as mãos quando, esquecidos da vida, nós resolvemos levá-las aos olhos. "Na realidade,  nem deveríamos tocar o rosto. Isso porque, especialmente nas ruas, os vírus podem se depositar por toda toda a face", avisa. 

Então, imagine só: é como se aquela mão, que acabamos de ensaboar com esmero e que lambuzamos todinha de álcool em gel,  voltasse a ficar suja quando coçamos a testa. Se, na sequência, você baixá-la na direção dos olhos, já viu… Parênteses importante: por isso mesmo, voltando para casa, não se fixe apenas mãos ao chegar diante de uma pia. Aproveite e lave direito o rosto também.

Perguntei ao professor Belfort sobre as lentes de contato que seus colegas oftalmologistas dos Estados Unidos estão contra-indicando no momento. "O problema não são as lentes em si", opina. "De novo, são as mãos. Penso que, se estiverem muito bem limpas tanto na hora de colocá-las quanto no momento de retirá-las dos olhos, tudo bem." Mas, com todo o respeito, é algo que ninguém pode garantir 100% no dia a dia de uma pandemia. Por isso, eu que não boto minhas mãos no fogo, quero dizer, no estojo das lentes que, antes, vivia usando. Escrevo isso me perguntando: onde será que deixei meus óculos?

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.