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Blog da Lúcia Helena

Estudo mostra que pitadas de canela podem reduzir inflamações pelo corpo

Lúcia Helena

18/08/2020 04h00

iStock

Nestes tempos duros de engolir, com notícias tão indigestas e sabor de infância perdida, encontro doçura entre as minhas leituras de ciência — um trabalho recém-saído do forno, comprovando em gente como a gente a ação anti-inflamatória da velha e boa canela.

Que ela é velha conhecida ninguém discute, porque há relatos de seu uso desde os tempos do Antigo Egito e, por aqui, chegou logo pelas mãos dos descobridores já que, ainda em 1518,  os portugueses dominaram o mercado da canela no Ceilão, atual Sri Lanka.  E, bem, dizer que ela é boa pode até ser questão de gosto. Mas não conheço alguém que deteste canela, com seu perfume de bebida quente, de doce de vó, de lanche da tarde. 

O estudo em questão chamaria a minha atenção de qualquer jeito — já, já explico o porquê. Mas eis que noto entre os autores de duas instituições chinesas e uma turca, o nome do nutricionista brasileiro Heitor Oliveira Santos, pesquisador da Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais, com quem consegui falar ontem mesmo.

"O que a gente buscou avaliar foi o efeito da canela em inflamações de baixo grau", me disse ele, referindo-se a um estado inflamatório perene, que pode não ser forte como o de uma garganta repentinamente toda dolorida após ser acometida por uma infecção, mas que é constante e que vive pirraçando a saúde da cabeça aos pés.

É o que acontece em quem tem síndrome metabólica, envolvendo o excesso de peso, o diabetes tipo 2 e a gordura no fígado ou esteatose hepática. Ou em quem tem artrite reumatoide, problema que ataca as juntas do corpo e que derrama moléculas inflamatórias na circulação. "Foram os efeitos da canela em pacientes com doenças assim que a maioria dos estudos que nós analisamos avaliou", conta.

Por que dá para confiar

Sim — e essa seria a razão por que o trabalho teria despertado a minha curiosidade de qualquer jeito —, Heitor e seus colegas primeiro se debruçaram sobre 1.145 estudos já realizados sobre a ação da canela. E, depois, selecionaram 12 deles para realizar o que em ciência se chama de meta-análise, uma forma de combinar os achados de pesquisas diferentes sobre um mesmo tema, aumentando o número de pacientes envolvidos e, consequentemente, a segurança de que os resultados em comum são confiáveis pra valer.

Mais interessante ainda: a dúzia escolhida para a tal meta-análise foi toda composta de estudos randomizados e controlados, isto é, com participantes sorteados aleatoriamente para ficar ou não no grupo que consumiu canela por um período de dez a 110 dias.  E o adjetivo "controlado" indica que os cientistas procuraram controlar todas as variáveis, sem comparar quem tinha diabetes com quem não tinha, por exemplo. Essa explicação é importante porque, no reino da nutrição, a gente adora — eu também, quem nunca?— dizer que determinando alimento faz isso e mais aquilo sem que a informação se baseie em algo tão rigoroso.

Além disso, muitas vezes, a quantidade que seria preciso consumir de algo para ver os efeitos propagados equivaleria a uma montanha. Não foi o caso aqui: "A porção de canela equivaleria a de 1 a 2 colheres de cafezinho por dia ou a 1 colher de chá, no máximo. Enfim, algo viável de ser incorporado na rotina", diz Heitor Santos.

O que acontece graças ao consumo diário

Essa quantidade de canela, consumida dia após dia, se mostrou capaz de reduzir o nível de duas substâncias que deduram inflamações pelo corpo — a interleucina 6 e o malondialdeído. "Esta molécula de nome estranho é muito usada em pesquisas de laboratório para a gente descobrir se existe a tal inflamação de baixo grau", fala Heitor Santos. 

Os pesquisadores observaram  ainda os efeitos dessas pitadas sobre uma terceira substância, esta mais conhecida nos consultórios porque há algum tempo os médicos pedem para seus pacientes dosá-la — a proteína C reativa ou, simplesmente, PCR. O excesso dessa molécula pode indicar uma propensão para inflamações nos vasos sanguíneos, as quais, por sua vez, seriam o estopim de placas nas artérias, apontando para o risco de infartos e AVCs. 

"Um diferencial do nosso trabalho foi que comparamos os efeitos de dois tipos diferentes de canela, a chamada cassia e a ceilon e, embora ambas tenham baixado o tal malondialdeído, apenas a primeira diminuiu consideravelmente os níveis de PCR no sangue."

Na comida ou no chá?

Será então que a gente deveria prestar a atenção no tipo de canela que compra no mercado? "Besteira fazer isso", rebate o pesquisador. "O melhor seria criar o hábito de comer uma fruta, um iogurte, uma panqueca, enfim, a porção de alguma comida salpicada de pó de canela todo dia."

Até porque, mais do que diminuir  as substâncias inflamatórias, os dois tipos também aumentam a capacidade de o organismo se defender dos radicais livres. Ou seja, alguma vantagem sempre existirá.

Pergunto, então, se não valeria tomar um chá feito com um pauzinho ou outro de canela — que, na verdade, é um pedaço da casca dessa árvore, cortada de um jeito que, depois, se regenera. "Até dá para se beneficiar de um chá, deixando a água mal levantar fervura com a canela dentro da panela para desligar o fogo, cobrir e aguardar pelo menos 10 minutos de infusão", ensina o nutricionista, mas sem esconder que ainda prefere o consumo da canela em pó. 

Heitor Santos justifica: "o problema do chá é que fica mais difícil padronizar a quantidade de polifenois e de outros bioativos dessa espécie que vão parar no líquido, enquanto se eu consumo a forma em pó, como se fosse um comprimido de suplemento, tenho certeza de que estou ingerindo aquilo."

Claro, não é um pouco de canela que vai nos deixar saudáveis. Ela não é a salvação do mundo. Mas gosto de pensar que até ele pode se salvar pela somatória de coisas simples, como dançar na sala de casa, vestir uma máscara de pano ao sair,  cultivar doces gentilezas, desligar o celular ao ir para cama, comer uma fruta mais por dia e a partir de agora, quem sabe, salpicá-la com canela. A gente conquista saúde (e o mundo) é de pitada em pitada.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.