O que talvez você ainda não saiba sobre o seu coração e o diabetes tipo 2
Eu achava que falar de saúde cardiovascular e diabetes era um assunto batido. Mas para 57% dos 14 milhões de brasileiros com diabetes —gente de montão — dizer que têm mais risco de infarto por causa do açúcar que corre em suas veias é história da Carochinha vestindo jaleco. E nem vou falar de AVC, insuficiência cardíaca — essas que também estão entre as principais causas de morte no país (e no mundo) e que têm tudo a ver com diabetes. Tipo 2, em especial. Aliás, que tipinho…
Não coloque todas as formas diabetes no mesmo saco. Aquele que é chamado de tipo 1 pode até soar mais grave, até porque costuma dar as caras na infância. Só que não, como se diz por aí. Sei, sei, é um esforço de adaptação incrível acostumar-se com medições e picadas diárias para repor o hormônio insulina, já que suas fabriquetas no pâncreas — as famosas células Beta — são arrasadas pelo sistema imunológico em um ataque cruel, cujas motivações ninguém conhece.
Mas, na prática, levar um estilo saudável e repor o hormônio que falta na medida certa resolve o problema do tipo 1 — saudações, um abraço e fim de discussão. O coração desse indivíduo, então, fica a salvo. Já no tipo 2…
O tipo 2, que representa nove em cada dez casos de diabetes entre nós — começa por aí —, é a verdadeira-bomba relógio para o peito. E é complicado toda a vida. Aliás, vamos dar um basta naquela história — bem ultrapassada, por sinal — de simplificar as coisas e explicar essa segunda forma de diabetes como uma resistência exacerbada à insulina, quando o pâncreas, cansado de tanto trabalhar, pirraçado constantemente por porções fartas de doces e outros carboidratos e castigado pelo sedentarismo, deixa de produzir insulina o suficiente e, olhe lá, ainda gera um hormônio bem meia-boca. Isso, senhoras e senhores, é apenas parte da história.
O tipo 2 não envolve só a insulina. Ele mexe — e como mexe! — com outro hormônio, o glucagon. Esse faz, digamos, o papel oposto — o que, no caso em questão, é segurar toda a glicose que conseguir, no ledo engano de que ela está em falta. Dessa maneira, os rins, que deveriam filtrá-la, passam a fazer o inverso, isto é, a segurá-la. E aí mesmo é que esse açúcar vai se acumulando até não poder mais.
Esse descontrole nos níveis de glicose no sangue origina um estado de inflamação — uma inflamação baixinha, sim, mas sem um segundo de trégua, dos pés à cabeça. "E aí é que está"", ouvi do cardiologista Otavio Rizzi Coelho, professor da Universidade Estadual de Campinas: "Esse quadro favorece o surgimento de placas de gordura, o aumento do colesterol ruim e de triglicérides. Tudo isso, junto, limita o fluxo sanguíneo. Daí fica fácil imaginar por que o risco de infarto e AVC chega a ser oito vezes maior nesses pacientes."
Parênteses: segundo as diretrizes para tratar o diabetes tipo 2, a primeiríssima pergunta que o médico deve fazer ao paciente é se ele tem hipertensão, colesterol alto… Se ele já sofreu de um problema de coração, então, para tudo! A consulta passa a dar atenção especial ao peito, que fica em situação de altíssimo risco com o diabetes. Se o médico não está agindo assim, há algo de muito errado.
A situação do diabético tipo 2 ainda piora um bocado, se a gente pensar em outras substâncias — como me lembrou outro professor, Carlos Eduardo Barra Couri, um dos maiores especialistas em diabetes do país e pesquisador da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto. A doença, no caso do tipo 2, reduz os níveis de incretina, hormônio também conhecido como GLP1, liberado pelo intestino e que dá ordem ao pâncreas para secretar insulina quando chega comida ali.
Esse hormônio também avisa o cérebro que o indivíduo pode se sentir saciado — ora, não precisa abrir a geladeira se já está sendo abastecido de alimento. E hoje os cientistas sabem que, para completar, o diabetes tipo 2 altera neurotransmissores que igualmente levariam à sensação de saciedade. É uma bola de neve, favorecendo a comilança e o acúmulo de glicose no sangue — e colesterol, e triglicérides…. Pobre, coração.
"Um problema tão complexo não pode ser tratado de uma maneira simples", declara Barra Couri. O que ele quer dizer com isso: os médicos agora entendem que não adianta dar apenas um remédio, aquele para tentar fazer o organismo superar a resistência à insulina — um clássico do diabetes tipo 2. Afinal, esse é apenas um lado do problema, como você viu. A tendência agora é dar dois ou três medicamentos para cercar tudo o que acontece em cadeia no corpo desse diabético. E atenção: de cara. Nada de começar com um comprimido e esperar um tempo para entrar com outras medicações. Sim, algumas podem ser injetáveis.
O grande obstáculo: os pacientes resistem. Na verdade, infelizmente, resistem até mesmo à ideia de engolir um único remédio por dia. A metformina, um anti-diabético oral clássico, costuma ser abandonada após um ano e pouquinho de tratamento… Um tratamento que seria para a vida toda.
No entanto, todos precisam ficar por dentro da teoria da memória metabólica. E ela é incrível: o nosso organïsmo seria como aquela criança que foi bem educada nos primeiros anos de vida. Assim, na adolescência ou até mesmo na vida adulta, ninguém precisará ficar lembrando o tempo inteiro que essa pessoa deve dizer bom dia, obrigada, comer de boca fechada…
"Dar dois ou três remédios logo após o diagnóstico do tipo 2 é como educar o corpo na primeira infância. Ele aprende para sempre", disse Barra Couri ao blog. "E, depois disso, se a pessoa tiver um período de descontrole, ainda assim ela tenderá a não sofrer infarto, por exemplo." Ou seja, o seu organismo aprenderá cedo o que é o certo e tenderá, mesmo naquelas férias, voltar ao prumo. Então, esse é o novo jeito de tratar. Sem perda de tempo para encurralar a doença.
Essa ideia de pegar pesado com o diabetes tipo 2 recém-diagnosticado é mais importante ainda para as mulheres. Explico. Ninguém sabe o motivo, mas a doença é bem mais grave nelas. "Se eu tiver dois irmãos gêmeos, um homem e uma mulher, os dois com diabetes tipo 2, com a mesma dieta e a mesmíssima medicação, a mulher morre primeiro.", conta Barra Couri. Isto é, se não estiver se controlando nem tomando os remédios direito. E aí, provavelmente, de AVC ou de infarto.
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