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Blog da Lúcia Helena

O que talvez você ainda não saiba sobre o seu coração e o diabetes tipo 2

Lúcia Helena

11/12/2018 04h00

Crédito: iStock

Eu achava que falar de saúde cardiovascular e diabetes era um assunto batido. Mas para 57% dos 14 milhões de brasileiros com diabetes —gente de montão — dizer que têm mais risco de infarto por causa do açúcar que corre em suas veias é história da Carochinha vestindo jaleco. E nem vou falar de AVC, insuficiência cardíaca — essas que também estão entre as principais causas de morte no país (e no mundo) e que têm tudo a ver com diabetes. Tipo 2, em especial. Aliás, que tipinho…

Não coloque todas as formas diabetes no mesmo saco. Aquele que é chamado de tipo 1 pode até soar mais grave, até porque costuma dar as caras na infância. Só que não, como se diz por aí. Sei, sei, é um esforço de adaptação incrível acostumar-se com medições e picadas diárias para repor o hormônio insulina, já que suas fabriquetas no pâncreas — as famosas células Beta — são arrasadas pelo sistema imunológico em um ataque cruel, cujas motivações ninguém conhece.

Mas, na prática, levar um estilo saudável e repor o hormônio que falta na medida certa resolve o problema do tipo 1 —  saudações, um abraço e fim de discussão. O coração desse indivíduo, então, fica a salvo. Já no tipo 2…

O tipo 2, que representa nove em cada dez casos de diabetes entre nós — começa por aí —, é a verdadeira-bomba relógio para o peito. E é complicado toda a vida. Aliás, vamos dar um basta naquela história — bem ultrapassada, por sinal — de simplificar as coisas e explicar essa segunda forma de diabetes como uma resistência exacerbada à insulina, quando o pâncreas, cansado de tanto trabalhar, pirraçado constantemente por porções fartas de doces e outros carboidratos e castigado pelo sedentarismo,  deixa de produzir insulina o suficiente e, olhe lá, ainda gera um hormônio bem meia-boca. Isso, senhoras e senhores, é apenas parte da história.

O tipo 2 não envolve só a insulina. Ele mexe — e como mexe! — com outro hormônio, o glucagon. Esse faz, digamos, o papel oposto — o que, no caso em questão, é segurar toda a glicose que conseguir, no ledo engano de que ela está em falta. Dessa maneira, os rins, que deveriam filtrá-la, passam a fazer o inverso, isto é, a segurá-la. E aí mesmo é que esse açúcar vai se acumulando até não poder mais.

Esse descontrole nos níveis de glicose no sangue origina um estado de inflamação — uma inflamação baixinha, sim, mas sem um segundo de trégua, dos pés à cabeça. "E aí é que está"", ouvi do cardiologista Otavio Rizzi Coelho, professor da Universidade Estadual de Campinas: "Esse quadro  favorece o surgimento de placas de gordura, o aumento do colesterol ruim e de triglicérides. Tudo isso, junto, limita o fluxo sanguíneo. Daí fica fácil imaginar por que o risco de infarto e AVC chega a ser oito vezes maior nesses pacientes."

Parênteses: segundo as diretrizes para tratar o diabetes tipo 2, a primeiríssima pergunta que o médico deve fazer ao paciente é se ele tem hipertensão, colesterol alto… Se ele já sofreu de um problema de coração, então, para tudo! A consulta passa a dar atenção especial ao peito, que fica em situação de altíssimo risco com o diabetes. Se o médico não está agindo assim, há algo de muito errado.

A situação do diabético tipo 2 ainda piora um bocado, se a gente pensar em outras substâncias — como me lembrou outro professor, Carlos Eduardo Barra Couri, um dos maiores especialistas em diabetes do país e pesquisador da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto. A doença, no caso do tipo 2, reduz os níveis de incretina, hormônio também conhecido como GLP1, liberado pelo intestino e que dá ordem ao pâncreas para secretar insulina quando chega comida ali.

Esse hormônio também avisa o cérebro que  o indivíduo pode se sentir saciado — ora, não precisa abrir a geladeira se já está sendo abastecido de alimento. E hoje os cientistas sabem que, para completar, o diabetes tipo 2 altera neurotransmissores que igualmente  levariam à sensação de saciedade. É uma bola de neve, favorecendo a comilança e o acúmulo de glicose no sangue — e colesterol, e triglicérides…. Pobre, coração.

"Um problema tão complexo não pode ser tratado de uma maneira simples", declara Barra Couri. O que ele quer dizer com isso: os médicos agora entendem que não adianta dar apenas um remédio, aquele para tentar fazer o organismo superar a resistência à insulina — um clássico do diabetes tipo 2. Afinal, esse é apenas um lado do problema, como você viu.  A tendência agora é dar dois ou três medicamentos para cercar tudo o que acontece em cadeia no corpo desse diabético. E atenção: de cara. Nada de começar com um comprimido e esperar um tempo para entrar com outras medicações. Sim, algumas podem ser injetáveis.

O grande obstáculo: os pacientes resistem. Na verdade, infelizmente, resistem até mesmo à ideia de engolir um único remédio por dia. A metformina, um anti-diabético oral clássico, costuma ser abandonada após um ano e pouquinho de tratamento… Um tratamento que seria para a vida toda.

No entanto, todos precisam ficar por dentro da teoria da memória metabólica. E ela é incrível: o nosso organïsmo seria como aquela criança que foi bem educada nos primeiros anos de vida. Assim,  na adolescência ou até mesmo na vida adulta, ninguém precisará ficar  lembrando o tempo inteiro que essa pessoa deve dizer bom dia, obrigada, comer de boca fechada…

"Dar dois ou três remédios logo após o diagnóstico do tipo 2 é como educar o corpo na primeira infância. Ele aprende para sempre", disse Barra Couri ao blog. "E, depois disso, se a pessoa tiver um período de descontrole, ainda assim ela tenderá a não sofrer infarto, por exemplo." Ou seja, o seu organismo aprenderá cedo o que é o certo e tenderá, mesmo naquelas férias, voltar ao prumo. Então, esse é o novo jeito de tratar. Sem perda de tempo para encurralar a doença.

Essa  ideia de pegar pesado com  o diabetes tipo 2 recém-diagnosticado é  mais importante ainda para as mulheres. Explico. Ninguém sabe o motivo, mas a doença é bem mais grave nelas. "Se eu tiver dois irmãos gêmeos, um homem e uma mulher, os dois com diabetes tipo 2, com a mesma dieta e a mesmíssima medicação, a mulher morre primeiro.", conta Barra Couri. Isto é, se não estiver se controlando nem  tomando os remédios direito. E aí, provavelmente, de AVC ou de infarto.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.