Ossos fracos, zumbido, pedra nos rins, depressão… Já checou a paratireoide?
Já vou logo avisando, a imagem que você encontra acima, embora clássica, pode ser meramente ilustrativa, com os quatro pontos vermelhos, que seriam as glândulas paratireoides, simetricamente distribuídos e quase que colados na tireroide. Não posso garantir que no meu ou no seu pescoço a coisa seja igual.
Até porque 10% das pessoas têm menos do que quatro paratireoides. E outros 10% têm mais do que quatro. Vá que seja o nosso caso…A confusão já começa na quantidade — e vai além. "Em uns 14% dos indivíduos, as paratireoides não estão onde deveriam estar", me contou, durante um café, o cirurgião de cabeça e pescoço Flavio Hojaij, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Ou seja, elas não estão rondando a tireoide como o nome dá a entender — aliás, a semelhança entre as glândulas começa e termina no nome.
Quando, há 20 anos, o professor Hojaij escreveu sua tese sobre a anatomia dessas glândulas delicadas — saudáveis, elas têm no máximo de 4 a 5 milímetros em seu maior eixo —, o médico queria entender essas diferenças de quantidade e de endereço. Na época, dizia-se que existiam cerca de 25 casos de hiperparatireoidismo por 100 mil pessoas no país. É quando uma única dessas glandulazinhas cresce do nada — não, não há causa definida — e passa a derramar na circulação doses exageradas do seu hormônio, o paratormônio. Adianto: o hiperparatireoidismo é encrenca. Mas quem aí se lembra que tem uma, duas, três, quatro ou mais paratireoides?
Hoje, fala-se em 25 casos do problema para cada 1 mil indivíduos. Por que esse salto em duas décadas? Tem gente especulando que fatores como carência de vitamina D podem estar envolvidos nesse aumento de episódios, mas não há maiores evidências científicas dessa relação. O fato é que o diagnóstico ficou mais fácil. Atualmente, exames de mapeamento com a ajuda de radioisótopos acusam se, por exemplo, além das quatro paratireoides no pescoço, existiria uma quinta escondida — vai saber… — no tórax! E, por azar, a glândula no canto insuspeito pode ser justamente aquela que ficou grandalhona, com 1,5 centímetro, por aí. E produzindo hormônio de montão, o paratormônio.Trata-se de um hormônio importantíssimo, porque regula o cálcio no sangue.
O mineral é necessário para um sem-número de reações pelo corpo. Daí que, se por acaso diminuiu na circulação, as paratireoides logo secretam sua substância. No intestino, ela faz dupla com a vitamina D, aumentando a absorção do nutriente, proveniente principalmente dos laticínios. Em última instância, retira o cálcio do esqueleto, que é um grande reservatório desse mineral, para que o sangue não fique sem abastecimento. "Mas, se uma das paratireoides cresce, ela se comporta como um filho gastão, que tira o cálcio da conta dos ossos sem se preocupar com o saldo", compara Hojai. Ele fica negativo, é claro.
Por isso mesmo, a osteoporose que avança a passos largos é um dos principais sintomas do hiperparatireodismo, chatice que acontece em igual proporção em homens e mulheres — mas, cá entre nós, a mulherada é que faz exame de densitometria óssea com frequência e que, portanto, tem maior chance de flagrar esse sintoma.
Na verdade, em excesso na circulação, o cálcio causa um furdúncio muito maior. Os rins tentam, adoidados, varrer o que está a mais do sangue. Como não dá conta, o risco é o mineral formar dolorosas pedras. "Quem já teve dois ou três cálculos deve ficar atento a essa repetição. Pode ser, sim, hiperparatireoidismo", adverte o professor Hojaij.
Os neurônios também se atrapalham. No cérebro, eles têm dificuldade para recaptar serotonina e dopamina, como se o cálcio exacerbado competisse com os neurotransmissores. Resultado: depressão e outras alterações não muito agradáveis de humor.
Movimentos reflexos ficam prejudicados, mas o principal atordoado é o coração com seus batimentos — ora, o cálcio participa deles e podem surgir, então, arritmias. Algumas pessoas ainda apresentam uns tremeliques à toa em pequenos músculos. Também devido à bagunça neuronal, aparece o zumbido enlouquecedor e, em alguns casos, vertigens. No estômago, o cálcio faz aumentar a secreção gástrica, levando a dor de barriga, azia e acidez na certa.
Qualquer um desses sintomas é motivo para alguém desconfiar das paratireoides. O médico, então, deve solicitar a dosagem do paratormônio e do cálcio — no caso deste, o valor de referência para um adulto é de 8,9 a 10,1 miligramas do mineral por decilitro de sangue. Se ambos estiverem elevados, praticamente fecha-se o diagnóstico. Aí vem uma espécie de "onde está Wally"", isto é, uma caçada à glândula graúda.
Segundo Flavio Hojaij, um dos motivos do boom de casos é exatamente esse que já foi mencionado: hoje é viável diagnosticar mais. "Antes, o médico podia procurar a paratireoide aumentada e simplesmente não encontrá-la", recorda-se. Agora, o mapeamento, às vezes aliado ao ultra-som, mostra onde ficam suas paratireoides.
Uma ou mais —às vezes todas! — podem ter escapado para o tórax, por exemplo. É que, no embrião, essas glândulas se formam na mesma região que o timo, que vai parar na altura do peito. Enquanto esse se desloca na fase embrionária até o seu devido lugar, muitas vezes arrasta as paratireoides junto e elas se soltam pelo caminho.
Para quem precisa passar por uma cirurgia de tireoide, abrindo parênteses, esse afastamento é até uma vantagem. É que, infelizmente, 10% dos médicos não especializados em cabeça e pescoço e até 2% dos cirurgiões mais experientes nesse tipo de procedimento acabam machucando ou arrancando fora, sem querer, as pequeninas paratireoides. E dá para imaginar o enrosco que vira a vida dos pacientes lesionados quando ficam sem o hormônio que regula o cálcio no sangue. O quadro triste é chamado de hipoparatireoidismo, se você prefere dar nome aos bois.
Já no hiperparatireoidismo, é fácil tratar: basta o médico extirpar a glândula crescidinha. Geralmente, é uma única unidade que dá problema. As outras, tentando compensar seu exagero, até tendem a ficar suprimidas. Mas, passados uns 40 dias, já passam a funcionar em pleno vapor e a vida volta completamente ao normal. O grande problema é a gente se lembrar que muita coisa, do zumbido à dor de barriga, pode ter a ver com as paratireoides.
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