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Blog da Lúcia Helena

Câncer: não é só o fumante que precisa ficar de olho nos pulmões

Lúcia Helena

30/08/2018 04h00

Crédito: iStock

O mês dá seus últimos suspiros e, com ele, finda a campanha Respire Agosto, criada pelo Instituto Lado a Lado pela Vida. Mas, se o que dizem por aí é que basta estar vivo para ter câncer, serei um pouco mais precisa: basta respirar para correr algum risco de ter um tumor nos pulmões. Esse é motivo de sobra para prestar atenção neles ao longo dos doze meses do ano. E, se já está bufando e achando que o assunto não tem nada a ver com você só porque, como eu, nunca fumou ou só deu umas tragadinhas bestas  nas festas da adolescência, saiba que de 10 a 20% dos pacientes, conforme a região do planeta, nunca colocaram um único cigarro na boca. Portanto, respire fundo. Isso tem a ver com você, sim. Com todos nós.

Os sintomas são vários e, nossa, como confundem! É aquela tossinha chata que não passa para uns. Uma rouquidão até charmosa para outros. Aí vem o pensamento: seria o clima seco, o ar-condicionado, o tempo que vive mudando? Há quem perceba, do nada, o fôlego indo para o brejo, que em um primeiro momento atribui à ausência na academia. Ou, então, surge uma dor miúda e desagradável nas costas ao respirar. Quem sabe, um emagrecimento repentino, que mascara o quadro por um período porque pode significar muitas coisas.

Os primeiros gritos de socorro de um pulmão acometido pelo câncer costumam passar batido e, em geral, só quando a tosse vem acompanhada de sangue — encrenca que não dá para colocar sob o tapete — é que a pessoa procura um médico. Pena. Hoje, somente uns 15% dos casos são flagrados na fase inicial, quando o mal pode ser extirpado — e curado — com o bisturi. Na outra ponta, de 60 a 70% dos pacientes descobrem a doença já no estágio avançado. Lamentável.

O tamanho da massa estranha encontrada no pulmão, se maior ou menor, não é tanto o que determina o quanto um tumor avançou. Aliás, nem sequer é o número de tumores encontrados no órgão, dependendo da localização. Determinante pra valer é se alguma célula maligna já invadiu um dos gânglios no mediastino, a cavidade torácica entre os dois pulmões, aquele espaço que abriga o coração. Faz diferença até o lado dos gânglios afetados. Um tumor no pulmão esquerdo que atingiu  gânglios do mesmo lado é uma coisa. Agora, se há células malignas nos gânglios no lado direito, é outro papo: dá para deduzir que esse câncer foi, literalmente, longe demais.

Conforme o estágio, as armas são diversas. Geralmente, quando o caso não é mais operável, os médicos combinam químio, rádio e, muitas vezes para arrematar, imunoterapia. Há, ainda, para fechar o arsenal com chave de ouro, novíssimas drogas que vão direto ao ponto capaz de desencadear tudo —  nas mutações que fazem uma célula se tornar cancerosa. Claro, continua valendo a máxima: as chances de sucesso aumentam quanto mais cedo é dado o flagra. Aí é que está…

O que colabora para o atraso no diagnóstico é o estigma, concluí depois de conversar com o oncologista Fernando Santini, do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, e membro do comitê científico do Instituto Lado a Lado. "Estamos falando de uma doença que muita gente associa ao excesso de álcool, de cigarro, a uma certa boemia", me disse ele. E, cá entre nós, à morte na certa. Mas nada disso é necessariamente verdade.

Apesar de ser o câncer que mais mata tanto homens quanto mulheres, não faz tanto tempo só 4% dos pacientes com um tumor de pulmão avançado sobreviviam mais de cinco anos. Hoje, chega a 20% dos casos, ou seja, cinco vezes mais.

O que muda a cara do câncer de pulmão é, antes de mais nada, a compreensão do mesmo. Porque estamos falando de várias doenças que, de perto, bem de perto, podem ser muito diferentes entre si, embora atendam pelo mesmíssimo nome e os sintomas sejam semelhantes. Os médicos até as classificam em grandes grupos. Há, por exemplo, os tumores de pequenas células que, segundo Fernando Santini, são típicos do grande tabagista. Elas são agressivos à beça, mas capazes de responder muito bem à quimioterapia.

Quanto aos outros, que não são de pequenas células, você vai ouvir falar de adenocarcinomas, tumores escamosos, tumores de grandes células. Eles se dividem, portanto, em três grandes grupos. Mas o que é importante ficar na cabeça e o que torna o câncer de pulmão tão terrível quanto fascinante para os cientistas: um tumor desses quase nunca é igualzinho, todo homogêneo. Parte dele pode ter determinadas características e mutações e outra parte, não. Por isso, não é qualquer pedacinho isolado de amostra que serve para uma boa biópsia. Biópsia que, diga-se, nas mãos de patologistas habilidosos, indica exatamente o que está acontecendo naquelas células, as mutações que sofreram e o tratamento preciso para atingir as várias faces do monstro. Vale eu fazer parênteses: é primordial e um direito de todo paciente perguntar ao seu médico que tipo exato de tumor de pulmão ele tem e entender como será o contra-ataque.

Às vezes, quando esse câncer se espalha, para desafiar a Medicina os tumores se tornam diferentes entre si também. Assim como uma mãe tem filhos que podem se parecer só um pouco com ela — havendo traços diferentes entre irmãos, inclusive — , o tumor que deu origem a tudo, aquele que os médicos chamam de primário, é capaz produzir clones que vão, eles próprios, adquirindo novas mutações, só deles, com o tempo. E, desse modo, o tratamento que funciona com precisão para uns é driblado por outros. Daí ser comum a necessidade de se fazer novas biópsias para entender por completo um cenário tão diversificado e combinar estratégias de combate.

A principal causa de toda essa encrenca, bom deixar claro, ainda é o tabagismo.  Ninguém está negando isso. "Se todos largassem o cigarro, isso mudaria a história natural da doença", diz Santini, que faz questão de frisar que o cigarro eletrônico também aumenta a ameaça. Não à toa, na Europa e nos Estados Unidos, já se recomenda uma tomografia de baixa dose de radiação no check-up médico de todas as pessoas acima de 50 anos que fumam ou que, no passado, fumaram mais do que 30 maços. Esse, aliás, é o exame certo para detectar a doença cedo.

A consulta médica  para avaliar a saúde pulmonar deveria ser feita por pessoas, fumantes ou não, com parentes que já tiveram câncer de pulmão — e aí, bom lembrar, não estamos falando só de pai, mãe, irmãos. Amplie o seu conceito de família, leve em conta os tios e os avós. Outro fator importantíssimo é o gás radônio, que não tem cheiro e é inalado por quem vive em áreas de mineração.

Vale pensar, porém, que  quase ninguém está totalmente fora de risco na sociedade atual. Para começo de conversa, muita gente traga a fumaça alheia — sim,  fumantes passivos vivem esse perigo. E há a poluição dos grandes centros urbanos, jogando sujo em toda essa história. Estudos indicam que duas horas em que você fica parado no trânsito equivaleriam a acender dois cigarros, daí que… Daí que, fumando ou não, fique de olho nos sinais, peça ao médico para checar os seus pulmões de tempos em tempos— infelizmente, isso só é feito quando estamos com alguma infecção, não é mesmo? Lembre-se que respirar é preciso em agosto, setembro, outubro…

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.