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Blog da Lúcia Helena

Quem foi que disse que iogurte, kefir e kombucha são probióticos?!

Lúcia Helena

24/05/2018 04h00

Eu encontrei o gastroenterologista Dan Waitzberg noutro dia. Esse professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) é considerado um dos maiores experts do país na microbiota intestinal. Papo vai, papo vem, ele disparou: "Lúcia, quem foi que disse que iogurte, kefir e kombucha são probióticos?!" O recado não era para mim. Que eu me lembre, eu não disse. Mas poderia ter me confundido como tantos, já que, sim, a gente lê, vê e escuta por aí que esses alimentos são probióticos. "Você precisa esclarecer essa história", foi o que ouvi. Missão dada…

Missão cumprida com a ajuda da nutricionista Karina Al Assal, outra grande entendedora do tema, que acaba de concluir seu mestrado na mesma USP. Desde 2011, ela busca diferenças na microbiota intestinal de obesos diabéticos que passaram pela cirurgia bariátrica. Diga-se: até hoje não somam os dedos das duas mãos o número de trabalhos realizados pelo mundo para compreender se as bactérias encontradas no intestino poderiam prever o sucesso da operação, no sentido de resolver o diabetes tipo 2.

Sete em cada 10 das 39 trilhões de bactérias que habitam o nosso corpo estão lá no cólon, a parte central do intestino grosso. E foi-se o tempo em que essa imensa população era associada apenas a um piriri ou outro. Hoje se sabe que ela tem relação não só com a obesidade e o diabetes mencionados, mas com a nossa capacidade de nos defender de infecções, a propensão a ter ou a não ter um câncer, um infarto, um reumatismo e outras doenças de fundo inflamatório, sem contar que interfere no humor, no desempenho esportivo e até na qualidade do sono. Os elos dessa corrente parecem não acabar nunca. Por isso, o interesse cada vez maior das pessoas pelos tais probióticos, embora muitas não tenham digerido a expressão.

A minha livre tradução é a seguinte: um probiótico entrega um punhado nada modesto de bilhões de bactérias vivinhas da silva diretamente no intestino, com um propósito claro e específico. E, óbvio, então não são quaisquer bactérias, mas tipos definidos, ou cepas, com uma ação benéfica pontual e reconhecida.

O iogurte, o kefir e o kombucha  são exemplos de alimentos que apenas passam por uma fermentação natural, simples assim. Quer dizer que, neles, existem bactérias benéficas —  e espera-se que estejam sem companhias indesejáveis, porque, na produção caseira, sempre pode saltar uma intrusinha do mal na tigela. O fato é que as bactérias naturalmente presentes nesses alimentos não podem sustentar promessas de uma ação no intestino.

Um iogurte, por exemplo, para ser iogurte pra valer precisa ter duas bactérias: a Streptococcus thermophilus e a Lactobacillus bulgaricus. Mas ninguém tem certeza do que aprontam de bom no intestino. Portanto, a dupla não alça um iogurte, só por ser iogurte, à prateleira dos probióticos, aqueles que trazem novos inquilinos ao intestino com alguma intenção.

O produto só se torna probiótico, portanto, quanto a indústria adiciona bilhões de unidades de uma bactéria estudada para, entre outros efeitos, melhorar a imunidade ou resolver a prisão de ventre. A quantidade delas deve ser a mesma em cada pote. E, até o final da validade, precisam estar ali, todas presentes e bem vivas.  "Nunca vale morrer pelo caminho e esse é outro ponto", alerta Karina. "Não adianta engolir um monte de bactérias, se elas são arrasadas no estômago. É necessário provar que chegam intactas no intestino para cumprir o seu papel."

O suco gástrico, aliás, é o maior destruidor de sonhos de a gente ter gôndolas cheias de probióticos para isso e mais aquilo. Muitos produtos não passam por essa etapa dos testes. Sei, sei:  arrisco levar um potinho de iogurte na cara por defender industrializados. Ora, não defendo A, nem B — mas o que faz bem.

O iogurte tradicional, sem uma bacteriazinha a mais, é muito saudável. Quer saber se o kefir feito em casa também é ótimo para a saúde? Provavelmente sim. Só não é probiótico. Karina concorda: "Assim como no kombucha, a quantidade de bactérias não é padronizada, ninguém sabe direito o que tem lá dentro e muito menos se elas chegam inteiras no intestino para fazer algo ali", resume. "Não significa que esses alimentos façam mal. Eles até podem apresentar benefícios, mas eu arriscaria que muito mais pelos fitoquímicos que contêm do que pelas bactérias em si."

Um probiótico legítimo, além de a palavrinha mágica aparecer com todas as letras no rótulo, avisa que bactéria foi adicionada e qual efeito podemos esperar dela. Ler que é um "produto fermentado" ou, ainda, "rico em bactérias" — ntz, ntz, ntz — não quer dizer nada em matéria de assegurar uma ação no intestino.

Por enquanto, o que se sabe é que consumo dos probióticos encontrados no mercado regula as idas ao banheiro e aumenta a prontidão do sistema imunológico. Há indícios de que, presentes no dia a dia, aliviem ainda doenças inflamatórias, estimulem o metabolismo, reduzam os sintomas de intolerância à lactose e melhorem o humor. "Mas, aí, aguardamos mais estudos", pondera Karina. Ela aposta que, não vai demorar tanto, encontraremos alimentos e suplementos para driblar uma diversidade de encrencas. Mas nem tudo o que é fermentado por bactérias chegará perto dessa proeza.

E, se algum dia eu também usei iogurte (e kefir, e kumbucha e coalhada…) como sinônimo de probiótico, perdão: não está mais aqui quem falou.

 

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.