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Blog da Lúcia Helena

Por que a acupuntura começa a ser mais usada em pacientes com câncer

Lúcia Helena

15/11/2018 04h00

Crédito: iStock

Como agulhas, aplicadas em pontos espalhados por 14 linhas imaginárias, ou meridianos, por onde correria a energia vital do organismo, conseguiriam ajudar pacientes com câncer? A questão foi levantada no I Simpósio Internacional de Oncologia Integrativa, realizado no último final de semana no Hospital Israelita Albert Einstein. E eu, que estava lá em busca de boas notícias para este blog, estiquei as orelhas.

Até hoje, por mais que a terapia seja reconhecida e aprovada, há uma tremenda dificuldade da ciência ocidental para entender o que já foi observado há quase 5 mil anos, no Nei Ching ( O Tratado Interno), o primeiro livro conhecido sobre acupuntura, a terapia baseada na aplicação de agulhas em pontos do corpo. E ela entra aos poucos — por aqui, muito devagarzinho — no setor de Oncologia.

Nos Estados Unidos, porém, a situação já é um pouco diferente. O médico Gabriel Lopez, do MD Anderson, uma das mais prestigiadas instituições de tratamento e pesquisa do câncer do mundo, contou que, lá, os pacientes contam com o apoio de um time de acupunturistas para aliviar os sintomas do tratamento. E, entre eles, as agulhadas são reconhecidas por aliviar o enjoo provocado pela quimioterapia.

O médico Alexandre Massao Yoshizumi, vice-presidente do Colégio Médico de Acupuntura de São Paulo e acupunturista do próprio Einstein, confirma que as náuseas costumam ser o principal motivo de um paciente de câncer recorrer à terapia da Medicina chinesa tradicional.

Segundo ele, estudos já compararam a capacidade de as agulhas cortarem esse efeito com a ação o cloridato de ondasentrona, princípio ativo de comprimidos sublinguais que são a alternativa farmacêutica mais moderna contra o estômago embrulhado, especialmente por não causar sono. E acredite: em matéria de resultado, deu empate. Qual a vantagem então?

Yoshizumi e seus colegas que atuam em Saúde Integrativa — área que chega para somar e que, por isso, dispensa o antigo rótulo de "alternativa" —  me respondem que, para um paciente que está sendo bombardeado por medicamentos, alguns peso-pesado como os quimioterápicos, qualquer remédio a menos pode ser uma vantagem para o organismo.

O próprio Yoshizumi viveu de perto essa história. Em 2013, quando a esposa foi internada com uma leucemia no Einstein — hoje ela passa muito bem, obrigada —, ele não titubeou em trazer suas agulhas para o hospital e aplicá-las na mulher. E foi então que, de certa maneira, mergulhou na ideia de como a acupuntura poderia ajudar os pacientes com um tumor.

"Acho que a acupuntura pode fazer muito mais do que diminuir as náuseas ou mesmo eventuais dores, apesar de ser muito usada para isso nos centros de oncologia', me disse ele, chamando a atenção que o objetivo maior do tratamento seria melhorar a função de todos os órgãos, o que deixaria o corpo mais apto a superar o episódio da doença. "Sem contar que proporciona um maior equilíbrio emocional, o que sem dúvida ajuda bastante.".

Em sua apresentação, ele listou outros efeitos reconhecidos por trabalhos publicados:

  • redução de medicamentos e, aí, não só para enjoo, mas estamos falando de opioides e antiinflamatórios, principalmente
  • menos efeitos colaterais da químio, da rádio e da hormonioterapia. No caso, mulheres jovens que bloquearam hormônios para tratar tumores de mama, por exemplo, relataram menos ondas de calor e outros sintomas provocados pela menopausa antecipada.
  • melhora do apetite, até porque as agulhas ajudam a aliviar a boca seca, que é consequência, muitas vezes, do tratamento.
  • os movimentos intestinais são reestabelecidos mais depressa, quando o paciente passa por uma cirurgia abdominal.
  • uma diminuição considerável da fadiga, o que indiretamente ajuda o tratamento a dar muito certo.

* um fim para a insônia que atormenta o indivíduo, seja por questões físicas ou emocionais.

Aliás, um ponto importante nessa história é deixar claro que a acupuntura não combate o câncer — portanto, muito menos cura um tumor. Ela pode ser aplicada para dar suporte ao tratamento prescrito pelo oncologista. E, claro, cada sessão deve ser sempre autorizada por ele.

Em alguns casos, quando as plaquetas do sangue estão muito baixas — o que pode acontecer durante as batalhas contra um tumor —, é preciso esperar alguns dias até que eas voltem ao normal, para não haver risco de sangramento. Ou usar o laser nos pontos no lugar das famosas agulhas — que devem ser descartáveis, afastando para longe o risco de infecções em uma pessoa que já está mais debilitada por causa do câncer.

Para os mais reticentes, Yoshizumi lembra que, hoje em dia, os trabalhos sobre acupuntura lançam mão de exames de ressonância funcional, capazes de mostrar que uma espetadela na orelha muda alguma coisa no funcionamento do dedão do pé, se for o caso. Enfim, não coloco ponto de interrogação nessa parte, ainda mais depois de ver os estudos: sim, algo acontece. Agora, como acontece, é uma pergunta que paira na minha cabeça e na mentalidade ocidental nos últimos cinco milênios.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.