Os fungos que podem estar por trás da obesidade: Candida, agora até tu?
Que, lá no intestino, existem bactérias mais presentes em gordos e bactérias mais frequentes em magros, isso já é bem conhecido. Mas outros seres microscópicos resolveram botar o seu pezinho na balança e aqui eu lhes apresento o admirável mundo novo da micobiota. Ah, sim, você leu certo. Aqui é "mico" mesmo, como na palavra micose. Micobiota.
Não é da micro, a microbiota intestinal, que estou falando, que seria o conjunto inteiro dos mais diferentes micro-organismos habitantes desse espaço, diria, tão cosmopolita — superlotado não só pelas famosas bactérias, mas por vírus, arqueas, parasitas e, sim, fungos. E o papo agora é focado nestes inquilinos, a nossa tal de micobiota.
Dizer que são poucos os estudos questionando o seu papel na obesidade seria um gigantesco exagero. Isso porque até o momento só existem dois — dois! — trabalhos relacionando fungos e excesso de peso. Um deles foi realizado no México. O outro, mineirinho e recém concluído, é assinado por um time da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), para a gente fechar o ano com mais esta: por fora corpo rechonchudo, por dentro intestino bolorento.
No trabalho liderado pela farmacêutica bioquímica Francis Borges, professora da UFJF, foi comparada a micobiota de três grupos: 24 indivíduos obesos, 24 pessoas ligeiramente gordas ou com sobrepeso e, para completar, 24 criaturas magras. Todos foram pesados, medidos, preencheram questionários e contaram tintim por tintim como era o seu dia a dia, incluindo, claro, o que costumavam comer e beliscar por aí.
Também fizeram exames de sangue para que Francis Borges e sua equipe checassem a quantas andavam o colesterol, os triglicérides, a glicemia… O ponto alto da batelada de testes foi deixar, óbvio, amostras de fezes para o escrutínio dos pesquisadores.
Nessas amostras, existiam 854 unidades formadoras de colônias — cada pontinho na lâmina, uma verdadeira comunidade desses "micos" pronta para se expandir. Impossível saber quão numerosas cada uma delas e contar fungos um por um para fazer um censo. Eu explico.
O que os cientistas conseguem contabilizar com os equipamentos de seus laboratórios de microbiologia são células e, nessa turma dos fungos em especial, existem as chamadas leveduras, que são unicelulares, e os filamentosos que, para complicar a vida, são pluricelulares. Ou seja, pela contagem de células nunca dá para saber quantos fungos são.
Nas amostras colhidas em Juiz de Fora, como no fundo a professora Francis esperava, os fungos mais prevalentes em uns não eram os mais frequentes em outros.
Sua suspeita era motivada pelo fato de que a única coisa que a medicina já tinha como aposta certeira era do envolvimento dos fungos com as doenças inflamatórias intestinais. E como a obesidade não deixa de ser uma doença inflamatória…
Nos participantes magros, a bioquímica encontrou a predominância de uns tipinhos conhecidos Paecylomyces — e, parece, eles são muito associados ao tão sonhado equilíbrio da microbiota como um todo. Nos obesos, porém, dois outros gêneros de fungos dominavam o pedaço intestinal — o dos Penicillium e o dos Candida.
Pinicillium, quem diria… O mesmo fungo do bolor dos pães e dos queijos. O mesmíssimo, diga-se, que o cientista Alexander Fleming observou, sem querer, matando bactérias nas lâminas de seu laboratório em 1928 e — tchan, tchan, tchan, tchan — assim surgiu o primeiríssimo antibiótico da história, a penicilina.
Já a Candida, uma levedura, tem um representante ilustre, atordoante e famigerado, o albicans, provocador de coceiras e ardores lá, lá mesmo, onde esse bicho pega e inferniza a vida de mulheres com a tal da candidíase. E ele atormenta os genitais de homens também, viu?
O curioso é que o consumo de carboidratos parece ser diretamente proporcional à população dessa dupla Penicillium e Candida em quem está bem acima do peso ideal. Segundo a conversa que tive com Francis Borges, quando o obeso preferia se encher de frituras e outras fontes de gorduras em vez de atacar sobremesas, esses fungos não cresciam tanto. Sim, eles gostam de doces, pães e massas.
Aproveitei o papo e perguntei sobre os participantes com sobrepeso — e como seria então a micobiota dessa gente? Ouvi que assim como no IMC — que, neles, não é nem de magro e nem de obesos —, o que se encontrou no intestino foi uma combinação de fungos no meio do caminho, em que os Paecylomyces dos magros praticamente empatavam com as Candida e os Penicillium dos gordos.
Mas a pergunta que vale ouro é aquela que será feita em uma nova etapa de estudo: como será que esses fungos agem no que diz respeito à obesidade? Note o seguinte: no caso das bactérias, as numerosas bacteroidetes do intestino de quem está em dia com a balança ajudam a controlar o apetite, enquanto as firmicutes dos obesos favorecem o acúmulo da energia obtida pelos alimentos.
Será que os fungos apenas reagem ao nosso estilo de vida crescendo mais ou crescendo menos conforme o que comemos, por exemplo, ou será que, feito as bactérias em sua vizinhança, também fazem alguma coisa para piorar a situação de quem pena para emagrecer? "É a resposta que, adiante, pretendo buscar", avisa Francis Borges.
E, cá entre nós, provavelmente ela e seus colegas encontrarão alguma coisa nesse sentido. Afinal, a presença muito forte da candida nas fezes também se relacionou a taxas piores de gordura no sangue e a maior resistência à insulina. É, aí tem…
Se há alguma lição que já podemos tirar de cara é a de maneirar no açúcar e em outros carboidratos simples. No que diz respeito à micobiota pelo menos, em exagero eles é que fazem o sonho de um corpo em forma ficar mofando ano após ano. E ninguém quer uma promessa de Ano Novo criando mofo.
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