Enfrente a Aids por uns dois minutos, o tempo de ler este texto
Entendo a resistência. Também queria ler e escrever só sobre os antioxidantes das frutas docinhas, os benefícios de uma caminhada na grama, a serenidade encontrada no silêncio de uma meditação. Mas dezembro logo amanhece e muita gente exibe na lapela moderna, que são as redes sociais, o laço vermelho da solidariedade: sim, 1 de dezembro, Dia Internacional de Luta contra a Aids. Acho bacana.
Posso lhe dar o alívio imediato de boas notícias. Reforçar que, se bem tratado, o portador do HIV vive de maneira plena, tanto quanto uma pessoa sem o vírus. Apenas ressalvo que, por mais que tenha acesso a remédios, os famosos antirretrovirais, ele ainda precisará ficar bem de olho no coração. Afinal, é o coração que padece, às vezes mais do que as defesas, porque o combo da medicação leva o colesterol às alturas e faz crescer uma barriguinha, perigosa para qualquer um.
Outra boa notícia: neste ano, o governo aprovou a profilaxia pré-exposição, ou PrEP, como dizem os médicos. O SUS agora disponibiliza um comprimido que, engolido todo dia, diminui demais o risco de alguém contrair o HIV, caso se sinta vulnerável à infecção. O remédio cria uma barreira para o vírus sete dias após o uso diário, no caso de relações envolvendo o sexo anal. Ou 20 dias depois, para o sexo vaginal. E é bom que se cogite essa alternativa em alguns casos, sem moralismo ou tabu. Fale sobre isso. Fale de vez em quando sobre Aids.
É na falta de vontade de falar (e de ouvir ) a respeito do que nem sempre é leve e fácil que falhamos feio. Sem contar a impressão de que todo mundo já sabe de tudo sobre o tema. Será mesmo? Talvez muita gente saiba de muita coisa. Mas, talvez também, precise de motivação a conta-gotas para que esse conhecimento se transforme em ação.
A epidemia da Aids no país anda estável. Só que isso não é boa notícia, viu? Ora, o número de novas infecções caiu quase 30% até na África Oriental e na Meridional, onde vivem mais de metade dos portadores de HIV do planeta. Portanto, aumentar ou diminuir um pouquinho o número de novos infectados no Brasil está longe de ser um sinal de sucesso
Hoje os jovens mal esquentam a cabeça com Aids e, entre eles, o risco de contaminação cresce. Muitas mulheres continuam abrindo as pernas e os braços para o HIV, temendo perder o parceiro ao exigir que ele use camisinha ou faça o teste. Você também deve ouvir que, na era da "pílula azul", a infecção ganha espaço entre gente madura.
No entanto, conversando com o infectologista Esper Kallas, professor da Universidade de São Paulo, ouvi que esses nem seriam os grupos mais frágeis. Diante dos números, acabei concordando: 18% da população gay das grandes cidades brasileiras têm o HIV. Entre os transsexuais, 30% carregam o vírus. Profissionais do sexo? A resposta é 5%. A discrepância é de cair o queixo, já que a proporção de soropositivos na população em geral é 0,4%. Devemos encarar que esses grupos, então, permanecem à margem da prevenção. Ou não foram alcançamos pelo discurso que muitos de nós achamos velho e chato. Pergunto: podemos mesmo ficar em silêncio?
Também nunca entendi por que só falar da Aids em dezembro e depois, no nosso caso verde-e-amarelo, lá adiante, no Carnaval, como se a festa da vida não rolasse o ano inteiro. E quem faz campanha para os pacatos cidadãos que não saem para a folia?
Vale, sim, ficar repetindo que agora tem a PrEP. E sempre dar aquele empurrãozinho de coragem para quem ainda não fez o teste do HIV. O diagnóstico possibilita frear a transmissão e, mais do isso, o tratamento precoce aumenta demais a qualidade de vida dos portadores.
Sobre a camisinha — pra falar a verdade? — , pensar em doença sexualmente transmissível durante o ziriguidum é algo que desmancha prazeres. Ponto. Justamente por isso o uso do preservativo deveria estar no piloto automático de quem transa. Até para o pensamento não se dar ao trabalho de derrubar a emoção na hora agá. Aviso aos amantes que fazer sexo sem camisinha, em matéria de transmissão do HIV, é sempre uma orgia: você pensa que está transando com uma única pessoa, mas na verdade está levando para a cama (e para o seu corpo) todos os parceiros que ela teve no passado.
Talvez você preferisse que eu lhe falasse de antioxidantes, caminhada e meditação. Entendo. Portanto, obrigada por ter enfrentado o assunto HIV comigo ao longo destas linhas. E vamos nos prometer que, com ou sem laço cor de sangue, iremos nos cuidar mais e ser solidários com todos. Vamos lutar contra a Aids durante o ano inteiro, dentro e fora das timelines.
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