Quem tem medo da lactose? Abandonar o leite é uma roubada que engorda
Não existe discurso mais sem pé nem cabeça do que aquele de que somos os únicos animais que "mamam" depois de adultos. Quer falar contra o leite e outros produtos lácteos, por favor, use um argumento diferente. E daí, provavelmente, terá uma pontinha de razão — afinal, com o tempo muita gente se torna intolerante à lactose mesmo. Mas, na maioria das vezes, nem essa dificuldade para lidar com o açúcar natural do alimento seria motivo para tirá-lo da mesa. E, cá entre nós, essa história de nos comparar a bois crescidos que se comportam como bezerros bebês não vale.
Ora, também somos os únicos animais que assam a carne antes de rasgá-la com os dentes. E nunca ouvi falar de bicho herbívoro que joga azeite na grama como a gente faz com a salada. Então vamos aproveitar as delícias da condição humana.
O pânico todo começa com a lactose. Ela que leva muita gente a se autoproclamar intolerante — o que é uma barbaridade, se a pessoa não fez exames específicos para comprovar a suspeita, nem foi diagnosticada por um profissional de saúde. Esse açúcar, grandalhão, precisa ser quebrado em duas moléculas menores por uma enzima produzida pelo nosso corpo, a lactase. Ou fica empacado no aparelho digestivo provocando desarranjos.
Acontece que nem sempre a gente tem lactase suficiente. A produção varia de pessoa para pessoa e, sim, diminui com a idade, fazer o quê!
Nascemos com uma enorme quantidade da tal lactase porque o bebê vive de leite. A partir daí, a quantidade cai de modo mais ou menos acelerado conforme vários fatores. Chamo a sua atenção para um deles: quem deixa de consumir lácteos à toa, só na base da cisma de que não digere bem esses alimentos, dá chance para o azar e pode virar intolerante de verdade.
O organismo nunca é tolo. Perde tempo e energia apenas com o que faz sentido. Se você não está consumindo nada com leite, pra que ele ficar fabricando lactase, não é mesmo? Logo desacelera essa linha de produção. Daí, se um dia arriscar jantar uma massa com molho branco, tomar um sorvete cremoso ou beber o velho leite até ficar com bigodinho só para matar a saudade, você se sentirá empanturrado. Ou terá uma bela dor de barriga.
A catástrofe para a saúde é que a ingestão de cálcio no Brasil anda baixíssima. Isso é bem preocupante com a expectativa de vida crescendo a galope — que bom, só que estaremos vivos e com ossos em frangalhos. Não me parece a melhor visão do futuro…
O consumo de leite por aqui — coincidência ou não — diminuiu quando subiu o de bebidas adoçadas. Atualmente, trabalhos como o apresentado pelo nutrólogo Mauro Fisberg, professor da Universidade Federal de São Paulo, durante o congresso da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição, apontam que a ingestão do cálcio só vai bem, obrigada, até cerca dos 4 anos de idade.
Adolescentes que tomam leite ou consomem algum de seus derivados no máximo uma vez por dia ficam com 40% do aporte recomendado desse mineral. Entre adultos, sinto informar, apenas dois em cada dez indivíduos ingerem o nutriente como manda o figurino. Não, não adianta encher o prato de vegetais porque, em matéria de cálcio, você nunca chegará lá sem um ou outro laticínio na dieta.
O cálcio não faz bem só ao esqueleto. Ele é importante até para o coração, participando do controle da pressão arterial. Comprovadamente afasta o diabetes tipo 2. E faz uma falta danada quando você sobe na balança. Ah, faz…
Os cientistas já sabiam que, sem ele, fica difícil quebrar a gordura acumulada no corpo. Pois agora existe a certeza de que há um paralelo: quanto menor a ingestão de cálcio diariamente, maior tende a ser o índice de massa corporal. Ou seja, cortar laticínios, sua principal fonte, é favorecer a obesidade. Leite não dá barriga, é o contrário.
Um último golinho de informação: a intolerância que surge com o passar da idade vai sempre depender do volume de leite que você bebe. Sempre. Talvez você consiga tomar um copo cheio de 240 mililitros e tudo bem. No dia seguinte, porém, resolve beber 300 mililitros e se sente mal, porque seu corpo não produz estoques da enzima lactase para ínfimos 50 militros a mais, o volume de uma pequenina xícara de café. Cada um precisa sentir o próprio limite, observando suas reações no dia a dia.
Estudos apontam que a maioria dos intolerantes se dá bem ingerindo até 12 gramas de lactose por dia. Isso equivale a um copo de leite ou a 2 potes e meio de iogurte — que, aliás, só virou iogurte porque quebrou boa parte da lactose presente na matéria-prima fornecida pelas vacas e, portanto, se torna excelente alternativa. Há ainda, no mercado, opções de laticínios que já vêm sem lactose. E que continuam esbanjando o cálcio.
Saiba que são raros os casos de gente que não tolera engolir nem sequer uma gota de produtos lácteos. Raríssimos. Mas intolerância não é alergia, portanto nunca trate as duas coisas como sinônimo. Alergia é uma reação imunológica grave à proteína do alimento, passando longe de todo o tititi em torno da bendita lactose.
Bem, se você não é alérgico, até para ficar em forma, eu trocaria o refri e o suco, especialmente aquele que não é de fruta espremida na hora, já sabe pelo quê.
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