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Blog da Lúcia Helena

Chá de graviola: ele não ajuda. Até piora o tratamento do câncer

uol

06/02/2018 04h00

Crédito: Getty Image

Foi minha avó que veio com a lição: menina, nunca dê audiência a inimigo. Com isso, altiva, ela me aconselhava a nem falar de gente desagradável, muito menos de assuntos que mereciam ser soterrados no esquecimento. E reproduzi o ensinamento sempre que pude, até no meu jornalismo. Ora, seu tempo, leitor, é precioso. Deveria consumi-lo com o que pode funcionar para a sua vida em vez de gastá-lo marretando o que não dá certo.

Hoje, porém, contrariando essa sabedoria, resolvi dar uma colherzinha para o chá de graviola. Já ouvir falar dele? Pois não deveria nem dar ouvidos.

Dizem que esse chá faz maravilhas, isso e mais aquilo. Mas, sem dúvida, sua função mais propagada seria combater o câncer. E aí, covardia, o estrago que pode fazer de gole em gole é grande.

Foi a nutricionista especializada em plantas medicinais Vanderlí Marchiori, atualmente presidente da Associação Paulista de Fitoterapia, que soprou a sugestão do tema quando conversamos sobre o hibisco para este blog. Ela então me perguntou se um dia eu pretendia alertar sobre o zunzunzum em torno da graviola. Voltamos a nos falar, pois o tal dia chegou. É hoje!

Todos os anos, no Brasil, surgem mais de 600 mil novos casos de câncer. É uma multidão acometida com a doença, que se torna mais e mais comum até por causa do envelhecimento da população. E essa gente toda — o que é tremendamente compreensível —  busca qualquer recurso para auxiliar no tratamento.  Em seus labirintos da angústia, uma saída acompanhada do adjetivo "natural" ganha um apelo danado por não trazer aparentemente prejuízos. O chazinho de graviola entra nesse saco. Mas, de inocente, não tem nada.

Começa por aí: para algo funcionar contra uma doença dessas, teria de ser um medicamento, digamos, bombado. Medicamento não é fruta madura caindo do pé que, se devorada com exagero ou fora de hora, no máximo provoca uma dor de barriga no infeliz. Sempre tem efeitos adversos. É uma questão de pesar custos e benefícios. Remédio à base de plantas ainda é remédio. Precisa de orientação e muito cuidado. Não vale sorver chazinho esperando a cura de qualquer coisa como quem beberica água porque, se o tal chazinho cura mesmo, é sinal de que você está tomando remédio de guti guti. E no caso do chá de graviola — ah, que engano… — nem isso.

O  chá de graviola nem sequer faz cócegas em um tumor. É, sei,  uma decepção… No mundo da ciência, acontece, fazer o quê! Mas aí é que está a confusão dos tempos modernos: tudo é eterno enquanto dura nas redes. E a graviola para "curar" o câncer — entre aspas mesmo — ainda ganha muitos cliques nos buscadores da web, até por causa do vídeo de um programa jornalístico da tevê, que foi ao ar  há alguns belos anos, focando pesquisas realizadas em solo americano a respeito dessa fruta tropical, que atende pela alcunha científica de Anona muricato L.

Os cientistas sabem que a família da graviola — a Annonaceae, como preferem os botânicos  — é lotada de substâncias chamadas acetogeninas. Guarde este nome. Fazem parte desse grupo aquelas frutas com a polpa branquinha e cremosa em torno de inúmeras sementes, guardadas em uma casca verde, durinha, que no entanto se abre sem o menor esforço das mãos quando estão maduras. A fruta-do-conde é uma prima da graviola, por exemplo.

Em matéria das tais acetogeninas, as  folhas da gravioleira parecem mesmo imbatíveis. Daí todo o mito do chá feito delas. Que supostamente ajudaria a afastar o câncer. Supostamente. Pego o fio desta meada para você entender: nas lâminas dos laboratórios, as acetogeninas da graviola arrasaram, sim, com células de câncer. Atacaram com rapidez impressionante amostras malignas de pulmão, de cólon e de glóbulos brancos doentes, típicos da leucemia. Mas tudo ficou por aí. Uma coisa é misturar células e candidatos a remédios em vidrinhos. Outra é o vamos-ver do organismo.

O efeito das folhas da gravioleira não se repetiu nem sequer em ratinhos de laboratório, que seria a etapa posterior na trajetória clássica que leva a um novo remédio. Mas, muito pior, os estudos não foram adiante porque surgiu o cheiro da fumaça: as acetogeninas da graviola isoladas em extratos são suspeitas de degenerar células nervosas, levando ao desenvolvimento do mal de Parkinson. É o que os cientistas observam em habitantes das Antilhas francesas, que consomem com frequência esse extrato natural.

