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Blog da Lúcia Helena

Ossos fracos, zumbido, pedra nos rins, depressão… Já checou a paratireoide?

Lúcia Helena

12/06/2018 04h00

Crédito: iStock

Já vou logo avisando, a imagem que você encontra acima, embora clássica, pode ser meramente ilustrativa, com os quatro pontos vermelhos, que seriam as glândulas paratireoides, simetricamente distribuídos e quase que colados na tireroide. Não posso garantir que no meu ou no seu pescoço a coisa seja igual.

Até porque 10% das pessoas têm menos do que quatro paratireoides. E outros 10% têm mais do que quatro. Vá que seja o nosso caso…A confusão já começa na quantidade — e vai além. "Em uns 14% dos indivíduos, as paratireoides não estão onde deveriam estar", me contou, durante um café, o cirurgião de cabeça e pescoço Flavio Hojaij, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Ou seja, elas não estão rondando a tireoide como o nome dá a entender — aliás, a semelhança entre as glândulas começa e termina no nome.

Quando, há 20 anos, o professor Hojaij escreveu sua tese sobre a anatomia dessas glândulas delicadas — saudáveis, elas têm no máximo de 4 a 5 milímetros em seu maior eixo —,  o médico queria entender essas diferenças de quantidade e de endereço. Na época, dizia-se que existiam cerca de 25 casos de hiperparatireoidismo por 100 mil pessoas no país. É quando uma única dessas glandulazinhas cresce do nada — não, não há causa definida — e passa a derramar na circulação doses exageradas do seu hormônio, o paratormônio. Adianto: o hiperparatireoidismo é encrenca. Mas quem aí se lembra que tem uma, duas, três, quatro ou mais paratireoides?

Hoje, fala-se  em 25 casos do problema para cada 1 mil indivíduos. Por que esse salto em duas décadas? Tem gente especulando que fatores como carência de vitamina D podem estar envolvidos nesse aumento de episódios, mas não há maiores evidências científicas dessa relação. O fato é que o diagnóstico ficou mais fácil. Atualmente, exames de mapeamento com a ajuda de radioisótopos acusam se, por exemplo, além das quatro paratireoides no pescoço, existiria uma quinta escondida — vai saber… — no tórax! E, por azar, a glândula no canto insuspeito pode ser justamente aquela que ficou grandalhona, com 1,5 centímetro, por aí. E produzindo hormônio de montão, o paratormônio.Trata-se de um hormônio importantíssimo, porque regula o cálcio no sangue.

O mineral é necessário para um sem-número de reações pelo corpo. Daí que, se por acaso diminuiu na circulação, as paratireoides logo secretam sua substância. No intestino, ela faz dupla com a vitamina D, aumentando a absorção do nutriente, proveniente principalmente dos laticínios. Em última instância, retira o cálcio do esqueleto, que é um grande reservatório desse mineral, para que o sangue não fique sem abastecimento. "Mas, se uma das paratireoides cresce, ela se comporta como um filho gastão, que tira o cálcio da conta dos ossos sem se preocupar com o saldo", compara Hojai. Ele fica negativo, é claro.

Por isso mesmo, a osteoporose que avança a passos largos é um dos principais sintomas do hiperparatireodismo, chatice que acontece em igual proporção em homens e mulheres — mas, cá entre nós, a mulherada é que faz exame de densitometria óssea com frequência e que, portanto, tem maior chance de flagrar esse sintoma.

Na verdade, em excesso na circulação, o cálcio causa um furdúncio muito maior. Os rins tentam, adoidados, varrer o que está a mais do sangue. Como não dá conta, o risco é o mineral formar dolorosas pedras. "Quem já teve dois ou três cálculos deve ficar atento a essa repetição. Pode ser, sim, hiperparatireoidismo", adverte o professor Hojaij.

Os neurônios também se atrapalham. No cérebro, eles têm dificuldade para recaptar serotonina e dopamina, como se o cálcio exacerbado competisse com os neurotransmissores. Resultado: depressão e outras alterações não muito agradáveis de humor.

Movimentos reflexos ficam prejudicados, mas o principal atordoado é o coração com seus batimentos — ora, o cálcio participa deles e podem surgir, então, arritmias. Algumas pessoas ainda apresentam uns tremeliques à toa em pequenos músculos. Também devido à bagunça neuronal, aparece o zumbido enlouquecedor e, em alguns casos, vertigens. No estômago, o cálcio faz aumentar a secreção gástrica, levando a dor de barriga, azia e acidez na certa.

Qualquer um desses sintomas é motivo para alguém desconfiar das paratireoides. O médico, então, deve solicitar a dosagem do paratormônio e do cálcio — no caso deste, o valor de referência para um adulto é de 8,9 a 10,1 miligramas do mineral por decilitro de sangue. Se ambos estiverem elevados, praticamente fecha-se o diagnóstico. Aí vem uma espécie de "onde está Wally"", isto é, uma caçada à glândula graúda.

Segundo Flavio Hojaij, um dos motivos do boom de casos é exatamente esse que já foi mencionado: hoje é viável diagnosticar mais. "Antes, o médico podia procurar a paratireoide aumentada e simplesmente não encontrá-la", recorda-se. Agora, o  mapeamento, às vezes aliado ao ultra-som, mostra onde ficam suas paratireoides.

Uma ou mais —às vezes todas! — podem ter escapado para o tórax, por exemplo. É que, no embrião, essas glândulas se formam na mesma região que o timo, que vai parar na altura do peito. Enquanto esse se desloca na fase embrionária até o seu devido lugar, muitas vezes arrasta as paratireoides junto e elas se soltam pelo caminho.

Para quem precisa passar por uma cirurgia de tireoide, abrindo parênteses, esse afastamento é até uma vantagem. É que, infelizmente, 10% dos médicos não especializados em cabeça e pescoço e até 2% dos cirurgiões mais experientes nesse tipo de procedimento acabam machucando ou arrancando fora, sem querer, as pequeninas paratireoides. E dá para imaginar o enrosco que vira a vida dos pacientes lesionados quando ficam sem o hormônio que regula o cálcio no sangue. O quadro triste é chamado de hipoparatireoidismo, se você prefere dar nome aos bois.

Já no hiperparatireoidismo, é fácil tratar: basta o médico extirpar a glândula crescidinha. Geralmente, é uma única unidade que dá problema. As outras, tentando compensar seu exagero, até tendem a ficar suprimidas. Mas, passados uns 40 dias, já passam a funcionar em pleno vapor e a vida volta completamente ao normal. O grande problema é a gente se lembrar que muita coisa, do zumbido à dor de barriga,  pode ter a ver com as paratireoides.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.