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Blog da Lúcia Helena

Quem faz bariátrica deve esperar para engravidar, mas a pílula não funciona

Lúcia Helena

02/10/2018 04h00

Crédito: iStock

A mulher que faz uma bariátrica pode engravidar, mas isso só depois de, no mínimo, 18 meses.  É o que os serviços especializados nesse tipo de cirurgia não cansam de avisar às pacientes. Mas as escorregadelas acontecem —e cada vez com mais frequência.

Nesse primeiro ano e meio, os médicos indicam que a anticoncepção seja por meio de DIU, o dispositivo intrauterino, ou por métodos injetáveis, evitando o contraceptivo oral, principalmente aqueles à base de progesterona. Isso porque  —atenção! — não há a menor garantia de que o hormônio contido na pílula será completamente absorvido.

O dado foi reforçado na apresentação da nutróloga Sandra Lucia Fernandes, no recente congresso da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN), que se encerrou no último sábado, em São Paulo. Médica do Hospital Meridional, em Vitória, no Espírito Santo, e professora de pós-graduação em Nutrologia da própria ABRAN, ela mostra que faz sentido: assim como quem é operado passa a absorver menos nutriente, há incertezas no que diz respeito ao aproveitamento de uma série de medicamentos. O anticoncepcional oral é um deles.

Mas o fato é que, recém-operadas, muitas mulheres tiram o medo de engravidar do foco. Nem prestam tanta atenção no assunto ou pensam que isso não seria um problema no caso delas. Até porque parte dessas pacientes era infértil antes da bariátrica ou tinha uma boa dificuldade para engravidar e, aí, poucos meses depois… Surpresa!

O excesso de gordura corporal, afinal de contas, é uma fábrica de hormônios, cujo desequilíbrio pode bagunçar a ovulação. Sem contar que essa massa gordurosa também produz um monte de substâncias inflamatórias e elas, hoje se sabe, muitas vezes impedem que os ovários liberem óvulos saudáveis, prontos para uma fecundação de sucesso. Talvez ainda, por causa da obesidade, essa mulher tivesse uma síndrome do ovário policístico, outro fator que atrapalha os planos de um bebê e que pode ser  desencadeado pelo resistência à insulina, encrenca que anda lado a lado com o excesso de peso.

Por tudo isso, o receio de engravidar não é a primeira coisa que passa pela cabeça e a mulher submetida à bariátrica mal se dá conta de que os obstáculos à sua fertilidade podem sair da frente, na medida em que o ponteiro da balança cai.

Mas, para começar, um dos problemas de engravidar durante o período pós-operatório de um ano e meio é que talvez esse ponteiro ainda não tenha descido o suficiente para uma gestação saudável e segura. Ora, apesar de mais magra, a paciente pode ainda apresentar obesidade e sobrepeso. E os médicos sabem:  mulheres que estão com alguns quilos além do normal correm maior risco de diabetes gestacional e pré-eclâmpsia, problemas que colocam sob ameaça a saúde da mãe e do filho.

Tem mais: a gravidez, por si só, é uma revolução no organismo feminino e muda completamente a composição corporal. Agora imagine quando ele está em franco processo de emagrecimento e de adaptação em todos os sentidos. É um quiproquó. Até porque há sempre uma tendência, mesmo sem engravidar, de o corpo tentar voltar ao estado anterior, como se sofresse de um certo comodismo fisiológico, diria eu… Pense ao engravidar!

Além disso, com a bariátrica, a pessoa não elimina só a gordura —seria um sonho bom se fosse assim. Qualquer paciente perde, junto com o excesso de adiposidade, músculos e massa óssea. Por isso, é preciso de um acompanhamento multiprofissional e calma, muita calma no caso daquelas que sonham em ter filhos.

Se a mulher engravida antes dos 18 meses preconizados, pode acontecer de tudo, segundo ouvi da doutora Sandra Fernandes. Algumas pacientes simplesmente perdem o benefício da cirurgia. Outras, no sentido oposto, continuam emagrecendo e, então, o bebê sai prejudicado. Ele pode apresentar problemas de desenvolvimento, nascer antes do tempo ou com baixíssimo peso.

Há ainda casos mais raros, mas que devem ser levados em conta.  No último trimestre de gestação, quando o útero está muito aumentado, ele às vezes literalmente empurra o intestino que está perdendo a gordura ao seu  redor muito depressa e ficando sem apoio em uma fase de adaptação pós-cirúrgica. Essas pacientes, então, podem sofrer até de obstrução intestinal, precisando de uma operação de emergência para retirar boa parte do órgão. É difícil para o bebê sobreviver em uma situação dessas. Já a mãe pode desenvolver uma dificuldade tão imensa para absorver nutrientes que, depois, fica internada por um longo período, esquálida, chegando a pesar menos de 40 quilos e dependendo de alimentação venosa.

O risco de tudo isso acontecer com a mulher que aguarda os tais 18 meses é bastante reduzido. Ainda assim, como não há garantia total de falta de complicações, os médicos solicitam exames para conferir se o seu organismo realmente está em plenas condições para os outros nove meses de espera. Pode ser que precise de alguma suplementação, sempre com olhar astuto de um nutrólogo por perto — médico de uma especialidade indispensável para essa gestante em especial . Com o devido  intervalo  e com um bom acompanhamento multidisciplinar à disposição, a cegonha tem maiores condições de aterrissar com segurança — para a mãe e para o bebê.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.