Em tempos de máscara no rosto, como fica a proteção dos olhos descobertos?
Quando, há cerca de uma semana, o Ministério da Saúde passou a recomendar que todos aqueles que, por acaso, precisassem sair de casa durante a quarentena usassem máscaras, ainda que fossem caseiras, muita gente arregalou as pálpebras. Boca coberta, ok. Nariz coberto, ok. Mas… e justamente eles, os olhos?
Afinal, se o maldito coronavírus é capaz de flutuar por três longas horas no ar em gotículas menores do que 1 mícron — ou 1 milionésimo de metro — e isso quando alguém simplesmente fala qualquer coisa, sem depender dos perdigotos maiores que lançamos ao tossir ou espirrar, o que poderia então acontecer com os globos oculares desprotegidos? Esta é uma boa pergunta que, diga-se, apareceu mais de uma vez entre os leitores deste blog.
Para colocar mais caraminhola na nossa cabeça, já zonza com tantos ditos e desditos sobre a covid-19, também na semana passada a Academia Americana de Oftalmologia divulgou algumas orientações. Mandou, por exemplo, trocar lentes de contato pelos velhos óculos, informando que pelo menos três estudos associaram a conjuntivite com casos severos da infecção pelo Sars-Cov-2, alcunha científica do nosso atual inimigo público número 1. Lentes mal conservadas são, de fato, veículos para agentes infecciosos.
E, só de escutar essa história de conjuntivite, uns e outros com os olhos avermelhados por um problema qualquer se assustaram pra valer. Alguns foram atrás de pronto-atendimento, com medo de serem enquadrados em mais um caso de contaminação pelo coronavírus. Vamos começar por aí: "Nada de pânico", tranquiliza o oftalmologista Rubens Belfort Mattos Junior, professor da Universidade Federal de São Paulo, com doutorado exatamente em Microbiologia e Imunologia.
Será que, na covid-19, os olhos poderiam mesmo ficar congestionados? Ora, claro que sim. "Não é diferente do que acontece com outras infecções respiratórias, como aquelas causadas pelos adenovírus dos resfriados comuns e pelo influenza da gripe: os olhos podem ficar vermelhos e inflamados", explica o professor Belfort que é também o atual presidente da Academia Nacional de Saúde.
Há uma razão para a vermelhidão que se vê no olhar de alguns pacientes dessas doenças: a mucosa que reveste o globo ocular é praticamente igual àquela que forra o nariz, a faringe, os brônquios. Logo, os vírus que atacam o trajeto da respiração costumam ter uma baita afinidade com a conjuntiva dos olhos. "Mas, ao menos aparentemente, a probabilidade de uma pessoa com covid-19 ter uma conjuntivite por causa dela é baixa", afirma o professor Belfort.
Um dos trabalhos publicados mostrando a possível relação entre o novo coronavírus e a conjuntivite saiu no Journal of Virology. Ali, foram analisados 30 pacientes chineses com a covid-19. Entre eles, um único sujeito estava com olhos vermelhos e remelentos, sinais clássicos da conjuntiva inflamada. Nos outros 29 indivíduos, o branco dos olhos continuava em seu tom original — branco! —, sem arder nem coçar. No entanto, os cientistas encontraram o danado do vírus na lágrima de todos os participantes.
Mas veja bem…Em primeiro lugar é um número enxuto de casos analisados para se concluir algo de maneira assertiva. "Além disso, em estágios mais avançados de infecções respiratórias, é normal que o organismo elimine vírus de muitas maneiras. Por meio da mucosa dos olhos, a conjuntiva, seria uma delas", diz o professor Belfort.
Em outro estudo chinês, divulgado no periódico científico JAMA Ophthalmology, a inflamação da conjuntiva foi observada em quase um terço de 38 pacientes, é bem verdade. Mas, aí, para entender essa prevalência maior, a gente precisa considerar que todos estavam em estado bem grave, com uma carga viral, isto é, com uma quantidade de vírus no organismo lá nas alturas. Ou seja, preste atenção e tenha muita calma nessa hora: nada indica que olhos inflamados por si só sejam motivo para alguém cismar de ter contraído o novo coronavírus, entendeu?
