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Blog da Lúcia Helena

Já pensou que culpa pelo seu sedentarismo pode ser da cidade onde mora?

Lúcia Helena

06/11/2018 04h00

Crédito: iStock

Você, que acompanha o VivaBem, já está cansado de saber que atividade física é ingrediente fundamental na receita da saúde. Provavelmente encontrou aqui mais e mais motivos para encher o dia a dia de movimento, conheceu novas modalidades e explicações sobre o que acontece no organismo de quem se mexe, mas…  Bem, vamos encarar a realidade: mesmo com a minha forcinha e a dos meus colegas, talvez ainda esteja empacado no grupo dos sedentários. Olha que ele não é minoria: infelizmente, representa 47% dos brasileiros.

Há todo tipo de argumento para o desânimo. Um deles, recorrente, é a falta de tempo. E eu lá vou ser louca de dizer que é desculpa esfarrapada? Que nada! Eu, por exemplo, moro em São Paulo, sabe o que isso significa? Que faço parte de uma tribo que gasta, em média, 2 horas e 43 minutos por dia para fazer todos os deslocamentos necessários. E já foi pior, viu?  Segundo dados da pesquisa de Mobilidade Urbana na Cidade, no ano passado os  habitantes dessa selva de pedras esburacadas gastavam até 10 minutos a mais no trânsito. E esse tempo perdido em engarrafamentos rouba o período em que poderíamos estar na academia ou, melhor ainda, em um dos parques da cidade.

O curioso é que justo São Paulo subiu ao primeiro lugar do pódio no Ranking das Capitais Brasileiras Amigas da Atividade Física, recém-concluído por uma equipe da PUC do Paraná, liderada pelo educadores físicos Rodrigo Siqueira Reis e Adriano Akira Hino, com o apoio da revista SAÚDE, da Editora Abril. Vou dar logo os cinco primeiros e os cinco últimos colocados para matar a sua curiosidade ou, talvez,  provocar a sua estranheza:

1° lugar : São Paulo (SP), como eu já contei

2° lugar : Belo Horizonte (MG)

3° lugar : Vitória (ES)

4° lugar : Curitiba (PR)

5° lugar : Rio de Janeiro (RJ)

e os lanterninhas…

23° lugar : Maceió (AL)

24° lugar : Belém (PA)

25° lugar : Rio Branco (AC)

26° lugar : Macapá (AP)

27° lugar : Porto Velho (RO)

Fica difícil entender São Paulo quando penso que 32% dos seus residentes se exercitam menos do que os 150 minutos por semana indicados pela Organização Mundial de Saúde… Mas, veja, o estudo lançou mão de cinco parâmetros e a capital paulista fez bonito em alguns deles. Por exemplo: mais de 16% da população já desistiu do carro (feito eu!) e vai de um canto a outro a pé ou de bike. Só no Rio de Janeiro existem mais andarilhos e ciclistas de carteirinha. O que não quer dizer que essa gente faça algum esporte…

Primeiro, precisamos diferenciar o que é deslocamento ativo — ir caminhando ou pedalando para a universidade ou para o trabalho — e o que é praticar atividade física durante o lazer, como largar o expediente para correr no parque em vez de se largar diante da novela da tevê. Uma diferenciação um tanto besta em matéria de saúde: as duas formas poderiam livrar aqueles 47% da população do grupo de risco dos sedentários.

Rankings assim provocam ruídos inevitavelmente, até porque São Paulo pode ser a primeira colocada, se comparada a outras capitais brasileiras. Isso não a transforma em uma cidade exemplar para a atividade física, talvez  apenas na "menos pior" entre nós. Os autores nem questionam esse ponto. E fique claro que nada disso não tira o grande mérito do seu esforço: abrir os olhos da população para que não pegue a responsabilidade de ficar parada  toda para si e, em vez disso, mexa-se exigindo melhores condições em sua vizinhança para praticar um exercício.

Principalmente, vale eu aqui chamar a sua atenção para o que está ao seu redor. Até que ponto a cidade em que você vive estimula ou desestimula a vontade de calçar tênis, já pensou nisso?

Você acessa facilmente espaços de lazer? 

A primeira coisa que vem a cabeça são os parques públicos, com pistas para correr, ciclovias e equipamentos para exercícios. Facilita muito ter um lugar assim perto de sua casa ou do seu trabalho. Já reparou nisso? A sua parte é tentar organizar o trabalho para que antes ou depois do expediente sobre um tempo para desfrutá-los. No ranking da PUC do Paraná, Vitória assumiu dianteira nesse quesito, com 38 espaços para lazer desse tipo  para cada 100 mil habitantes. Também conta ter escolas com quadras e materiais esportivos — afinal, o sedentarismo precisa ser espantado ainda na infância e na adolescência.

Se quiser ir de ônibus ou de metrô, você dispõe de um bom transporte público?

Segundo os pesquisadores, pessoas que contam com um transporte público de qualidade tendem a caminhar mais. Fácil imaginar: em vez de parar o carro no estacionamento do prédio e só andar até o elevador, no mínimo você caminhará alguns metros, talvez uns poucos quarteirões, entre o ponto ou a estação e o seu destino — e vice-versa.

As ruas perto da sua casa ou do seu trabalho são cheias de gente e locais de comércio?

Acredite: os autores do trabalho dizem que ruas superlotadas, como em geral são as dos centros das capitais, não incentivam ninguém a sair andando. Em compensação, bairros  mais ermos, cheios de árvores e flores, embora sejam um cenário bonito, não são muito convidativos a passadas, independentemente de questões de segurança. As pessoas camnham mais, sem sentir, quando vão até o banco a pé e aproveitam para passar na padaria e, quem sabe, na farmácia também. Se mora em um bairro assim, fica a dica: tente resolver sua vida a pé.

Já reparou nas calçadas e em detalhes como faixas de pedestre?

Às vezes, sair andando por aí é chato porque as calçadas não contribuem. Se não têm buracos, são desniveladas. Em muitos municípios brasileiros, a responsabilidade por sua construção e conservação é do proprietário. Um prefere cimento e o outro pedrinhas, um mantém o declive para escoar água, outro deixa o seu trecho retilíneo. Resultado: o quarteirão vira pista de obstáculos e os tombos podem ser frequentes. Uma saída seria colocar o tema em associações de bairro. Estudos mostram que pessoas que moram em locais onde calçadas, faixas de pedestres e ciclovias estão em ordem se deslocam até 16% mais a pé ou de bicicleta.

Como é a segurança da região e o respeito no trânsito?

Sim, sedentarismo é assunto complexo e parcela da responsabilidade vai para a falta de policiamento e para as ruas iluminadas. Se você não se sente seguro para sair à noitinha correndo, então inverta: programe o exercício para o período matinal. Também só saia de bike se conhecer bem as normas de trânsito, preferindo sempre andar por ciclovias. Em locais onde ciclistas são atropelados com frequência, melhor não arriscar. O ideal seria a gente nem se preocupar com essas coisas. Mas, como elas existem — que triste —, fique atento a outras possibilidades para não deixar a atividade física de lado. Além da mudança de horário, quem sabe baixar um bom app de treino e, se a cidade não ajudar, malhar em casa.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.