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Blog da Lúcia Helena

É nas folhas, mais do que na flor, que estão os tesouros da capuchinha

Lúcia Helena

19/06/2018 04h00

Crédito: iStock

Ah, se eu pudesse, trocaria a alface da minha salada por folhas de capuchinha. Ou talvez substituiria o agrião, já que o seu sabor também é picante. Mas, pena, a gente não encontra a Tropaeolum majus L — este é o nome científico e oficialíssimo da espécie — em qualquer feira da esquina. Porque eu já estou convencida de que seria uma excelente pedida, depois de assistir uma aula da nutricionista Michelle Barone no Congresso do Ganepão, na semana passada em São Paulo.

Especialista em nutrição enteral e parental e, ainda, em fitoterapia, Michelle focou nas propriedades da planta originária da região do Peru e da Bolívia e que hoje floresce entre a primavera e o verão em todas as áreas de clima temperado da América do Sul. Você provavelmente já a viu ornamentando canteiros e até no prato, em um de seus três tons — vermelho, laranja ou amarelo vivo. Ora, quando surgiu a onda das flores comestíveis, a capuchinha foi uma das primeiras a aparecer nas gôndolas de supermercados metidos a gourmet. Mas é injustiça considerá-la mero enfeite na receita  — e, tomara, pelos estudos, não seja mera onda.

Cada pétala e cada folha oferecem pitadas de carboidratos, lipídeos e proteínas. Até aí, são pitadinhas mesmo e qualquer coisa que eu declare sobre a presença desses nutrientes seria temperada pelo exagero. Chama bem mais a atenção a quantidade considerável de micronutrientes. Vamos lá: um bocado de vitamina C, fósforo, potássio, magnésio, cobre e zinco, principalmente. Isso sem contar carotenoides, que se convertem em vitamina A no organismo, e um tantão de substâncias bioativas, que têm papel antioxidante. Eu me refiro a terpenoides, flavonoides e outros "oides", se quer engolir, junto com sua porção de capuchinha, uns nominhos difíceis.

O que lamento é que, quando a capuchinha vem à mesa, o que já é raro, em geral nós mastigamos suas pétalas, que estavam ali colorindo a preparação. Mas quem aí já provou as folhas da capuchinha? Pois as folhas é que guardam as maiores riquezas, até mesmo do ponto de vista nutricional. Para ter ideia, em 100 gramas delas, você supriria com folga 100 por cento de sua necessidade diária de zinco, mineral que dá uma força extraordinária ao sistema imunológico. Ok, a própria Michelle concorda que, na prática, seria difícil chegar lá: em um prato cheio salada você teria apenas uns 20 gramas de folhas de capuchinha, porque são leves feito plumas. Mas já seriam 20% do zinco nosso de todo dia, isso não seria bom?

No entanto, o que vale nota — aliás, vale este post — são os óleos essenciais e aí vale destacar os tais glicosinalatos (mais um nominho daqueles para quem tem apetite por palavras complicadas como só a ciência sabe servir!). In vitro, isto é, nos vidrinhos de laboratório, os tais glicosinalatos formam uma série de outras substâncias capazes de atacar sem dó nem piedade vírus, bactérias e protozoários. E, como esses compostos são eliminados pela respiração e pela urina, é possível —hipótese de Michelle Barone deixou no ar durante sua aula —que eliminem esses micróbios pelo trajeto de saída, diminuindo o risco de infecções nas vias aéreas e no trato urinário.

De novo em vidrinhos e em algumas experiências com camundongos, os mesmos glicosinalatos revelaram que podem, de quebra, levar células malignas a uma espécie de suicídio, que os médicos chamam de apoptose. Isso já foi observado em células de câncer de ovário, pulmão e cólon.

Acho  justo questionar: o que acontece em tubos de ensaio e em bicho de laboratório nem sempre se repete com a gente no dia a dia. Alías, um questionamento que você sempre deve fazer, caro leitor. Michelle reconhece: "Sim, precisamos de mais estudos". Mas aponta trabalhos provando que os glicosinalatos da capuchinha são muito bem absorvidos pelo organismo humano. 

Uma vez que as folhas ou os fitoterápicos à base delas são ingeridos, os seus famosos compostos são encontrados tanto no plasma sanguíneo quanto na urina. Já é uma ótima notícia, porque, em casos assim, outro complicador é o conceito de biodisponibilidade: não adianta dizer que um alimento é rico nisso ou naquilo, se o que está ali não cai pra valer na correnteza do sangue durante a digestão. Então, tudo não passaria de promessa vã.

Ainda em animais — ao menos, por enquanto —, a capuchinha está sendo muito investigada em uma série de doenças. Os resultados mais espantosos se revelam na hipertensão. Além de diurética, o que já ajuda a diminuir o sufoco das artérias reduzindo o volume do sangue, as folhinhas (sim, as folhas!) favorecem a liberação de óxido nítrico, substância que relaxa os vasos, ao mesmo tempo em que ajudam a inibir, no corpo, a síntese de uma molécula que, como o nome indica, faz o inverso: a angiotensina.

Nas experiências para avaliar seu efeito na hipertensão, a capuchinha é aplicada na forma de extratos, pós e até de infusão. Aliás, com a devida indicação, a infusão feita com um punhado das folhas poderia ser bebericada três vezes ao dia, sendo contra-recomendada para grávidas, crianças, pessoas com problemas renais e hipoteireoidismo. Mas não vale tanto a pena preparar a bebida em casa: "A planta, processada de qualquer forma — em chás ou tinturas, por exemplo —, tem menos propriedades que as folhas cruas", explica Michelle Barone.

Portanto, se espera qualquer vantagem, vá mesmo de salada. Só que, pelo jeito, para degustá-la, será mais fácil plantar uma capuchinha em casa. Ou pedir, delicadamente, para podar a do vizinho.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.