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Blog da Lúcia Helena

Hipertensão também é coisa de criança. E como anda a pressão do seu filho?

Lúcia Helena

18/09/2018 04h00

Crédito: iStock

No corpo de seis em cada 100 crianças e adolescentes brasileiros, o sangue força a passagem nas artérias, castigando dia após dia as paredes dos vasos com tamanha pressão. Os rins, que com uma irrigação delicada são encarregados de filtrar toda a circulação sanguínea, começam cedo a pagar penitência e correm o risco de comprometimentos. Nem o cérebro escapa. E é certo: um garotinho ou uma garotinha com hipertensão já cresce com tudo para enfrentar problemas cardíacos adiante. Piripaques perigosos que, diga-se, tendem a aparecer até mais precocemente em sua vida adulta. Não checar a pressão arterial da garotada é deixar o seu coração ao deus-dará.

Não pense que fica estampado no rostinho sorridente: "sou hipertenso". Nada disso. Como nos adultos, esse é um mal silencioso, que durante muito tempo, na infância, foi secundário. Isto é, era consequência de outras doenças — endócrinas, pulmonares, cardíacas… Hoje não. Embora tenha um fator hereditário — daí que filhos de pais hipertensos merecem maior atenção ainda —,  a pressão das crianças sobe cada vez com mais frequência por causa de um estilo de vida cheio de sal, açúcar, gordura e… sofá.

O correto seria o pediatra sempre medir a pressão de todo pequeno acima dos 3 anos de idade que passar em seu consultório— uma aferição que deve ser repetida, no mínimo, anualmente. Mas sabemos que isso nem sempre acontece. Aliás, fique de olho durante a consulta, porque esse é um exame primordial, ok?

No entanto, existem entraves. Um deles é o aparelho para medir a pressão da meninada, que precisa ser especial. Quer dizer, não exatamente o aparelho, mas o manguito, aquela braçadeira ligada ao que lembra um mostrador de relógio. Para ter um resultado confiável, o pediatra precisaria ter pelo menos dois tamanhos do tal manguito para contornar braços miúdos e bem mais finos do que os de gente grande. Ou, se esse acessório ficar frouxo, dará a impressão de que a pressão está baixa ou normal, o que pode não ser verdade. Já se ficar muito apertado — o que às vezes acontece com crianças muito  obesas —, o resultado será uma pressão bem alta e isso, de novo, pode não ser tão verdade. Portanto, aparelho para medir a pressão de adulto não tem serventia em uma consulta pediátrica.

Outra dificuldade é a interpretação. Esqueça o clássico "12 por 8", por alguns motivos. Primeiro: "Há uma curva para apontar a pressão normal conforme a idade, a altura, se é menino ou menina, se é branco, mestiço ou negro", explica o cardiologista mineiro Marcus Vinícius Bolívar Malachias, diretor clínico do Instituto de Hipertensão Arterial, em Belo Horizonte, e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia  (SBC), que acaba de realizar o seu congresso no último final de semana, durante o qual batemos um papo

Imagine, então, o tamanho dessa tabela de resultados com tantas variáveis! Malachias conta que, justamente por isso, a SBC apoiou o lançamento de um app, o PA Kids, que pode ser baixado por qualquer um — algo capaz de valer muito a pena para os pais de pequenos hipertensos. Com ele, inserindo os dados da criança, é possível saber qual seria o valor da normalidade para ela, expressado sempre em três dígitos, como, aliás, é a medida da pressão no resto do mundo. Em outras bandas da Terra, o tal "12 por 8" poderia ser 118 por 83, por exemplo — e é só um exemplo mesmo, porque essa pressão "normal"" de um adulto seria pra lá de alta na infância. O fato é que, ainda mais em uma criança, a menor diferença no último dos três digitos pode já ser o suficiente para ela sair da normalidade e ser apontada como hipertensa, conforme me explicou o doutor Marcus Malachias.

Tem mais. Para se confirmar a hipertensão, a medida deve ser tirada no mínimo três vezes, em dias e situações diferentes, depois de o menino relaxar por uns cinco minutinhos, o que é quase missão impossível, infelizmente, diante da figura vestindo um jaleco branco, com a cabeça dominada pelo medo de tomar uma injeção e tudo mais.

Na opinião de Malachias, ter um aparelho eletrônico em casa ajuda a complementar a informação obtida no consultório médico. O dispositivo também será útil para acompanhar a pressão do pequeno, caso se confirme que ela realmente tende a viver nos píncaros. Claro, é preciso tomar cuidado para comprar um modelo que tenha um manguito apropriado. Aliás, não adianta adquirir aqueles que medem a pressão no pulso, porque eles nunca são precisos para a criançada.

O pediatra tem todas as condições para iniciar o tratamento — ou os pais podem procurar um cardiologista também. Antes de apelar para qualquer medicação, as tentativas são de ajustar o estilo de vida. Para quem está obeso, perder peso é fundamental. Uma criança obesa tem oito vezes mais chances de desenvolver a hipertensão, segundo dados da SBC.

Reduzir as porções de sódio na casa — equivalente a 5 gramas de sal por dia no máximo e olhe lá — é outro ponto.  Caprichar no sono, mais um. E — imprescindível — investir em atividade física. Ela combate a obesidade, quando é o caso, e sempre melhora os mecanismos de controle da pressão arterial do organismo.

Apenas quando nada disso dá certo é que os médicos cogitam medicar e, aí em especial, o olhar de um especialista em coração é muito bem-vindo. Porque, segundo Malachias, assim como é difícil saber o valor de pressão arterial ideal para cada criança sem olhar para uma tabela complexa ou consultar um app, é complicadíssimo acertar na dose de qualquer remédio sem ter bastante experiência com hipertensão infantil.

A boa noticia é que os ajustes no estilo de vida resolvem boa parte dos casos e, em geral, acabam fazendo bem para a família inteira. Ora, se a criança ficou hipertensa, é muito provável que tenha imitado alguns maus hábitos de casa, faz sentido? Melhor a gente se tornar depressa o tal do bom exemplo para tirar esse coraçãozinho do sufoco.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.