Topo

Blog da Lúcia Helena

Cuide do seu nariz, porque é nele que muita doença respiratória começa

Lúcia Helena

04/08/2020 04h00

iStock04

Pequeno, grande, arrebitado ou adunco —   todo nariz presta um belo serviço. Porta de entrada do ar, que o atravessa apressado para alcançar os pulmões em uma velocidade que chega a 9 metros por segundo, ele consegue agir apesar do tempo ínfimo. Pega esse ar que estava muitas vezes frio, seco e sujo e o deixa quente, úmido e limpo, ou seja, em melhores condições para seguir pelo trajeto do sistema respiratório. A estimativa global, porém, é de que 45% das pessoas tenham algum problema bem em seu nariz. 

E olha que esse número nem levou em consideração os estragos que o novo coronavírus pode fazer nesse pedaço que, em condições normais, capta até 1 trilhão de aromas diferentes, levando a informação ao cérebro por terminações nervosas que podem ficar arrasadas pelo Sars-CoV 2. 

Nesta semana mesmo, saíram dados preliminares de um estudo da Universidade de São Paulo (USP) com 650 pacientes que tiveram diagnóstico confirmado de covid-19.  Pois saiba: 80% deles tiveram algum grau de anosmia ou perda de olfato. Muitos recuperaram essa extraordinária capacidade de sentir cheiros. Mas, em 5% dos casos, parece que a vida perdeu o seu perfume para sempre. 

O pandemônio dessa doença deveria fazer a gente valorizar mais esse órgão que lembra "uma caixinha em forma de pirâmide, dividida por uma parede cartilaginosa que faz com que fique com duas aberturas, as narinas", na descrição do otorrinolaringologista Marcio Nakanishi, que há 24 anos não faz outra coisa a não ser se dedicar ao estudo do nariz.

Pesquisador associado da pós-graduação da Universidade de Brasília e membro da diretoria da Academia Brasileira de Rinologia, ele era mais um que não dava muita bola para o próprio nariz. Até que, lá pelo quinto ano da Faculdade de Medicina na Unesp de Botucatu, no interior paulista, quando pretendia se tornar gastro,  ouviu do professor de otorrino que tinha um tremendo desvio de septo. "E ainda tinha rinite, problema que é outra história, mas que também melhorou quando esse professor resolveu me operar."

A vida então mudou tanto — "como muita gente, achava que respirar mal daquele jeito fazia parte de mim" —, que resolveu seguir nessa área. Sua pós-graduação foi em um dos maiores centros de referência do mundo em rinologia, o da Universidade Jikei, em Tóquio.  "Sou um apaixonado pela saúde do nariz", declara, para daí falar mais sobre o objeto dessa paixão.

Por dentro do nariz

Atrás da tal caixinha piramidal descrita pelo médico, existe a chamada concha média. Ela faz a interface com quatro pares de câmaras ou cavidades nos ossos da face, os seios paranasais. Estes, quando encrencam, são o palco de dolorosas sinusites.

E também atrás, mas subindo um pouco, a gente encontra uma estrutura, o corneto superior, onde estão as inúmeras terminações do nervo olfatório, juntinhas como em um grão de arroz.

O tecido que reveste toda essa área é a mucosa que, como o nome já indica, derrama muco o tempo inteiro na tentativa de impedir a entrada de invasores. Sua produção é de 1,5 litro, em média, por dia. Leu certo: você engole a maior parte, porque há uma comunicação entre o nariz e a garganta. 

Não há economia de esforços, já que essa é a primeira barreira contra infecções que mirem o sistema respiratório. Algumas, mesmo quando vingam, ficam por ali mesmo, no nariz.

As várias formas de rinite

Nem todas as rinites, porém, são infecciosas  — existem dois outros grandes grupos, as alérgicas e as irritativas. "Mas é fato: o nariz nunca escapa quando pegamos uma virose respiratória qualquer", diz o doutor Marcio Nakanishi. "Quer dar um nome impressionante para um resfriado comum é chamá-lo de rinofaringite viral. Ele também atinge a garganta, por isso é um misto de rinite com faringite."

Já nas formas alérgicas — que causam muita coceira, coriza e obstrução nasal — o que existe é uma hipersensibilidade, uma espécie de excesso de defesas. "E ela pode ser disparada por muitas coisas presentes no ar , como poeira ou ácaros, fazendo os mastócitos, que são células imunológicas, despejarem uma quantidade desproporcional de moléculas de histamina. Elas fazem tudo coçar e ainda dilatam os vasos", explica o médico. "Por isso, enxergamos aquele nariz vermelho e inchado."

Finalmente, há os casos de rinites irritativas. Aí, não há um agente infeccioso. "'É aquela pessoa cujo nariz têm uma hipersensibilidade ao frio, ficando vermelho e provocando espirros quando ela entra em um lugar com ar-condicionado forte", exemplifica.

O problema de viver com o nariz irritado

Não é pouca gente sofre de uma das formas da rinite: nada menos do que 30% da população mundial. E conviver com um nariz entupido — o problema é considerado grave quando ele entope quatro ou mais dias na semana — têm um preço. 

