O exame que flagra a apneia do sono em casa, sem fios por todo o corpo
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Um em cada três moradores da cidade de São Paulo deixa de respirar à noite. Inúmeras vezes. E essas paradinhas — que de "inhas" não têm nada, se a gente pensar na frequência e nos estragos que fazem à saúde — podem ser acompanhadas de estrondos. Melhor, de engasgos e roncos. Mesmo quando as interrupções são quase inaudíveis, fazem o sujeito acordar um bagaço. O descanso, a todo instante interrompido pela falta de ar, acaba não acontecendo como deveria.
O número de pessoas na noite paulistana com apneia obstrutiva do sono — esse é o nome da encrenca — pode até ser extrapolado para outros centros urbanos brasileiros. "É uma epidemia", nota o professor Geraldo Lorenzi Filho, que é diretor do Laboratório do Sono da disciplina de pneumologia do Instituto do Coração, o InCor, da Universidade de São Paulo.
São pesquisadores do InCor, aliás, que apontam essa taxa de tirar o nosso sossego — a de que um terço dos brasileiros sofre de apneia. E afirmam isso depois de terem levado mais de 1.000 indivíduos de 20 a 80 anos para dormir no laboratório, ligados a fios em tudo o quanto é canto. O exame, a tal da polissonografia, é capaz de detectar o problema do qual a maioria dos portadores nem desconfia, porque os micro-despertares não chegam a ser registrados pela consciência. Mas bote fé: acontecem. E é mesmo importante flagrá-los.
A apneia não está apenas ligada à fadiga, mas aumenta demais o risco de infarto e AVC, se nada for feito. As interrupções na respiração jogam a pressão arterial para as alturas e, ainda, dão condições ideais para que o colesterol se deposite nos vasos.
A parada respiratória recorrente acontece porque nós, humanos, evoluímos para causar barulho. Explico. Macacos — queira você ou não queira, nossos tataravós na evolução — têm um queixo mais projetado à frente, por exemplo, favorecendo a passagem do ar na garganta. Nós, não. "Temos uma garganta pequena e uma língua muito grande. Você deita, dorme, relaxa e a casa cai", descreve o professor Lorenzi Filho. E como cai! O ar custa a passar. Respirar, perdão, vira um sufoco.
Tudo vai piorando com a idade, porque — vamos encarar — dos pés à cabeça vamos perdendo o tônus. Despencamos mesmo. Nessa região não é diferente. Embora ninguém esteja enxergando o seu interior, seus tecidos ficam frouxos e flácidos, sacudindo em cada inspiração e fechando a passagem.
A obesidade é outro fator por trás da apneia porque também engordamos por dentro e, então, tudo fica ainda mais estreito. Pior: descobri com o professor Lorenzi Filho que a nossa língua, já grandalhona por natureza, engorda acompanhando a cintura alargada. É mole? É. Mole e, ainda por cima, balofa. Cai para trás quando dormimos e… O resultado você imagina.
O desafio diante de um problema tão prevalente como a apneia é como levar tanta gente para fazer a polissonografia. Sem dúvida, um exame padrão-ouro, mas com um custo relativamente alto. E, para complicar de vez, exige que a gente saia da rotina, se desloque, durma fora de casa e conte carneirinhos entre um emaranhado de fios, o que não é exatamente um sonho.
Um esclarecimento apenas: a polissonografia flagra todo e qualquer distúrbio do sono, não apenas a apneia, e inclui observar madrugada afora as ondas cerebrais. É, sem dúvida, sensacional. Mas o mundo inteiro busca uma solução mais simples só para pegar as paradas respiratórias no pulo e encaminhar as pessoas com apneia ao tratamento — que varia, conforme a gravidade, de perder um pouco de peso a usar dispositivos especiais para evitar os bloqueios à passagem do ar.
Na França e na Espanha, por exemplo, os médicos têm indicado uma espécie de holter: o indivíduo vai para casa com um aparelho portátil capaz de medir a sua oxigenação durante a noite, ou seja, um oxímetro. No entanto, ainda existem alguns fios e uma certa complicação.
Daí o sucesso tecnologia criada por pesquisadores do próprio InCor em parceria com a startup Biologix: um sensor colocado na ponta do dedo indicador, conectado ao celular do próprio paciente. O dispositivo foi testado com sucesso em mais de 300 dorminhocos e os resultados não foram nada discrepantes com aqueles apontados pela complexa polissonografia feita no laboratório. Ou seja: dá para confiar.
Enquanto a pessoa examinada dorme, o aparelhinho na ponta do seu dedo mede a variação na quantidade de oxigênio que circula pelos vasos. É uma espécie de oxímetro, que percebe a diferença de oxigenação pela cor do sangue. É que ele fica um vermelho bem vivo quando está cheio de oxigênio e muda para um tom mais escuro quando a presença desse gás diminui na circulação. Na apneia, é uma gangorra: a taxa sobe e depois cai; sobe de novo e cai novamente.
As informações captadas na ponta do dedo são transmitidas por bluethtooth para o celular. A pessoa só precisa baixar um app que, diga-se, é de graça. E depois de uma noite bem, ou mal, dormida, o programa cria um relatório que segue para a nuvem da web, sendo acessado pelo médico onde quer que ele esteja.
Melhor eu esclarecer que esse não é um exame que qualquer um pode comprar o sensor, e boa. O que tem valor é a interpretação do especialista, apesar de toda a facilidade para executá-lo. Mas a simplificação, espera-se, fará diferença para muita gente. Até porque 93% das mulheres e 82% dos homens com apneia ainda não foram diagnosticados.
Aliás, sim, lamento informar que as mulheres sofrem de apneia e — ai, que medo… — depois da menopausa empatam em paradas respiratórias e roncos com os dormidores da ala masculina.
O exame brasileiro — finalista do Prêmio Dasa & Saúde — acaba de ser lançado, no início deste mês, no Congresso Brasileiro do Sono. Muitos especialistas da área começam a adotá-lo, assim laboratórios de análise clínica. Só assim aumentar o número de flagrantes em quem dorme perigosamente. E com outras vantagens.
Por ser simples, a nova tecnologia permite que o paciente repita o teste por duas ou três noites, o que pode ser uma boa. Isso porque a apneia, tal qual o ronco que pode acompanhá-la, piora quando a pessoa está muito cansada ou até mesmo quando consumiu alcool, já que a bebida aumenta o relaxamento dos tecidos que revestem a passagem do ar. A repetição, se o médico indicar, pode dar um cenário mais preciso.
Outra possibilidade é a do exame ser usado para acompanhar a eficiência do tratamento prescrito. Lorenzi Filho dá o exemplo das placas móveis indicadas para alguns pacientes. Elas são colocadas na boca na hora de ir para a cama, com a intenção de puxar o queixo para frente e, digamos, literalmente abrir a passagem. Mas nem sempre uma placa puxa o suficiente. Ou, tanto pior, às vezes puxa demais e desnecessariamente, provocando dores articulares e problemas nas arcadas dentárias. O teste com o dispositivo na ponta do dedo, porém, permitará que os especialistas encontrem a justa medida para que ninguém troque um problema por outro.
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