Cápsulas de graviola, vendidas pela internet, podem oferecer o mesmo risco de danos ao cérebro, lembra Vanderlí Marchiori. Apesar de muitas serem produzidas a partir da fruta, a concentração de acetogeninas é mais elevada do que saborear uma graviola in natura.

É claro que ninguém está falando nada contra comer a fruta, deliciosa, cheia das vitamina A e  C, entre outros componentes muito bem-vindos. Se bem que um trabalho, concluído há dois anos com ratinhos, acusa a graviola ou o seu suco de oferecer riscos de lesões nas células do sistema nervoso, isto é, se o consumo for diário, exagerado e por mais de um ano. Nada em excesso é bom, não é mesmo?

Em relação ao câncer, o pior de tudo não é a graviola deixar de destruir as células do tumor, mas prejudicar a própria quimioterapia quando as acetogeninas dão topadas, no fígado, com as drogas usadas nesse tratamento. Além desse encontrão sobrecarregar o órgão, há uma espécie de competição, fazendo com que a  quimioterapia, grosseiramente explicando, seja menos bem aproveitada. Ou seja, no mínimo, esse chá atrapalha. Afasta a cura. Diminui as chances.

Aliás, guarde a informação: quem está sob tratamento do câncer deve evitar todo e qualquer chá fitoterápico, pelo sim, pelo não. Até mesmo aqueles que são — ao contrário do chá das folhas de graviola — bastante conhecidos e seguros. O velho boldo, nessas horas, pode irritar o fígado de quem está fazendo uma quimioterapia. Pra quê? O natural seria deixar o seu corpo totalmente livre e desimpedido para receber essa terapia e chutar o câncer para longe.

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REFERÊNCIAS,  que acrescento aqui atendendo a pedidos e já deixando aos leitores o meu abraço, além de a dica para que leiam um ótimo texto de alerta do farmacêutico Luís Carlos Marques, uma das maiores autoridades em fitoterapia do país, que é também mestre em Botânica pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Psicobiologia pela Unifesp. Além dele…

*Caparros-Lefebvre D, Elbaz A. Possible relation of atypical parkinsonism in the French West Indies with consumption of tropical plants: a case-control study. Caribbean Parkinsonism Study Group. Lancet. 1999 Jul 24;354(9175):281-6.

*Champy P, Hoglinger GU, Feger J, Gleye C, Hocquemiller R, Laurens A, Guerineau V, Laprevote O, Medja F, Lombes A, Michel PP, Lannuzel A, Hirsch EC, Ruberg M. Annonacin, a lipophilic inhibitor of mitochondrial complex I, induces nigral and striatal neurodegeneration in rats: possible relevance for atypical parkinsonism in Guadeloupe. J Neurochem. 2004 Jan;88(1):63-9.

*Costa-Lotufo, L. V.; Montenegro, R. C.; Alves, A. P. N. N., Madeira, S. V. F.; Pessoa, C.; Moraes, M. E. A.; Moraes, M. O. A contribuição dos produtos naturais como fonte de novos fármacos anticâncer: estudos no laboratório nacional de oncologia experimental da Universidade Federal do Ceará. Rev. Virtual Quim., 2010, 2 (1), 47-58. Obtido de http://www.uff.br/rvq em 02/10/2015.

* Lannuzel A, Hoglinger GU, Champy P, Michel PP, Hirsch EC, Ruberg M. Is atypical parkindonism in the Caribbean caused by the consumption of Annonaceae? J Neural Transm Suppl. 2006;(70):153-7.

*Lannuzel A, Michel PP, Caparros-Lefebvre D, Abaul J, Hocquemiller R, Ruberg M. Toxicity of Annonaceae for dopaminergic neurons: potential role in atypical parkinsonism in Guadeloupe. Mov Disord. 2002 Jan;17(1):84-90.

*Lannuzel A, Michel PP, Hoglinger GU, Champy P, Jousset A, Medja F, Lombes A, Darios F, Gleye C, Laurens A, Hocquemiller R, Hirsch EC, Ruberg M. The mitochondrial complex I inhibitor annonacin is toxic to mesencephalic dopaminergic neurons by impairment of energy metabolism. Neuroscience. 2003;121(2):287-96.

*Moghadamtousi, S.Z., Fadaeinasab, M.; Nikzad, S.; Mohan, G.; Ali, H.M.; Kadir, H.A. Annona muricata (Annonaceae): a review of its traditional uses, isolated acetogenins and biological activities. International Journal of Molecular Sciences 2015, 16, 15625-15658.

*Rupprecht, J.K.; Hui, Y-H.; McLaughlin, J.L. Annonaceous acetogenins: a review. J. Nat. Prod., 1990, 53 (2), pp 237–278.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.