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Blog da Lúcia Helena

Estar acima do peso é doloroso, ao pé da letra. Piora até a enxaqueca

Lúcia Helena

03/01/2019 04h00

Crédito: Istock

Estar gordo pode ser uma situação bem sofrida. E não me refiro à autoestima que, para uns, sai machucada, nem à obviedade de que as articulações, como as dos joelhos, saem massacradas pela sobrecarga de um corpo mais pesado do que poderiam suportar. A obesidade parece piorar qualquer tipo de dor crônica, mal que atormenta mais ou menos 20% da população mundial, por baixo. Por baixo mesmo, já que as queixas crescem cerca de 10% ao ano, a galope.

Dor crônica é uma dor completamente inútil, se quer saber a minha concepção. Ela não é igual à dor aguda, de quando você pisa num prego e, ao sentir a espetadela, afasta imediatamente o pé. Nem é o ardor de quando você tenta tirar aquela assadeira no fogo e ela está quente demais, fazendo você quase ou literalmente — já aconteceu comigo — derrubar a comida. 

A dor aguda é um mecanismo de proteção. Doeu a barriga? Você ingeriu algo que não caiu bem, ela logo avisa. Já a dor crônica, por definição aquela que é recorrente por um período maior de três meses, é de uma inutilidade cruel. Uma dor que parece existir só para nos fazer padecer.E tudo indica que os quilos a mais reforçam esse sadismo biológico.

Quer ver o que os números apontam? A fonte é a Universidade Stone Brook, nos Estados Unidos, em uma pesquisa realizada com o Instituto Gallup, ok? Pois bem: quem tem um IMC entre 25,1 e 29,0, ou seja, é uma pessoa gordinha, apenas com sobrepeso, apresenta 20% mais dores crônicas do que quem está na faixa de peso ideal.

A coisa piora na medida em que o IMC aumenta. Um obeso grau 1, isto é, aquele cujo índice fica entre 30 e 34,9, sente 68% vezes mais dores crônicas. Um IMC entre 35 e 39,9, aquele do obeso grau 2, provoca um aumento de 136% nos episódios dolorosos — atenção, a comparação é sempre com pessoas que exibem um peso normal. Finalmente, o obeso mórbido, que ultrapassa um IMC de 40,  tem 254% mais dores crônicas.

Vamos abrir parênteses para algumas ponderações muito justas. A obesidade, por si só, causa doenças que também pinicam, ardem, latejam. Tudo se embaralha um pouco nesse tipo de raciocínio. Vale eu lembrar ainda que a percepção de dor é pessoal e intransferível: o que é um ligeiro mal-estar para mim pode ser um tormento para você. Portanto, estudos sobre dor sempre são alvo de alguma espécie de crítica pelo número de fatores envolvidos e pelo grau relativamente alto de subjetividade. 

Na verdade, dores crônicas envolvem tantos fatores que seria irresponsável afirmar que só tenha a ver com ser magro ou ser gordo. Mas que os quilos a mais pesam na história, ah, devem pesar…

Quem vive martelando nessa suspeita é a neurologista americana Barbara Lee Peterlin, que lidera o Centro de Pesquisas sobre Dor de Cabeça na Universidade Johns Hopkins. Depois de acompanhar 3 862 pessoas, ela notou que o risco de crises de enxaqueca era 81% maior nos obesos.

Em outro trabalho, a médica acompanhou mais de 100 pacientes enxaquecosos que foram submetidos à cirurgia bariátrica e, entre eles, observou-se a queda de uma média de oito para quatro crises por mês depois de operados. O que não espanta: dados brasileiros também acusam que os episódios de enxaqueca chegam a ser 50% mais frequentes quando o sofredor pena também com a obesidade.

Já na Universidade de Utah, nos Estados Unidos, pesquisadores reuniram 215 mulheres com fibromialgia, sendo que um terço delas estava acima do peso. E, quando cuturam os famigerados pontos dolorosos espalhados pelo corpo, mapeados para diagnosticar essa doença, as que estavam acima do peso relataram um incômodo mais forte, em uma escala de zero a 10.

Aqui, cito apenas essas pesquisas. Mas quem buscar mais dados vai achar. Elas não param de ganhar volume e todas apostam: o elo perdido ligando a obesidade à dor crônica são as substâncias inflamatórias. Faz sentido. Vamos lá, procure entender.

O adipócito, a tal célula de gordura, não fica paradinho de boa, só estocando energia. Ele é danado para produzir substâncias como a interleucina-6 (IL-6) e o fator de necrose tumoral-alfa (TNF-alga). Ah, eu sei, são nomes bem chatos, mas, se o assunto é dor, queria o quê?  Imagine que quanto mais gordura acumulada pelo corpo, maior a produção dessas substâncias torturantes.

Quando a dupla chega ao fígado, aí mesmo é que o circo da dor fica armado. Porque ele se sente incentivado, por assim dizer, a despejar na corrente sanguínea mais uma substância inflamatória, a proteína-C reativa. Cria-se assim uma inflamação sutil e perene por todo o corpo. E eis o "x" da questão deste post: esse trio incita substâncias mensageiras que ativam os nervos encarregados de avisar o cérebro, pela medula espinhal,  " hey, está doendo!".

Pensa que acabou? O final pode ser ainda mais penoso se a gente pensar que a tal IL-6, descarregada sem dó nem piedade  pelos nossos pneus, pode ainda atrapalhar a atuação do neurotransmissor serotonina na massa cinzenta. E isso, se não aumenta a dor em si, mina a nossa capacidade de suportar qualquer coisinha diferente.

Posso escrever mais linhas cheias de aflição, contando entre outras que, se existe um quadro de pré-diabetes, o obeso também vai produzir mais noradrenalina, hormônio capaz de intensificar os sinais dolorosos.

O fato é que a vida pode se tornar menos doída se a gente resolver praticar exercício, equilibrar as porções no prato e, se for o caso, buscar ajuda médica para conquistar um peso adequado. Dá para ser feliz obeso? Dá, claro que dá. Mas, sejamos honestos, é mais difícil suportar nossas dores com um sorriso. 

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.