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Blog da Lúcia Helena

Suco não adianta: só água evita doenças como hipertensão (e tomamos pouco!)

Lúcia Helena

20/11/2018 04h00

Crédito: iStock

Quer um conselho? Deixe o copo de suco e aquela lata de refri um pouco de lado e se aproxime muito mais do filtro ou da garrafinha de mineral. É que muita água rolou sob a ponte da Medicina e ela agora valoriza mais do que nunca a velha bebida insípida, inodora e incolor, geladinha ou natural  –questão de gosto! –, que, na minha opinião leiga, mata a sede como nenhuma outra.

Continua a certeza, é fato, de que todo e qualquer líquido contribui para hidratar o corpo — inclusive aquele presente nos alimentos. Seja água, seja chá, seja guaraná, o que for,  tudo funcionará bem naquela história de repor o volume do sangue, manter a pele viçosa, umedecer cartilagens, participar da troca de nutrientes e blá, blá, blá. Mas a água, e só a água, diminui barbaramente o risco dos mais diversos problemas nos rins, de pressão alta, além de –hipóteses fresquinhas — reduzir a ameaça de você se tornar diabético ou obeso.

Outras bebidas não causam a menor diferença nesse quesito. E algumas –as adoçadas — até fazem tudo desandar de vez. Não só porque somam muitas calorias. Ntz, ntz, ntz, elas também ajudam a catapultar a pressão, entre outros efeitos não tão desejáveis. 

Sendo assim, estamos lascados — sim, estou falando de nós. Um levantamento realizado em 13 países, que acaba de ser publicado, aponta que o brasileiro consome, em média, 1830,5 mililitros de água por dia. Talvez você diga que então, na pior das hipóteses, faltariam apenas uns golinhos para a gente cumprir a meta diária, que atualmente, conforme a referência, varia de 2 a 2,9 litros por dia.

Mas aí é que está, não se iluda: só 42% do volume que nós, brasileiros, bebemos correspondem à água, ou seja,  769 mililitros. Portanto, para alcançar o que os rins precisam para não desencadearem vários problemas pelo corpo, estão faltando bons goles, isso sim.

Outros 27% do nosso consumo são bebidas açucaradas, como sucos de caixinha e refrigerantes. As bebidas quentes, como o nosso cafezinho (ao qual podemos juntar colheres e colheres de açúcar também, sejamos francos) representam 11% de todo o líquido de ingerimos.  O consumo de álcool equivaleria a 8%. Os sucos feitos só de frutas, sem nada de açúcar adicionado, seriam  somente 6%. Leite e bebidas lácteas ficam com uma fatia de 5% e as bebidas dietéticas, com 1%.

Quando vi que estávamos bebendo água de menos, fui logo procurar a nefrologista Camila Rodrigues, na sede de entender o volume de toda a encrenca. De cara, ela me disse que, quando se formou há 13 anos, aprendeu que a história de beber um número mínimo de tantos copos de líquido por dia era bobagem. "Coisa que a imprensa gosta de falar", diziam seus mestres (como assim, doutores, sobrou pra mim?).

Sim, reconheço: em muita entrevista com o pessoal das universidades, a gente vivia ouvindo que faltavam evidências científicas para mandar o povo tomar água de tempos em tempos. Bastaria obedecer a ordem imperiosa de sede.

Os nefrologistas só abriam uma exceção nesse papo — para pessoas com tendência à litíase, a popular (e dolorosa) pedra nos rins. Fácil entender: quanto menor o consumo de líquido, mais concentrada fica a urina e, uma vez cheia de sais mergulhados nela, a chance de eles se agruparem em pedriscos é maior. Tirando isso, diziam…

Hoje, porém, se sabe que até a pressão em tese pode subir se você dá bobeira e protela a hora de beber uma aguinha. Também é fácil entender: se falta líquido, o organismo libera hormônio antidiurético. Para os rins é um "parem tudo". Quer dizer, parar eles não param, mas fazem operação-tartaruga, tentando eliminar o menor volume de urina possível, sem deixar ir para o ralo uma gota a mais de líquido do corpo do que o mínimo necessário.

Acontece que esse mesmíssimo hormônio atende por vasopressina. E esse segundo nome diz tudo: sim, a substância é um belo constritor dos vasos. O sangue, dentro deles, fica literalmente no maior aperto pedindo passagem… Em outras palavras, a pressão de sua corrente contra as paredes das artérias aumenta.

O que doutora Camila Rodrigues me contou é interessantíssimo: o estímulo que leva à produção da vasopressima é o mesmo que faz o cérebro entender que precisa disparar a vontade de você beber qualquer coisa. Ou seja, é uma concentração de sais no plasma sanguíneo. Porém, a ordem para produzir o hormônio que contrai os vasos vem primeiro do que comando cerebral que nos deixa sedentos.

Portanto, antes mesmo de você ficar louco por um copo de água, veias e artérias já estão mais contraídas. Não, olhando para os vasos, não dá para esperar a sede. É para tomar água de tempos em tempos e isso não é mais ideia de jornalista, ok?

E, sim, precisa ser água mesmo. Outras bebidas parecem interferir menos nesses mecanismos, sendo que as açucaradas (pior!) promovem um aumento do ácido úrico no sangue e a substância é uma das vias de progressão de problemas renais. Aí surge um ciclo pernicioso: quando os rins não funcionam tão bem, eles fazem a pressão subir. E, se a pressão sobe, isso acaba com a saúde dos rins, feito um cão correndo atrás do rabo, entende?  O mesmo vale para o diabetes.

O consumo de água — em lugar do consumo de outras bebidas — também comprovadamente retarda o avanço da doença renal policística, mal de origem genética, que acomete uma em cada 400 a 1.000 pessoas.

Mas existem outros motivos para ir até o bebedouro mais próximo, se bem que a ciência ainda não é capaz de compreender os porquês desses outros exemplos tão bem. Quem bebe mais água pura tem picos de glicemia mais baixos — e, parece, não só porque deixa de beber líquidos com açúcar, fique bem entendido. Mas a suspeita, por estudos de associação, é de que goles de água, ao evitar os tais picos, seriam parte da receita para afastar o diabetes.

Outro campo onde o consumo maior de água pode fazer diferença é o da obesidade. E não, não vou chover no molhado dizendo que a água engana a fome. A pesquisa mais palpitante, citada inclusive pela doutora Camila, foi conduzida por cientistas americanos da Universidade da Virginia. Eles acompanharam dois grupos que igualmente maneiraram nas calorias durante 12 semanas.

No entanto, uma das turmas bebeu 1/2 litro de água a mais todos os dias.  Todos os participantes perderam peso, mas a turma que tomou água extra ficou, em média, 2 quilos mais magra. E eu, só de ouvir isso,  já derramei o resto da minha jarrinha ao lado do computador em um copo. Daí bebi de gute-gute.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.