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Blog da Lúcia Helena

De que lado você fica na briga entre bactérias gordas e bactérias magras?

Lúcia Helena

27/11/2018 04h00

Crédito: iStock

O quebra-pau acontece no intestino e a confusão é para ver quem dominará esse pedaço. Mas, pelo jeito, as chances de vitória costumam ser pesadas na balança. No corpo de quem é magro, a microbiota intestinal — que são seus inquilinos microscópicos — é diferente da microbiota de quem está com uns bons quilos a mais. E isso pode mudar  a forma de tratar gente obesa e de você evitar o maldito efeito sanfona, como mostrou o endocrinologista Filippo Pedrinola em sua aula no III Simpósio Internacional de Obesidade e Síndrome Metabólica da ABRAN, no último domingo.

Este é o ponto: qual o seu lado nessa história? A questão é saber se os seus hábitos favorecem as bactérias de gordos ou de magros. E, acredite, boa parte das complicações atribuídas ao excesso de gordura corporal tem a ver com esses bichinhos.

Bactérias do time das gram-negativas ganham espaço quando a alimentação é cheia de tranqueira — muita gordura, muito aditivo, muito carboidrato simples e, neste caso, a frutose em especial. Sim, aquela que dá doçura às frutas. Mas não saia acusando a banana, a maçã, a laranja, enfim, a salada de frutas inteira por seus pneus na barriga. Não é por aí.

Filippo Pedrinola lembra as nossas aulas de Química: "ninguém pode se esquecer que o açúcar comum é formado pela união de duas moléculas, uma de glicose e outra da tal frutose", disse, refrescando a nossa memória. Portanto, tem muita colherada de frutose naquele doce de padaria e no brigadeiro. E, para completar nossas fartas porções diárias, para o deleite desse grupo de bactérias, vários alimentos processados têm frutose de montão e hoje mesmo (doce coincidência!)  a indústria anunciou que irá reduzir o ingrediente, digo, os açúcares na composição de seus produtos.

Entre as bactérias dos gordos, destaca-se a turminha das firmicutes,  revestidas por uma membrana cheia de LPS, ou lipopolissacarídeos, que deixam partículas por ali mesmo,  espalhadas pelas paredes do intestino. É nessas partículas que mora um problemaço. Melhor, diversos problemaços.

Quando as tais partículas desprendidas pelas moléculas de LPS se encaixam em um determinado receptor intestinal, elas disparam sinais que atraem integrantes do sistema imunológico, como os macrófagos e as células dendríticas. Pronto: aí surgem substâncias inflamatórias por todos os lados e o próprio intestino é a primeira vítima. Mas não termina por aí.

Às vezes, as moléculas de LPS, oportunistas,  passam por brechas nas paredes do órgão e caem na corrente sanguínea. Sua chegada nos vasos intensifica as inflamações pelo corpo.  Pior é quando as moléculas de LPS, oriundas do bando das firmicutes, vão parar no fígado, onde desencadeiam  reações que culminam em um excesso de gordura — é a famigerada esteatose hepática. 

Como se fosse pouco, o fígado gordo é um dos estopins para a resistência a insulina, que costuma  levar ao diabetes. Então, entenda: umas bacteriazinhas aparentemente de nada (só aparentemente!), lá nosso intestino, criam o caos da cabeça aos pés quando compartilham nossos hambúrgueres e milkshakes, pedem pedaços da nossa sobremesa e beliscam conosco aquela batata-frita ou a pipoca amanteigada no cinema. Tudo bem dividir o seu lanche de vez em quando com elas. A coisa sai do controle quando acontece sempre.

No corpo dos magros, porém, as firmicutes existem, mas nunca predominam. Neles, costumam ganhar de lavada as populações de bactérias gram-positivas e, no caso, em especial as bacteroidetes. Eu diria que as bacteroidetes são bactérias fit,  porque gostam de uma ginástica — sim, também são mais numerosas no intestino de quem pratica atividade física — e preferem devorar um  salada, um cereal integral, fechando a refeição com uma frutinha, quem sabe.

As bactérias majoritárias nos magros tiram energia de fibras chamadas oligossacarídeos, presentes nos vegetais. A partir delas, formam três substâncias — o acetato, o propianato e, a mais famosa de todas, o butirato. O trio faz um bem danado, até porque alivia as inflamações causadas pelo time adversário. Ainda melhora a motilidade do intestino. E, de quebra, ajuda a promover a saciedade.

Portanto, não existe magro de ruindade: existe magro de bacteroidetes!  E, sabendo disso, então talvez imagine, como eu mesma imaginei, que escolher um lado nessa batalha parece simples, certo? Bastaria comer mais vegetais para dar uma força à multiplicação das bateroidetes. Bem, chegou a hora de boas e más notícias.

Uma boa: sim, levar uma dieta com mais vegetais faz as bacteroidetes crescerem e, passado um tempo de capricho no cardápio, a  microbiota intestinal muda de cara. Mas aí vem uma má notícia: o caminho contrário é verdadeiro. Sabe aquela temporada de tudo-pode nas férias? Faz o mesmo, altera a microbiota e, nesse jogo, multiplicam-se as firmicutes.

Outra boa (e que, no caso, pode ser má notícia também) é que há uma forte tendência de as bactérias do seu  intestino voltarem logo  ao seu estado, digamos, normal. E que estado é esse? O de quando você tinha 3 anos de idade e toda essa população microscópica foi determinada por uma série de fatores: "Dieta nos primeiros anos de vida é um deles", contou Pedrinola ao blog. "Mas tem o peso da mãe, a poluição do ar, substâncias químicas, uso de remédios e até mesmo o tipo de parto.", exemplificou, Ponto para as bacteroidetes, se mamãe era magra e foi parto normal, aliás.

O que isso quer dizer: que, em quem tem muito mais firmicutes do que bacteroidetes, não adianta aquela dieta que seca a barriga em duas semanas. É para comer direito e com muito cuidado pelo resto da vida, entendeu? Mas tem mais: se você corta de vez um nutriente do cardápio, os inquilinos do seu intestino também reclamam e surge um desequilíbrio populacional quase no ato. Porém, já sabe: quando por acaso pisar na jaca e ganhar uns quilinhos, culpe o raio de suas firmicutes.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.