Teste brasileiro revela, pela fala, se alguém é esquizofrênico ou bipolar

Crédito: iStock
Lá no fundo, a pessoa passa a se sentir estranha. Discretamente, aos poucos, vai evitando eventos sociais. Não importa o ambiente, pressente: algo de errado ou muito ruim pode acontecer a qualquer momento. Mas nada é assim tão gritante e ela muitas vezes acaba não procurando ajuda. Tenta tocar a vida, guardando toda a estranheza para si, até que surge a primeira alucinação, a marca assustadora e sofrida dos quadros psicóticos.
Bom seria se esse episódio — possivelmente, o primeiro de vários — nem ocorresse. Isso seria possível com um acompanhamento bem de perto do caso e uma série de intervenções, como evitar a todo custo situações de extremo estresse e ficar a léguas de substâncias, como drogas, que podem servir de gatilho. Fazer de tudo para prevenir a primeira alucinação pouparia muito dano, inclusive na capacidade cognitiva, que decai a cada crise no caso dos esquizofrênicos.
Daí o estardalhaço que está causando no mundo inteiro a proposta de diagnóstico desenvolvida pela psiquiatra Natália Bezerra Mota com seus colegas do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, onde a médica cearense se formou e atua desde 2006. É de cair o queixo.
Natália e seu grupo só precisam gravar a fala de um sujeito por 30 segundos, não mais, e então, pronto: um programa de computador faz a análise e devolve um desenho o certeiro, cheio de nós e arestas. Com fantásticos 93% de precisão, ele acusa os passos iniciais, silenciosos e traiçoeiros, da esquizofrenia e prevê com dois anos de antecedência o primeiro surto de alucinação. Sem contar que avisa, seis meses antes, quando a cognição do esquizofrênico irá escorregar ladeira abaixo.
Não à toa, a tecnologia criada na UFRN acaba de ganhar o Prêmio Abril & Dasa de Inovação Médica. E saiba: o teste apresenta a mesma acurácia para diagnosticar a bipolaridade, transtorno de humor que igualmente pode levar a alucinações. Também já existem cientistas cogitando estudá-lo para flagrar com antecipação diversos tipos de demência e até mesmo para acompanhar o desenvolvimento infantil.
O resultado é tão expressivo que já está sendo aplicado, para fins de estudo, em instituições da Inglaterra, dos Estados Unidos e do Canadá — e, aí, não só em inglês, mas em espanhol e em outros idiomas, só por segurança. Natália Mota, porém, é firme: o idioma não interfere em nada. O que interessa é um padrão diferente de desenho final, que sempre aparece nos esquizofrênicos e nos indivíduos com transtorno bipolar, sem importar se fizeram um relato em bom português, como os pacientes testados aqui, em chinês ou em qualquer outra língua.
Isso porque, não é de hoje, os psiquiatras observam que pessoas com esses transtornos mentais falam de um jeito peculiar. "A fala diferente seria como aquele estado febril, indicando algo de errado. Na febre, o médico precisa fazer exames para saber se a pessoa tem uma infecção por vírus, por bactéria ou outro problema. Não seria diferente ", compara. Mas, nos transtornos mentais, tudo o que os psiquiatras até então conseguiam era abrir bem os ouvidos para que pudessem reparar nas pistas soltas no ar pela voz.
O problema é que nesse tipo de diagnóstico, baseado na pura observação clínica, a palavra do especialista, dizendo se a pessoa é portadora de um determinado transtorno psicótico ou não, sempre é um tanto subjetiva, por mais que existam bons profissionais de saúde, critérios claros, questionários e manuais. A precisão aumenta com o tempo de observação do paciente, claro. No entanto, essa espera pela confirmação da suspeita pode ser longa demais. E não raro, antes disso, o sujeito alucina.
Creio que nem preciso explicar a tremenda diferença que pode fazer um teste de 30 segundos, que exibe o seu laudo em minutos, sendo simples, barato e, principalmente, capaz de oferecer um diagnóstico com tamanha antecedência.
Nos 30 segundos de fala, o programa capta quatro características comuns nas tais duas grandes famílias de quadros psicóticos — a da esquizofrenia e a do transtorno bipolar de humor. A primeira delas: os portadores são repetitivos. Mesmo em um discurso breve, como o do teste, repetem palavras ou até mesmo frases inteiras. E isso quando não tornam a contar uma história qualquer.
Uma segunda característica: eles tendem a não falar as coisas com começo, meio e fim. Tudo o que contam parece meio picotado. Sabe aquela sensação de que é difícil acompanhar onde alguém quer chegar?
Ah, também — terceiro aspecto — falam tudo em ritmo mais acelerado do que o da média da população, encerrando o assunto de forma brusca. E ponto final no papo, mesmo que aquilo que estavam relatando não tenha chegado exatamente ao tal do final ou a uma conclusão coerente.
A quarta e última característica que o programa criado na UFRN transforma em desenhos: o empobrecimento do discurso. Como se a pessoa não tivesse um repertório muito vasto de vocábulos. Nesse instante, aliás, perguntei à Natália Mota como ficariam aqueles cidadãos que vivem em condições menos favorecidas, já que naturalmente lhes falta acesso à educação de qualidade — ora, me parece que eles já teriam um linguajar empobrecido pelas dificuldades sociais, certo? A psiquiatra, então, explicou ao blog que o nosso discurso de fato sempre varia conforme a idade, o nível de educação e o estado psiquiátrico. O algorítimo do programa, porém, considera tudo isso e compara o empobrecimento das palavras com padrões de pessoas com o mesmo grau de instrução.
Esse, aliás, foi um dos focos de um desdobramento de sua pesquisa premiada, que foi publicado na sexta-feira passada na Nature Schizofrenia — notícia, então, quentinha que dou para você. O artigo confirma que até mesmo doutores bem letrados apresentam, entre os primeiros sinais sutis de manifestação de sua doença mental, um discurso confuso e pobre, pobre…
Se quiser dar uma olhada, o link está aqui:
https://www.nature.com/articles/s41537-018-0067-3
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