Por que a ora-pro-nóbis é um dos alimentos mais ricos da nossa cozinha

Crédito: Istock
Compartilho com a nutricionista Claudia Alves duas frustrações. Como ela, há tempos procuro trabalhos científicos sobre os benefícios da Pereskia aculeata Miller para a saúde. Mas a popular ora-pro-nóbis, tão querida na cozinha dos mineiros — sorte a deles! —, tem sido foco de muita pesquisa sobre clima, solo, agricultura… Difícil achar dados cientificamente corretos sobre seu papel na nutrição — missão dada à Claudia, no último congresso do Ganepão, que aconteceu há menos de um mês. Professora da Universidade Federal de São Paulo, onde coordena o Laboratório de Nutrição Clínica e Experimental, ela reuniu todo o conhecimento disponível sobre a planta e o ofereceu a uma plateia atenta.
A outra frustração da nutricionista é não achar a ora-pro-nóbis com facilidade na região onde mora, Santos, no litoral paulista. Apesar de bastante consumida em Minas Gerais, a espécie faz parte do grupo das PANCs, as plantas comestíveis não-convencionais, e é difícil vê-la em centros de distribuição, como um Ceasa, pelo resto do Brasil. Eu também sinto a mesma coisa: queria comprar ora-pro-nóbis na esquina, mas não a encontro. Se bem que, nas ruas paulistanas por onde passo, é bem capaz de eu cruzar com a planta em algum canteiro, sem ligar as folhas à espécie, usada desde sempre para enfeitar canteiros e jardins.
Aliás, o nome em latim, que significa "rogai por nós", vem daí: reza a lenda que escravos e pessoas pobres aproveitavam o horário das missas, quando muita gente estava concentrada nas orações, para surrupiar a ora-pro-nóbis nos arredores das igrejas e colocá-la no prato para matar a fome. A escolha era mais do que sábia.
Ora, cerca de 25% da composição da ora-pro-nóbis é proteína da melhor qualidade. Vamos lá: em 100 gramas, são de 14 a 30 gramas desse nutriente, sendo boa parte aminoácidos essenciais, como a arginina, a leucina e o triptofano. Ou seja, opção mais do que apropriada para suprir as necessidades proteicas de vegetarianos e ainda dar uma força aos músculos da turma que malha.
Talvez você estranhe a variação na quantidade de proteínas, que parece tão grande — de 14 a 30 gramas, repetindo. Bem, a composição nutricional de toda planta se altera conforme solo, clima, condições de cultivo… Mas digamos que a ora-pro-nóbis é extremamente sensível nesse sentido. Segundo Claudia Alves, alguns trabalhos mostram que, se ela cresce na sombra e água fresca, aumentam os seus teores de proteína. Já se nasce em terrenos ensolarados, a radiação solar provoca uma elevação de micronutrientes antioxidantes. De qualquer maneira, faça chuva ou faça sol, na sombra ou na meia-sombra, sua riqueza nutricional é de cair o queixo.
Nos tais 100 gramas das folhas, você encontra até 39 gramas de fibras, quando a recomendação diária vai de 20 a 30 gramas. Ou seja, dá para superar a necessidade de todo dia fácil, fácil. "E 5% dessas fibras são solúveis, aquelas que ajudam a arrastar o colesterol para fora do organismo", diz a professora Claudia ao blog. O restante ajuda no trânsito intestinal e traz muita saciedade.
Nessa mesma quantidade de ora-pro-nóbis, são também mais de 500 miligramas de cálcio, enquanto na porção de leite desnatado equivalente a esses 100 gramas são apenas 123 miligramas. Em matéria de ferro, outro espetáculo. Fala-se tanto em fontes como o fígado de boi, mas um bife pesando os 100 gramas contém 5,8 miligramas do mineral que evita a anemia. E a ora-pro-nóbis? Incríveis 14,2 miligramas ferro. Ela também supera as expectativas, com seus 26,7 miligramas em 100 gramas, na oferta de zinco — o mesmo peso de patinho , uma carne magra, tem só 8,1 miligramas desse nutriente que ajuda o sistema imunológico a ficar de prontidão.
Há ainda uma fartura de magnésio, potássio, cobre, fósforo, manganês, vitamina A, betacaroteno e vitamina C — aliás, vitamina C equivalente a umas quatro laranjas maduras. É uma quantidade espantosa de nutrientes em uma hortaliça só. A maior concentração está mesmo nas folhas. Mas não desperdice os talos, porque há um bocado de vantagens nutricionais neles também. Aliás, nem deixe de comer as flores, se conseguir encontrá-las, já que só brotam entre janeiro e abril.
Enfim, se tiver a sorte de achar ora-pro-nóbis por aí, você pode refogá-la purinha e bem temperada ou junto com outros ingredientes — de carnes a verduras. Noutro dia, experimentei ora-pro-nóbis no molho de uma polenta, algo que pode ser bem diferente da culinária mineira. E trocando figurinhas — para não dizer ideias culinárias —com a professora, descobri que as folhas caem muito bem em um pesto, no lugar do tradicional manjericão. Só em saladas é que pode ficar mais difícil de engolir, porque as folhinhas, extremamente macias depois de cozidas, são rígidas demais quando cruas.
Hoje, vale lembrar, é possível encontrar a opção da ora-pro-nóbis desidratada e em pó. Aí vale salpicar no molho da salada ou até mesmo em sopas e outros pratos, só para enriquecê-los. O sabor é bem sutil, neutro. E, claro, para quem treina o pozinho cai feito luva em shakes, elevando os teores da bendita proteína na dieta.
Pergunto à Claudia Alves por que, na visão dela, a ora-pro-nóbis é menos estudada do que outras tantas verduras e frutas. Na sua opinião, o motivo é simples: pesquisas custam muito caro e a maioria depende do financiamento de grandes grupos que ainda não enxergaram o potencial da ora-pro-nóbis. Ao meu ver, é o problema de muitas espécies nativas brasileiras. Mais fácil a gente encontrar trabalho sobre benefícios das cranberries e de outras berries do que sobre a nossa jabuticaba, por exemplo. Fazer o quê! Se Deus é mesmo brasileiro, rogai por nós e pelo nosso prato, oremos.
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