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Blog da Lúcia Helena

Dois nutrientes que fazem um bebê se tornar um adulto mais inteligente

Lúcia Helena

09/10/2018 04h00

As carne, brancas ou vermelhas, são as melhores fontes de ferro Crédito: iStock

Receber cada nutriente na medida certa  ao longo dos primeiros 1.000 dias de vida, contados a partir do exato instante após a concepção, é mesmo essencial. Longe de ser balela. E esse foi o tema do curso de imersão dado por cientistas de várias universidades, que aconteceu no último final de semana. Ele foi promovido pela Danone Early Nutrition na comemoração dos 25 anos da Perinatal, maternidade do Rio de Janeiro que conta com uma das melhores UTIs neonatais do mundo, de acordo com um levantamento feito pelos britânicos de Oxford.

Para fazer jus ao número, 1.000 médicos de instituições diversas do país puderam assistir  às aulas— eu estava lá de intrusa e faço um apanhado aqui do que vi em algumas delas a respeito de nutrição no início da vida e cognição.

Na natureza, a colmeia já nos ensina que a diferença entre a grandalhona e esperta abelha-rainha e suas operárias está na dieta que sua majestade recebe e não em seus genes.  No nosso caso também, ninguém nasce gênio. Mas, se olharmos de perto os neurônios, estreitando o foco para as sinapses  –áreas de contato e troca de informações entre essas células nervosas do cérebro —, veremos que elas aumentam pra valer entre os 6 meses e os 2 anos de idade. Já entre os 4 e os 6 anos acontece uma espécie de poda nas conexões que não são utilizadas. Comparo com uma poda porque o desenho final desse neurônio que cresceu e teve a chance de aprender lembra uma árvore cheia de galhos. Em cada galho, na pontinha, uma sinapse pronta para trocar ideias com outro neurônio.

É preciso dar muita oportunidade de diálogo para essas células. Nessa troca de informações está o grande aprendizado. Quando falo em oportunidade, ela está no seio materno, no cadeirão, enfim, à mesa. E aí a ciência diz: dois nutrientes em especial, se estiverem garantidos, chegam a aumentar o QI dos indivíduos. Atenção: todos os nutrientes importam, mas esses dois merecem destaque, fazendo comprovadamente boa diferença no desempenho escolar, na capacidade de tomar decisões na vida e até, quem sabe,  naquela entrevista de emprego lá adiante.

O ferro é um deles. Ele é essencial para que o maior número possível de sinapses apareça e se mantenha. Por ironia, é também o micronutriente que mais falta no mundo —em qualquer região, em crianças de famílias de todas as condições econômicas. Pena. Para começo de conversa, o ferro ajuda os neurônios a produzirem ATP, moléculas que são suas baterias. E, sem elas devidamente carregadas de energia, como será que conseguiria esticar seus bracinhos —aquela cauda comprida que é, na verdade, o seu axônio — até quase abraçar uma célula nervosa no lado oposto da massa cinzenta, por exemplo?

O mineral faz mais. Ele  auxilia na formação de neurotransmissores, os mensageiros neuronais. Se quer mais uma comparação, os neurotransmissores seriam o vocabulário do cérebro. Daí, quando a produção é baixa, é como se lhe faltassem palavras e esse diálogo interno da nossa cabeça se torna menos produtivo, por assim dizer.No terceiro trimestre de gravidez — sim, desde a barriga da mãe, claro — qualquer mínima falta de ferro para o bebê já torna a situação crítica. Se fosse um aluno, seria como fazer a matrícula em uma escola já iniciando o ano letivo em recuperação –e, claro, essa é só mais uma figura de linguagem.

Logo após o nascimento, então, nem se fala a falta que o bendito ferro faz. Ora, o hipocampo é um consumidor voraz desse mineral. Como é guardião das nossas lembranças, quando há jejum de ferro ele pouco memoriza. Sem guardar informações, é como se faltasse assunto entre as células cerebrais. Lembra das conexões pouco utilizadas que depois serão podadas? Resultado: menor possibilidade de florescer uma cabeça das mais brilhantes. A ciência nota que sempre há algum comprometimento da cognição proporcional à falta de ferro nos dois primeiros anos de vida.

Quanto mais cedo aparece esse déficit e quanto mais prolongado ele é, diminuem as chances de os danos serem reversíveis. O prejuízo afeta até mesmo a capacidade de prestar atenção nas coisas. O primeiro impacto da carência é no próprio desenvolvimento infantil. Depois, no desempenho escolar. Lá adiante, na capacidade de trabalho —é o que estudos sérios  apontam.

Se quer ter uma ideia do nosso futuro, basta lembrar que, no país, quase 1/3 das mulheres em idade fértil tem algum grau de anemia por falta de ferro e elas não estão apenas nas classes menos favorecidas, viu? Então, de largada, muitos brasileirinhos não são bem abastecido na barriga da mãe e nascem correndo atrás do atraso.

Outro nutriente muito bem-vindo para o desenvolvimento cognitivo é o DHA, uma das formas do festejado ômega-3, porque ele ajuda os neurônios a formarem uma capinha gordurosa de mielina e, com ela, a condução das mensagens entre essas células é outra coisa. Em um neurônio com mielina, a velocidade de transmissão  alcança uns 400 quilômetros por hora e, sem ela, avança 4 quilômetros por hora.  Portanto, digamos que é melhor formar mielina depressa para não ficar com um cérebro de tartaruga.  A demora para que os neurônios criem essa capa implica, mais uma vez,  em deficiência de atenção e memória no futuro. Pesquisas mostram que um aporte de DHA adequado na primeira infância aumenta em até quatro pontos o quociente de inteligência de uma pessoa.

O problema é que o DHA está nas algas ou nos peixes de águas frias. E aviso: o salmão que a gente encontra nos supermercados costuma ser de cativeiro. Ou seja, se o pescado  não foi alimentado com algas, não nos dá o tal do DHA. Sem contar o risco de contaminação e outros poréns, no caso de bebês.

A forma segura de uma criança pequena receber suas doses de DHA seria por suplementação  em fórmulas indicadas pelo pediatra ou pela melhor opção de todas, que é o leite materno. Mas, aí, desde que a mãe consuma essa substância também (assim como fontes de ferro), investindo na inteligência do rebento.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.