"O primeiro a ser afetado é o sono. A pessoa dorme de boca aberta e a qualidade do repouso nunca é a mesma", observa o doutor Nakanishi. "E, mesmo durante o dia, a obstrução nasal está associada a dificuldades na escola e a menor produtividade no trabalho. A maior parte dos pacientes afirma que não consegue focar nas tarefas."

A prática de esportes vira um tormento e, não raro, o paciente com rinite se torna mais um sedentário neste mundo cheio de preguiça. Mas o médico nota que, no final das contas, o principal prejudicado é o humor. "Por isso, quase invariavelmente, o paciente que busca tratamento descreve uma mudança positiva significativa, inclusive na autoestima. Afinal, muitos têm vergonha de frequentar lugares porque vivem com o nariz escorrendo", conta. 

O erro de sair pingando gotinhas

Elas desentopem a passagem do ar quase no ato, mas até mesmo as mais inocentes podem causar dependência. "Uma coisa é usá-las por cinco dias. Outra coisa é pingá-las feito um hábito há mais de cinco anos", diz Nakanishi.

O efeito-rebote é certeiro. Tanto que os médicos falam em uma outra forma de rinite, a medicamentosa. "Quando o sujeito pinga derterminadas formulações que provocam constrição dos vasos, na mesma hora o corneto inferior, que seria o chão daquela caixinha nasal, se retrai. Fica parecido com uma uva-passa. E daí, claro, sobra espaço para o ar passar. Mas, ao voltar desse estado, o corneto incha até mais."

Sem contar, como alerta Marcio Nakanishi, que existe um velho ditado em Medicina: "Abre o nariz e fecha o coração".  Ora, as moléculas que contraem os vasos do nariz são absorvidas por sua mucosa, caem no sangue e, gotejadas a todo instante, podem levar o sistema cardiovascular a enfrentar sufocos.

Sinusite ou rinossinusite? 

Marcio Nakanishi gosta mais da segunda opção e justifica: "Uma pessoa pode ter apenas rinite. Mas na sinusite, para que os seios da face fiquem inflamados,  aquilo que está agredindo acometeu o nariz primeiro. Logo, toda sinusite tem uma rinite junto."

O problema afeta 5,5% da população. Pode ser causado por fatores ambientais, como a poluição. Ou por aquela hipersensibilidade por trás de alergias. Não raro, o paciente também sofre de asma ou de dermatite. Sem contar que, muitas vezes, a causa inicial é anatômica: o famoso desvio de septo.

Quando a parede fica torta

Alguns narizes já vêm assim, meio tortos, de fábrica. Mas há vários casos em que parede interna cartilaginosa se desvia para um dos lados por mudanças na arcada dentária ou na fase do crescimento, se por acaso o céu da boca subir muito — é só um exemplo do que pode acontecer.  

Isso fatalmente vai empurrar para cima o chão do nariz. E como o septo não vai se espremer, nem reduzir de tamanho só porque o pé-direito do nariz ficou menor, a saída para caber lá dentro será tombar ligeiramente.

O desvio, em si, não é doença. "Em algumas pessoas, ele até é bastante visível e, mesmo assim, elas passam bem. Conseguem dormir sem boca aberta, por exemplo", explica Nakanishi.

Já em outras, mesmo que o desvio seja menor, ele pode ser suficiente para atrapalhar a passagem do ar em uma das narinas. A sensação é de que um dos lados vive meio entupido. "E, pior, esse desvio é capaz de impedir que o muco produzido nos seios paranasais escoe direito", explica o doutor. "Estancado ali, vira algo feito água podre: um convite a infecções que, mesmo curadas, depois poderão desencadear reações inflamatórias persistentes."

Os pólipos nasais

Quando a inflamação da rinosssinusite é constante, ela provoca lesões na mucosa dos seios da face que lembram cachos de uvas descendo até o nariz. São alterações  benignas e indolores. Mas o problema é que funcionam como obstáculos ao ir-e-vir do ar.

Às vezes, bloqueiam até mesmo a captação de odores. "É fácil arrancar um pólipo, mas o terror da cirurgia é que eles logo voltam a crescer e a alegria dura muito pouco",  lamenta o médico. 

O que há de novo

Recentemente, foi aprovado o uso de um remédio biológico, o dupilumabe, para resolver a sinusite quando os pólipos nasais não param de crescer. A medicação inibe duas moléculas produzidas pelo sistema imunológico — as interleucinas 4 e 13 — que desempenham um papel central na inflamação. "É uma excelente alternativa aos corticóides, que têm efeitos colaterais a longo prazo", esclarece Nakanishi.

A recomendação é de uma injeção a cada 14 dias por três meses. O duro é o valor salgado do tratamento, em torno de 9 mil reais mensais. Assim, ainda não é todo mundo que consegue respirar aliviado. O fundamental, no entanto, é não achar normal um nariz irritado e buscar ajuda. Resolver o problema da rinite evita muitas sinusites, noites mal dormidas e falta de ânimo — a causa disso tudo, afinal, está na cara.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.