Topo

Blog da Lúcia Helena

Muita mulher não sente dor no peito quando infarta. Os sinais são outros

Lúcia Helena

15/03/2018 04h00

Crédito: iStock

Esqueça. Por favor, esqueça completamente a ideia fixa de que só está infartando quem se sente fulminado de dor no peito, de preferência acompanhada por aquele formigamento no braço esquerdo. Isso pode até ser verdade para muitos homens, diria a maior parte deles. Mas apenas o coração de uma minoria de mulheres reclama desse jeito quando elas estão infartando. E aí é que está o problema: muita gente não escuta o peito feminino quando ele se encontra em apuros.

Para sete em cada 10 mulheres, maioria absoluta, o infarto dá outras bandeiras. O enjoo forte que parece apertar a boca do estômago é uma delas. Não raro, a criatura bota tudo o que mal acabou de comer para fora. Alguma dor? Sim, a dor é até frequente. Mas contrai as costas. E a luta contra o cansaço físico é sem trégua.  

Tudo se confunde com uma refeição que caiu mal, com o esgotamento após um dia de sobressaltos entre o trabalho e outras trabalheiras com casa e filhos. A contração dolorosa dos músculos entre as omoplatas — sabe, ali, onde os anjos teriam asas? — passa por mera tensão.

Por causa dos sintomas tão diferentes daqueles que a gente associaria a um coração encrencado, um infarto assim, quase esquisito, se mantém despercebido. E esse período em que permanece ignorado, extrapolando o tempo ideal de duas horas para alguém ser socorrido e ter ótimas chances de se recuperar, costuma ser fatal.

Pois é, por fora, tirando o tamanho, o músculo cardíaco parece tão igual e no entanto…Fui conversar com um médico que entende como poucos do coração feminino. O cardiologista Otavio Gebara mergulhou no assunto desde que fez sua pós-graduação na Harvard Medical School, nos Estados Unidos. Já escreveu perto de 70 artigos científicos sobre a saúde cardíaca das mulheres, mais de 40 deles em revistas internacionais de Medicina. E, de volta ao Brasil, em 2009 foi o coordenador da Diretriz de Prevenção de Doenças Cardiovasculares em Mulheres, da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Pois é, já se vão quase dez anos e as mulheres ainda esperam sentir dor no peito, formigamento no braço…

Eu queria entender por que tudo é tão diferente nas mulheres. Otavio Gebara —  que hoje participa de um comitê na Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, ao lado de ginecologistas e endocrinologistas, justamente para discutir as doenças cardiovasculares no público feminino — acusa o modo como os hormônios afetam o endotélio, a camada interna dos vasos. Não falei que, por fora, o aparelho circulatório parece igual? É por dentro, mesmo, que tudo muda. E a própria ciência só deixou de se enganar pelas aparências nos últimos anos.

Esse endotélio todo metido a diferente faz com que a angina, o berro de dor de um coração quando ele deixa de ser abastecido de sangue a contento — o que, em última instância, é um infarto —, seja disparada mais por pequenos vasos nos arredores da área problemática. Esses vasinhos, então, vão dando uma série de microespasmos. Aí provocam aquele mal-estar difuso, que as pessoas não sabem apontar direito de onde vem.

Mas, para o Gebara, esse nem seria o principal obstáculo. O cardiologista acredita que a mulher não foi treinada para pensar no seu próprio coração — em um sentido nada romântico, bem entendido. Ela já está acostumada a se preocupar com as mamas, com o exame de Papanicolaou… Agora, uma mulher quase nunca cogita que pode ter um troço no coração. Fato.

No entanto, de acordo com o Ministério da Saúde, no Brasil o coração já mata mais mulheres acima dos 50 anos do que o câncer de mama e o de útero juntos. Um quinto da população feminina brasileira corre um altíssimo risco de sofrer um infarto. A situação não é tão melhor em outros cantos: a Organização Mundial de Saúde avisa que o coração é que mata 1/3 das mulheres ao redor do planeta.

Após a menopausa, a ameaça de uma mulher infartar é a mesma de um homem. Empate. Mas não se engane aqui também: para ela, o final da história costuma ser bem pior. Justamente porque despreza os sintomas e demora para buscar ajuda médica, há 50% por cento mais mortes entre as infartadas do que entre os infartados. 

"Os homens correm ao médico, com medo de um ataque cardíaco, quando sentem qualquer coisinha diferente entre o pescoço e o umbigo", brincou comigo Gebara. Quer saber? Eles estão certos! Agora me diga: que mulher tem um cardiologista para chamar de seu? Qual delas vai a esse clínico regularmente por pura prevenção? São poucas.

Entre os fatores de risco, na minha opinião, um deles merece destaque: a depressão. Ela leva a alterações no sono e à irritabilidade — porque, sim, senhoras e senhores, viver sofrendo de irritação costuma ter muito mais a ver com a angústia e com a melancolia sem fim do que com a correria moderna. Esse combo, por si, já destrambelha o ritmo cardíaco. O cortisol altera de vez o funcionamento do endotélio que, como já lhe expliquei, é a camada interna dos vasos. O sangue tende, a partir daí, a formar mais coágulos. Enfim, o estado depressivo provoca uma bola de neve. Para não dizer, uma bomba relógio para os corações.

Não é de hoje — atenção, por favor, muita atenção! — que a depressão é considerada um dos principais gatilhos de um infarto. E lembre-se: os quadros depressivos são duas vezes mais frequentes em mulheres, até por causa, supõe-se, do sobe-e-desce de seus hormônios. E não só por isso: a mulher deprimida geralmente se trancafia, não faz ginástica, descuida da dieta, se atira em uma caixa de bombom. Sem contar que, se é diagnosticada com qualquer problema de saúde, a tendência será, no primeiro instante mais melancólico, jogar o tratamento pela janela.

Gebara gosta de lembrar de um estudo, realizado há oito anos e sobre o qual ele escreveu o editorial em uma das mais prestigiadas revistas internacionais sobre aterosclerose. Ele é importante por ter sido um dos primeiros a mostrar esse elo. Os médicos examinaram as carótidas, vasos calibrosos que passam pelo pescoço, de centenas de mulheres. E, não à toa, encontraram muito mais placas nas artérias daquelas que apresentavam sintomas claros de depressão.

Aliás, fique sabendo: as sociedades de cardiologia, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos e na Europa, recomendam que os médicos de qualquer especialidade, especialmente diante de uma paciente mulher, façam cinco perguntas simples para perceber se elas se sentem deprimidas. E isso para, eventualmente, encaminhá-las ao cardiologista, por exemplo. Pois é não é a afobação diária que nos consome. O que o coração feminino não suporta pra valer é viver triste.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.