Hipertensão também é coisa de criança. E como anda a pressão do seu filho?
No corpo de seis em cada 100 crianças e adolescentes brasileiros, o sangue força a passagem nas artérias, castigando dia após dia as paredes dos vasos com tamanha pressão. Os rins, que com uma irrigação delicada são encarregados de filtrar toda a circulação sanguínea, começam cedo a pagar penitência e correm o risco de comprometimentos. Nem o cérebro escapa. E é certo: um garotinho ou uma garotinha com hipertensão já cresce com tudo para enfrentar problemas cardíacos adiante. Piripaques perigosos que, diga-se, tendem a aparecer até mais precocemente em sua vida adulta. Não checar a pressão arterial da garotada é deixar o seu coração ao deus-dará.
Não pense que fica estampado no rostinho sorridente: "sou hipertenso". Nada disso. Como nos adultos, esse é um mal silencioso, que durante muito tempo, na infância, foi secundário. Isto é, era consequência de outras doenças — endócrinas, pulmonares, cardíacas… Hoje não. Embora tenha um fator hereditário — daí que filhos de pais hipertensos merecem maior atenção ainda —, a pressão das crianças sobe cada vez com mais frequência por causa de um estilo de vida cheio de sal, açúcar, gordura e… sofá.
O correto seria o pediatra sempre medir a pressão de todo pequeno acima dos 3 anos de idade que passar em seu consultório— uma aferição que deve ser repetida, no mínimo, anualmente. Mas sabemos que isso nem sempre acontece. Aliás, fique de olho durante a consulta, porque esse é um exame primordial, ok?
No entanto, existem entraves. Um deles é o aparelho para medir a pressão da meninada, que precisa ser especial. Quer dizer, não exatamente o aparelho, mas o manguito, aquela braçadeira ligada ao que lembra um mostrador de relógio. Para ter um resultado confiável, o pediatra precisaria ter pelo menos dois tamanhos do tal manguito para contornar braços miúdos e bem mais finos do que os de gente grande. Ou, se esse acessório ficar frouxo, dará a impressão de que a pressão está baixa ou normal, o que pode não ser verdade. Já se ficar muito apertado — o que às vezes acontece com crianças muito obesas —, o resultado será uma pressão bem alta e isso, de novo, pode não ser tão verdade. Portanto, aparelho para medir a pressão de adulto não tem serventia em uma consulta pediátrica.
Outra dificuldade é a interpretação. Esqueça o clássico "12 por 8", por alguns motivos. Primeiro: "Há uma curva para apontar a pressão normal conforme a idade, a altura, se é menino ou menina, se é branco, mestiço ou negro", explica o cardiologista mineiro Marcus Vinícius Bolívar Malachias, diretor clínico do Instituto de Hipertensão Arterial, em Belo Horizonte, e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), que acaba de realizar o seu congresso no último final de semana, durante o qual batemos um papo
Imagine, então, o tamanho dessa tabela de resultados com tantas variáveis! Malachias conta que, justamente por isso, a SBC apoiou o lançamento de um app, o PA Kids, que pode ser baixado por qualquer um — algo capaz de valer muito a pena para os pais de pequenos hipertensos. Com ele, inserindo os dados da criança, é possível saber qual seria o valor da normalidade para ela, expressado sempre em três dígitos, como, aliás, é a medida da pressão no resto do mundo. Em outras bandas da Terra, o tal "12 por 8" poderia ser 118 por 83, por exemplo — e é só um exemplo mesmo, porque essa pressão "normal"" de um adulto seria pra lá de alta na infância. O fato é que, ainda mais em uma criança, a menor diferença no último dos três digitos pode já ser o suficiente para ela sair da normalidade e ser apontada como hipertensa, conforme me explicou o doutor Marcus Malachias.
Tem mais. Para se confirmar a hipertensão, a medida deve ser tirada no mínimo três vezes, em dias e situações diferentes, depois de o menino relaxar por uns cinco minutinhos, o que é quase missão impossível, infelizmente, diante da figura vestindo um jaleco branco, com a cabeça dominada pelo medo de tomar uma injeção e tudo mais.
Na opinião de Malachias, ter um aparelho eletrônico em casa ajuda a complementar a informação obtida no consultório médico. O dispositivo também será útil para acompanhar a pressão do pequeno, caso se confirme que ela realmente tende a viver nos píncaros. Claro, é preciso tomar cuidado para comprar um modelo que tenha um manguito apropriado. Aliás, não adianta adquirir aqueles que medem a pressão no pulso, porque eles nunca são precisos para a criançada.
O pediatra tem todas as condições para iniciar o tratamento — ou os pais podem procurar um cardiologista também. Antes de apelar para qualquer medicação, as tentativas são de ajustar o estilo de vida. Para quem está obeso, perder peso é fundamental. Uma criança obesa tem oito vezes mais chances de desenvolver a hipertensão, segundo dados da SBC.
Reduzir as porções de sódio na casa — equivalente a 5 gramas de sal por dia no máximo e olhe lá — é outro ponto. Caprichar no sono, mais um. E — imprescindível — investir em atividade física. Ela combate a obesidade, quando é o caso, e sempre melhora os mecanismos de controle da pressão arterial do organismo.
Apenas quando nada disso dá certo é que os médicos cogitam medicar e, aí em especial, o olhar de um especialista em coração é muito bem-vindo. Porque, segundo Malachias, assim como é difícil saber o valor de pressão arterial ideal para cada criança sem olhar para uma tabela complexa ou consultar um app, é complicadíssimo acertar na dose de qualquer remédio sem ter bastante experiência com hipertensão infantil.
A boa noticia é que os ajustes no estilo de vida resolvem boa parte dos casos e, em geral, acabam fazendo bem para a família inteira. Ora, se a criança ficou hipertensa, é muito provável que tenha imitado alguns maus hábitos de casa, faz sentido? Melhor a gente se tornar depressa o tal do bom exemplo para tirar esse coraçãozinho do sufoco.
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