Até porque nem toda vermelhidão na conjuntiva é uma infecção. Ela pode ser sinal, por exemplo, de olhos irritados depois de muitas horas mirando telas de computador no home-office e as inseparáveis telinhas de celular, que viraram nossa janela para o mundo em tempos de distanciamento social.
Diante de sua luminosidade, sem que tenhamos consciência, piscamos bem menos, o que tende a agravar os sintomas do olho seco em quem tem predisposição a mais essa chatice. Além de o problema já ser bastante desagradável, eis o perigo: o incômodo pode fazer a pessoa instintivamente levar as mãos aos olhos. "E não dá para afastar o risco de elas estarem contaminadas", observa o professor Belfort.
Além de lavá-las muito bem várias vezes ao dia — recomendação que, nesta altura, eu e você já deveríamos estar carecas de saber —, vale aliviar a sensação de olhos secos pingando algumas gotas de lágrima artificial ao longo do dia. Isso, de quebra, evitaria esfregá-los. E, daí, correr o risco de contaminá-los com o coronavírus.
Ficam, aqui, dois avisos importantes do oftalmologista: "Primeiro, qualquer colírio que imite a lágrima serve igual, desde aquele que custa 10 reais à marca que é dez vezes mais cara. Pode comprar a mais barata com tranquilidade", ensina Rubens Belfort. "E segundo: não só higienize suas mãos imediatamente antes de aplicá-lo como preste atenção para não encostar os dedos na ponta da embalagem, por onde o colírio pinga. Esse é um erro comum".
Todo cuidado é pouco. Sim, as mãos são a maior preocupação quando se pensa que o coronavírus pode penetrar no organismo pelos olhos. "Já sobre a contaminação dos olhos por meio do ar, ninguém ainda consegue dizer o tamanho do risco", esclarece o professor. "Nem sequer afirmamos com segurança se o uso de óculos — sejam de grau ou de sol — protegeria os olhos. Falta informação científica", diz. "Alguma barreira deve oferecer, mas ninguém sabe o quanto ela seria efetiva." Há quem especule que, mesmo com óculos na cara, sempre acabam passando aerossóis, ou seja, as tais gotículas menores do que 1 mícron, no espaço entre o acessório e o rosto. Pode ser…
"Uma coisa parece certa: a máscara no rosto seria de fato indispensável", reforça o médico. E, se é assim, os óculos ajudariam na medida em que — de novo — se transformam em obstáculos para as mãos quando, esquecidos da vida, nós resolvemos levá-las aos olhos. "Na realidade, nem deveríamos tocar o rosto. Isso porque, especialmente nas ruas, os vírus podem se depositar por toda toda a face", avisa.
Então, imagine só: é como se aquela mão, que acabamos de ensaboar com esmero e que lambuzamos todinha de álcool em gel, voltasse a ficar suja quando coçamos a testa. Se, na sequência, você baixá-la na direção dos olhos, já viu… Parênteses importante: por isso mesmo, voltando para casa, não se fixe apenas mãos ao chegar diante de uma pia. Aproveite e lave direito o rosto também.
Perguntei ao professor Belfort sobre as lentes de contato que seus colegas oftalmologistas dos Estados Unidos estão contra-indicando no momento. "O problema não são as lentes em si", opina. "De novo, são as mãos. Penso que, se estiverem muito bem limpas tanto na hora de colocá-las quanto no momento de retirá-las dos olhos, tudo bem." Mas, com todo o respeito, é algo que ninguém pode garantir 100% no dia a dia de uma pandemia. Por isso, eu que não boto minhas mãos no fogo, quero dizer, no estojo das lentes que, antes, vivia usando. Escrevo isso me perguntando: onde será que deixei meus óculos?
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