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Blog da Lúcia Helena

Glicidol, o cancerígeno que se forma nos óleos vegetais que mais consumimos

Lúcia Helena

16/08/2018 04h00

Crédito: iStock

Nuggets e batatas fritas que "sorriem" no seu prato, sorvete de massa, bolachas recheadas, pães e bolos processados, sem contar — para meu espanto— fórmulas infantis. Estes são itens em que é possível encontrar um bocado de uma substância capaz de arrepiar os cabelinhos das sobrancelhas de cientistas do mundo inteiro. O nome da dita-cuja é glicidol. E, se ela está nesses produtos industrializados, é simplesmente porque eles contêm porções caprichadas de gordura vegetal entre seus ingredientes. Aliás, por isso mesmo, nem a sua cozinha escapa, por mais caseira que seja a sua comida: é provável que o glicidol esteja presente naquela garrafa ou lata de óleo.

A engenheira de alimentos Adriana Pavesi Arisseto Bragotto investiga, desde 2010, alguns compostos formados no processamento de alimentos em seu laboratório na Universidade Estadual de Campinas. E, segundo ela, já faz um bom tempo o glicidol é um dos mais estudados ali, até pelo bla-bla-blá que está causando lá fora: "Ele é acusado de provocar câncer", explicou durante o X Atualidades em Food Safety, promovido na semana passada pelo Ilsi- Brasil. Ora, é uma acusação e tanto.

Nem fãs da comida trash, nem naturebas convictos ficarão felizes com o ranking do glicidol. Em primeiro lugar, campeão absoluto na substância, está o óleo de palma, o dendê refinado, usado no lugar da gordura trans na linha de produção de muitos alimentos. Pois é, em matéria de risco à saúde, parece que trocamos alhos por bugalhos, infarto por tumor. Quando a trans foi banida, não havia dúvida que precisava sair do nosso prato pelo seu potencial de causar problemas no coração. Mas seu substituto na indústria é, nas palavras de Adriana Pavesi Bragotto, "um óleo bastante preocupante pela sua concentração elevada de glicidol".

Em segundo lugar, não muito distante em matéria de ameaça, está o óleo de coco, que alguns proclamam ser muito mais saudável. Bem, depende. Foi refinado? Se foi refinado, está cheio de glicidol.

E, no terceiro lugar, eis que aparece o azeite de oliva comum. Cai, assim, um mito da vida saudável.  Na sequência, entendi que é porque esse óleo, diferentemente do tipo extravirgem, foi refinado. Aprenda: todo óleo que escapou do refino quase não tem glicidol, então, no que diz respeito a essa substância, um legítimo extravirgem pode ser consumido sem medo.

Durante o refino, o glicidol aparece principalmente na etapa que os cientistas conhecem por desodorização, encarregada de acabar com moléculas que dão cheiro e gosto ao produto original. Se reparar bem, todo óleo vegetal causa a mesmíssima impressão ao paladar, um gosto de nada-com-coisa-alguma, ou seja, um gosto de óleo e… só. Se não fosse a tal desodorização, aliás, muito biscoito por aí teria sabor de moqueca baiana, pelo tanto de óleo de palma que leva.

Só que, nessa fase específica do processamento, o óleo vegetal enfrenta até 270 graus Celsius. E é nessa hora que o glicidol aparece. Ele precisa de altíssimas temperaturas para surgir. Por isso, na Europa, por exemplo, que está fazendo de tudo para diminuir a formação do glicidol, as indústrias de óleo tentam minimizar o problema usando temperaturas um pouco mais baixas do que os tais 270 graus. Qualquer diminuição nesse calor já ajuda, pois quanto maior a temperatura, proporcionalmente mais glicidol você encontra no produto final.

Nem todo óleo refinado, porém, é igual. Segundo a professora Adriana Bragotto, aqueles obtidos a partir de frutos — palma, coco, oliva, entre outros — tendem a gerar muito mais glicidol do que os óleos de  grãos e sementes, como o de soja, o de girassol e o de milho. Fica então a primeira dica: se não for comprar um extravirgem, prefira então óleos de sementes ou de grãos.

Adriana e seus colegas chegaram a analisar uma série de produtos encontrados nos supermercados brasileiros. E, para surpresa geral, encontraram uma quantidade razoável do glicidol até mesmo em amostras de azeite de oliva extravirgem. Como eu, você deve estranhar: "Com certeza, foram óleos adulterados", diz a cientista. Ou seja, óleos extravirgens "batizados" com o azeite comum, em uma enganação ao consumidor, para baratear o preço. Portanto, a segunda dica é só comprar marcas de confiança no mercado. Em tempo: na investigação da Unicamp, os óleos de girassol, amendoim e milho foram os que apresentaram menor concentração do composto cancerígeno. São boas escolhas.

Os cientistas também checaram se havia glicidol em alimentos vendidos tanto em mercados quanto em redes de fast-food. Quem procura acha: ele estava em quantidades relativamente altas nos temperos prontos à base de cebola e alho, nos snacks salgados, no macarrão instantâneo, sem contar naqueles alimentos que mencionei no início do texto.

Os pesquisadores da Unicamp liderados pela professora Adriana fizeram mais: botaram uma frigideira em ação em pleno laboratório. Ali, fritaram de tudo — banana, batata, mandioca, polenta, até hambúrguer e bolinho de arroz. Melhor, fritaram duas vezes, uma com óleo cheio de glicidol e outra com óleo sem essa contaminação."Queríamos saber se o glicidol que encontramos nesses itens viria apenas do óleo absorvido ou se a fritura ajudaria a formar mais desses compostos conforme o alimento" A resposta é que o glicidol vem mesmo apenas da absorção do óleo carregado da substância. Portanto, já viu: maneire no uso do óleo de cozinha sempre  e, principalmente, evite frituras, porque a comida frita fatalmente fica impregnada de gordura (e… glicidol). 

Vale lembrar: o glicidol está em quantidades altas em muitos alimentos bastante consumidos. E uma coisa a ciência já tem como certa: seus efeitos são mais sentidos na infância, podendo alterar a expressão dos genes e garantir um câncer lá no futuro. Portanto, os pequenos,  talvez os  maiores fãs de biscoitos recheados e batatas-fritas, são quem mais precisa manter certa distância desses alimentos.

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Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.