Em tempos de pandemia, por favor, abaixe a tampa antes de dar descarga
Uma mudança deve ficar eternizada depois de isso tudo passar, assim eu espero — lavar sempre as mãos. Novo normal? Como assim?! Desde os primeiros anos 1900, quando a imigrante irlandesa Mary Mallon espalhou salmonela por todas as abastadas cozinhas nova-iorquinas por onde passou, confessando que nunca lavava as mãos para pegar nas panelas, já devia ter ficado claro o poder da dupla água e sabão.
A cozinheira, pobre ignorante, entrou para a história como a "Maria Tifoide". E nós, optando por ignorar o já conhecido, sabe-se lá que capítulo histórico escrevemos agora. Mas, nele, tomara que se registre outra mudança de hábito, tão singela quanto ensaboar as mãos sob a torneira: abaixar a tampa da privada antes de dar a descarga.
A atitude necessária exige total desapego, deixando para trás o que não mais nos pertence. E nada de dar tchauzinho para o cocô — ai, pelo amor! — quem já passou da idade do desfralde. Pois essa mania de mandar tudo por água abaixo sem cobrir o vaso cria uma nuvem de m… micropartículas fecais e o novo coronavírus pode ficar flutuando nela, quem sabe, se por acaso aquele trono tiver pertencido, instantes ou até três horas antes, a alguém infectado.
O assuntou rendeu estudo assinado por cientistas de três universidades chinesas e foi publicado pela revista Physics of Fluids, do Instituto Americano de Física. Os autores justificam: "frequentar o banheiro é uma necessidade diária, mas que pode ser perigosa no cenário de uma pandemia". Fechei os esfíncteres. Estou fazendo graça para lidar com um assunto que não cheira exatamente a rosas, mas pode haver realmente algo de podre, isto é, algo que precisamos aprender para nos precaver.
Jogo sujo para quem não entende de física foi ter de folhear páginas e mais páginas de cálculos complicados, avaliando vórtices na água e a força de jatos de spray na direção do teto do banheiro, com simulações de tudo o quanto é tipo de sistema de descarga que você possa imaginar. Porque a ideia do tal trabalho era essa mesmo: saber se um sistema era mais seguro do que outro para evitar uma possível transmissão do novo coronavírus no ar da cabine, sabe como é.
Na opinião dos pesquisadores, em tempos de relaxamento do distanciamento social — por mérito de uma quarentena bem feita ou porque alguns não acreditam que lotar bares antes da hora pode dar em m… micropartículas fecais carregadas de vírus —, a informação sobre a descarga mais segura seria útil.
Queimei meus neurônios à toa, tentando entender tanta fórmula e tanto esquema de privadas e descargas. Tirando aquele sistema de vácuo, como o do banheiro de aviões — que, ao sugar toda a sujeira, não devolve muitas partículas no ar —, o resto praticamente dá na mesma. Não importa se é aquela antiga descarga de puxar a cordinha com a sua caixa d' água no alto da parede ou a com a caixa atrás do vaso ou, ainda, se é uma daquelas bem mais modernas — todas lançam uma nuvem de m… micropartículas fecais que podem transportar bactérias e vírus, quiçá o novo coronavírus. Que m…maldição!
Coronavírus nas fezes
Se ele pode estar lá também? Pode. Seu material genético costuma ser encontrado nas fezes de pacientes nos quais os sintomas respiratórios até desapareceram. Diga-se: quando é assim, não raro há mais rastros do RNA do vírus nas fezes do que nas amostras das vias respiratórias.
E faz sentido também a gente achar o Sars-CoV 2 por aí. "Ora, ele entra nas células por um receptor, o da ECA 2, que também é muito presente nas paredes do intestino delgado". lembra o biomédico Roberto Martins Figueiredo, especializado em Saúde Pública pela Fundação Getúlio Vargas, apelidado de Dr. Bactéria por um quadro que manteve ao longo de quatro anos no Fantástico, da Rede Globo.
Mas ele também faz questão de tranquilizar: "Embora a própria Fiocruz, aqui no Brasil, e o CDC, nos Estados Unidos, já tenham detectado a presença do vírus no esgoto, não há nenhum trabalho que aponte com 100% de certeza que existiria uma forma de transmissão fecal-oral", diz ele."Até porque desconhecemos se o que está sendo encontrado nos exames de fezes e esgoto não seriam apenas pedacinhos do RNA incapazes de infectar ou o vírus inteiro, com aquela sua membrana cheia de espículas, feito espinhos, que usa para invadir as nossas células."
Em contrapartida, também não dá para afirmar categoricamente que não existe risco algum. Calcula-se que, suspenso na nuvem, o vírus possa pairar entre os usuários de um banheiro por até três horas. Mas, de novo, não sabemos se intacto e em condições de infectar outras pessoas. Vamos nos contentar com a realidade: ninguém sabe. Então, cautela é bem-vinda. Até na hora de puxar a descarga.
E o que fazer?
A conclusão dos físicos e engenheiros chineses é simples: fechar a tampa antes de mandar tudo para a tubulação do esgoto. Caso contrário, dizem eles, o redomoinho de água cria um spray que, feito um pequeno tornado, sai girando invisível a — de acordo com os seus cálculos — 5 metros por segundo.
Sem a tampa fechada, de 40% a 60% dessas gotículas de água do vaso sanitário misturadas com você-sabe-o-quê (que meleca!) voam e alcançam uma altura média de 1,06 metro a partir do chão. E podem subir ao infinito e ao além quanto mais você aperta o botão para dar aquele reforço, querendo garantir que tudo o que jogou no vaso entrará mesmo pelo cano.
"Essa nuvem de spray não apenas sobe, mas é como se ela se abrisse no alto, derramando quase que uma chuva imperceptível que espalha as gotículas por um raio considerável de 1 a 2 metros", descreve Roberto Figueiredo. "É por isso que o chão costuma ser o mais contaminado, embora experiências simples com tinta fluorescente jogada na água do vaso, depois que os pesquisadores acendem uma luz negra o banheiro, demonstrem que essas partículas oriundas da privada aterrissam até em cima de escovas de dentes."
Claro, lembra o biomédico, não há escovas de dentes pousadas na pia de banheiros públicos. Em compensação, por eles circulam pessoas estranhas e você não faz a menor ideia de quem usou o lugar, se estava com febre ou com uma baita dor de barriga. Por falar nisso…
Os outros vírus não tiraram férias
A própria bactéria salmonela da Maria Tifoide, o vírus da hepatite, sem contar outros tipinhos típicos de dores de barriga, vômitos e diarreias — os rotavírus e os norovírus, por exemplo — continuam por aí. Nunca ficaram de quarentena. Quando a criança pega uma virose dessas, o pediatra costuma explicar para a mãe aflita querendo entender a razão: 'isso o seu filho pega até no ar'. E tem razão: muitas vezes, no ar do banheiro.
O ideal seriam sistemas de descarga que só pudessem ser acionados com a tampa devidamente abaixada, como já existem em alguns hospitais brasileiros. Como não é o que a gente encontra por aí, vale a campanha por algo tão simples quanto fechar o vaso. É higiênico. Diria mais, é o certo desde o velho normal — mas que normalmente não era seguido. E, claro, continua obrigatório lavar bem as mãos depois. Ah, sim, sem jamais secá-las naqueles equipamentos onde a gente as enfia para receber um jato de ar. Ora, você acha que esse ar vem de onde? Da mesma atmosfera cheia de nuvens, onde alguém pode ter passado sem dar a descarga do jeito certo.
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