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Blog da Lúcia Helena

Uns mais, outros menos, o fato é que todo remédio para depressão engorda

Lúcia Helena

29/11/2018 04h00

Crédito: iStock

Obesidade e depressão têm muita coisa em comum. Para começar, são dois problemas encarados quase como uma falha moral de seus portadores. Equívoco cruel. São doenças e aguardo o dia em que as pessoas falem delas como quem diz "tenho alergia a amendoim", porque nunca vi um alérgico constrangido por recusar paçoca.

Um mal também costuma alimentar o outro, já que o obeso tende a ficar deprimido e o deprimido pode descontar na comida ou, mesmo quando se torna inapetente, não tem ânimo para a atividade física. Tem mais: no sistema nervoso, obesidade e depressão envolvem áreas e neurotransmissores que, quando não são os mesmos, têm muita intimidade. Digo além: as bases genéticas das duas condições são semelhantes.

Os genes  por trás da tendência a ganhar peso e nas origens dos quadros depressivos às vezes são os mesmos e outras vezes, embora diferentes, se expressam do mesmo jeito, provocando uma espécie de hiperativação da região cerebral do hipotálamo e das glândulas pituitária e adrenal — o que resulta em uma quantidade maior de cortisol circulando pelo organismo.

Daí talvez, nesse contexto, fique mais fácil entender a brincadeira nos bastidores da Psiquiatria: para funcionar, o antidepressivo tem de engordar. Uns mais, outros menos, todos eles levam a um aumento dos quilos, como esclareceu o psiquiatra Ricardo Torresan, da Unesp de Botucatu, em sua aula no III Simpósio Internacional de Obesidade e Síndrome Metabólica, da ABRAN.

Eu achava que só alguns fármacos causavam o problema. Estava enganada. E vale eu lembrar que, conforme a região do globo, encontramos de 9% a 15% da população tomando algum antidepressivo. Até arrisco dizer, por pura dedução, que deveria existir mais gente usando esse tipo de medicação. Não por nada: "cerca de 3/4 dos pacientes abandonam os remédios precocemente", ouvi de Ricardo Torresan. A maioria larga a mão por causa dos efeitos colaterais e um dos principais deles é ver o ponteiro da balança subir, às vezes vertiginosamente — sendo que muitas pessoas iniciam o tratamento já se encontrando acima do peso.

Outra verdade que precisa ser escancarada: dos mais antigos aos mais modernos, os remédios para depressão falham em 30% dos pacientes, em média. É uma montanha de gente que os engole direitinho e que, mesmo assim, continua arrasada ou pouco melhora. Por isso os médicos vivem trocando a prescrição até acertarem em cheio na droga capaz de reestabelecer o equilíbrio emocional daquele indivíduo. E o que isso tem a ver com a gordura? "Como nem todos respondem bem à primeira medicação, isso faz com que os usuários desenvolvam quadros recorrentes", explica Torresan.

De depressão em depressão, de remédio em remédio, essa gente acaba adquirindo uma espécie de resistência e virando o que os médicos chamam de casos refratários, aqueles que já não respondem 100% a antidepressivo algum. Então, a saída é dar uma forcinha com potencializadores, pertencentes a outras classes de remédio — e esses, sinto informar, aumentam de vez o apetite e o peso. Ou seja, quanto mais recaídas, mais engordativo pode se tornar o tratamento. 

Ricardo Torresan ainda frisa: um tratamento para depressão eficaz não termina de hora para outra. Sempre demora.  Até porque o antidepressivo jamais deve ser retirado quando somem os sintomas, Caso contrário, o risco de tudo voltar é imenso.

Quem só teve um único episódio depressivo deve persistir com a medicação por um período que varia de nove a 12 meses,  uma vez desaparecidos os sinais da doença. E, claro, se a pessoa já ficou deprimida duas, três, quatro vezes na vida, o período de medicação se alonga ainda mais. Eis a questão: certos antidepressivos engordam pra valer apenas lá pelo segundo ou terceiro ano de uso.

Estudos sugerem que a turma que já estava gordinha ou que corre para a geladeira quando se sente pra baixo seria ligeiramente mais suscetível a esse ganho de peso. No entanto, até mesmo aqueles  que fecham a boca para a comida no auge da depressão ou que perdem peso por causa dela não só recuperam os quilos do passado como ganham uns a mais.

Os remédios de gerações mais recentes tentam driblar o efeito colateral na fita métrica — aviso que sem sucesso. A bupropiona seria a droga que menos engordaria, mas está longe de fazer a alegria de quem se preocupa com a cintura.  Primeiro, não tira todos da crise — lembre-se, qualquer antidepressivo falha para uns 30% dos seus usuários. Segundo, muitos pacientes não toleram o aumento da ansiedade que a bupropiona provoca, sendo que o comportamento ansioso muitas vezes já acompanha a depressão, então…

Já a fluoxetina, talvez o mais badalado antidepressivo na língua do povo, levou erroneamente a fama de ajudar quem precisava controlar o apetite. Segundo Torresan, ela faz isso, sim. Mas, hoje os médicos sabem, o efeito de cortar a fome só dá as caras nos primeiros três meses. Depois desse tempo, ao contrário, a pessoa costuma engordar com fluoxetina.

Vamos a um levantamento que acaba de sair do forno, porque ele é taxativo: todos os pacientes tratados, se nada for feito, ganham alguns quilos, sendo que 20% engordam absurdamente. Inclusive porque não dá para a gente se esquecer dos  bipolares. Muitas pessoas que procuram ajuda por causa de uma depressão são diagnosticadas como bipolar e as drogas que precisam ser usadas nesses casos engordam quase de imediato, nas seis primeiras semanas.

Por mais que o corpo termine inflado, abandonar os antidepressivos e outros remédios para problemas psíquicos, nem pensar! Torresan até mencionou uma paciente que engordou 30 quilos para sair da zona de risco do suicídio — no caso, tomando medicamentos da classe dos antipsicóticos e não antidepressivos. O que vem ao caso aqui: melhor ficar bem vivo, estamos de acordo?

Alguns consultórios já apelam para testes genéticos, predizendo quais pacientes têm maior tendência a um ganho de peso robusto e orientando, se for possível, a escolha do médico no instante de prescrever.

Cientes de que a medicação  oferece  uma baita probabilidade de alargar a cintura, vale tomar todas as medidas aliviar esse efeito, como procurar um nutricionista para uma reeducação alimentar. Exercício é outra medida, em especial o aeróbico que mata logo dois coelhos: promove emagrecimento e ajuda a modular neurotransmissores por trás da depressão.

Exames de neuroimagem comprovam que 30 minutos  de treino aeróbico por dia, cinco vezes ou mais por semana,  já agem positivamente no cérebro. "Mas, para isso, a atividade precisa ser moderada, isto é, nem tão leve a ponto de a pessoa conseguir falar e cantar durante o exercício e nem tão pesada a ponto de ficar esbaforida", explica Torresan. Imagine uma esteira: você deve conseguir falar com quem estiver ao lado, mas sem ter condições de cantarolar. É um bom parâmetro da intensidade que eleva o astral na cabeça.

Finalmente, não dá para deixar a psicoterapia de fora desse pacote para evitar efeitos colaterais na balança — ela, diga-se, não engorda. Além de eventualmente abordar os ataques de gula, ao levar à compreensão das raízes da doença psíquica, as sessões evitam o abandono precoce dos antidepressivos, o que é ótimo.  Afinal, quanto mais recaídas, mais rápido subirá o ponteiro da balança, o que pode fazer tudo ficar mais triste.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.